(Contos populares do Brasil - Sergipe)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Uma vez um rei teve um filho que nasceu logo muito grande e robusto. No fim de oito dias já o menino comia um boi inteiro. O rei ficou muito assustado e mandou chamar os conselheiros para lhe dizerem o que se havia de fazer, pois aquele filho lhe acabava com toda a fortuna. Os conselheiros foram da opinião que o rei mandasse o filho procurar a sua vida. O príncipe pediu que lhe mandasse fazer uma bengala de ferro muito grossa e pesada, um machado e uma foice também grandes e pesados, e partiu.
Chegando à casa de um senhor de engenho, pediu serviço, e o dono da casa o aceitou. Foi o moço derrubar uma roça e deitou com três ou quatro foiçadas quase todas as matas do engenho embaixo. O dono ficou muito assustado, e não o quis mais o seu serviço. Além disto, na hora de jantar, o príncipe não quis o comer que lhe deram por não chegar nem para o buraco de um dente, e pediu um boi e um alqueire de farinha. O senhor do engenho, pensando que ele não pudesse comer tudo, mandou dar-lhe para o experimentar, e ainda mais espantado ficou quando o viu devorar tudo, e o despediu. Voltou o príncipe para o palácio de seu pai. Aí esteve alguns dias, até que o rei mandou de novo reunir os conselheiros, que foram de opinião que o rei mandasse o príncipe pegar seis leões bravos nas matas. Isto era para ver se os leões davam cabo dele. O moço pediu um carro e uma junta de bois. Chegando nas matas dos leões passou lá seis dias. Em cada dia matava um boi do carro e pegava um leão, botava no lugar, e o amansava. Depois cortou umas árvores muito grandes e botou no carro e largou-se para trás. Quando o rei o viu foi aquele zoadão que parecia que queria vir tudo abaixo. Era o barulho das árvores e dos leões que vinham com Manoel da Bengala. Assim se ficou chamando o príncipe, por causa da bengala de ferro. Afinal o rei ordenou-lhe que ganhasse o mundo e não lhe voltasse mais em casa. O príncipe partiu.
Chegando adiante viu um homem passando um rio cheio, mas sem se molhar, e disse: “Adeus, Passa-Vau.” 38 — “Adeus, Manoel da Bengala.” — “Passa-Vau, você quer andar na minha companhia?” — “Quero.” — “Apois então me passe para banda de lá.” Passa-Vau o passou e seguiram juntos. Mais adiante encontraram um homem cortando muito cipó e emendando para fazer um laço, e Manoel da Bengala disse: “Adeus, Arranca-Serra.” — “Adeus, Manoel da Bengala.” — “Arranca-Serra, você quer andar comigo?...” — “Apois não, Manoel da Bengala!” — “Entonce vamos.” E partiram.
Cada dia um dos três ia buscar comida para todos. Quando foi uma vez, Passa-Vau foi buscar mantimento e encontrou no caminho um moleque muito preto, de carapuça de latão, que lhe pediu fogo para o cachimbo. Passa-Vau não quis dar, e o moleque trepou-lhe o cachimbo na cabeça e o derrubou no chão, como morto. Daí a muito tempo é que ele veio a si, voltou e contou aos companheiros o que lhe tinha acontecido. Arranca-Serra disse: “Ora, Passa-Vau, você é muito mofino; amanhã quem vai sou eu.” Assim foi. Quando andava por longe, apareceu-lhe aquele moleque da cabeça de latão, que lhe pediu fogo para o cachimbo. Ele não quis dar, e travaram luta; o moleque arrumou-lhe com o cachimbo na cabeça e o deitou por terra. Daí a muito tempo é que ele deu acordo de si e voltou para os outros. Manoel da Bengala o debicou muito, chamando-o de mofino, e no dia seguinte quando foi buscar mantimento foi ele. Lá bem longe encontrou o moleque da cabeça de latão, que lhe disse: “Como vai, Manoel da Bengala?” “Vou bem; você como está?” — “Bom, muito obrigado; Manoel da Bengala, você me dá fogo para o meu cachimbo?” — “Não te dou, moleque; sai-te daqui.”
E meteu-lhe a bengala e o moleque meteu-lhe o cachimbo. Travaram uma briga desesperada. Afinal Manoel da Bengala arrumou-lhe uma cacetada na cabeça, e arrancou-lhe a carapuça de latão. O moleque, então, dizia: “Manoel da Bengala, me dê minha carapuça.” — “Não te dou, moleque.” E assim foram andando, até que Manoel da Bengala lhe disse: “Só te dou a carapuça se me deres as três princesas que tu tens presas.” Aí o moleque, que era o cão, respondeu: “Isto não, porque não são minhas.” E foram andando até que o moleque entrou por um buraco adentro, e Manoel da Bengala enfiou atrás. Lá dentro foram dar num palácio muito rico, onde havia um engenho em que estavam trabalhando muitas pessoas. Era o inferno. E sempre o moleque a pedir a carapuça de latão, e o príncipe a pedir as princesas. O cão, que conheceu que não podia com a vida dele, deu-lhe as moças; mas o príncipe lhe disse: “Agora só lhe dou a carapuça si me botar lá fora no meu caminho.” O moleque não quis e ele meteu-lhe a bengala. Afinal consentiu. Mas os companheiros, que tinham ficado da banda de fora do buraco, logo que viram sair as três moças que o cão tinha levado para fora, fugiram com elas, querendo enganar a Manoel da Bengala, que as queria para casar com uma, e dar aos outros a cada um a sua. Quando ele chegou fora, deu a carapuça de latão ao demônio, e este sumiu-se. Ele procurou as moças, não as encontrou, e ficou desapontado. Os dois companheiros de Manoel da Bengala tinham ido com elas, que eram princesas, para as entregar ao rei, seu pai, e dizerem que eles é que as tinham salvado, e por isso deviam se casar com elas. O rei ficou muito alegre com a chegada das filhas que não via há muito tempo, mas as moças muito tristes e a chorar, dizendo ao pai que não tinham sido aqueles que as tinham salvado. Manoel da Bengala tinha três lenços que as moças lhe tinham dado; pegou num deles e disse: “Avoa e vai cair no colo de tua dona.” O lenço virou-se num papagaio e voou e foi cair no colo da princesa mais velha e lá virou-se no lenço outra vez. A princesa ficou muito contente e disse: “Eu só me caso com o dono deste lenço.” Manoel da Bengala pegou no outro lenço e disse: “Avoa e vai cair no colo de tua dona.” O lenço virou-se num papagaio e foi cair no colo da princesa do meio. Ela ficou muito contente e disse: “Eu só me caso com o dono deste lenço.” Manoel da Bengala então pegou no terceiro lenço e disse: “Avoa e bota-me na casa das três princesas.” De repente lá se achou. Houve muita alegria; ele se casou com a mais bonita das moças, e os outros dois foram expulsos, depois de muito castigados, e as duas princesas se casaram com outros príncipes.
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