Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Leandrinho, o moço mais
elegante e mais peralta do bairro de São Cristóvão, frequentava a casa do
senhor Martins, que era casado com a moça mais bonita da Rua do Pau-Ferro.
Mas, por uma singularidade
notável, tão notável que a vizinhança logo notou, Leandrinho só ia à casa do
senhor Martins quando o senhor Martins não estava em casa.
Esperava que ele saísse e
tomasse o bonde que o transportava à cidade, quase à porta da sua repartição;
entrava no corredor com a petulância do guerreiro em terreno conquistado, e
dona Candinha (assim se chamava a moça mais bonita da Rua do Pau-Ferro)
introduzia-o na sala de visitas, e de lá passavam ambos para a alcova, onde os
esperava o tálamo aviltado pelos seus amores ignóbeis.
A ventura de Leandrinho tinha
um único senão: havia na casa um cãozinho de raça, um bull-terrier, chamado Black, que latia desesperadamente sempre que
farejava a presença daquele estranho.
Dir-se-ia que o inteligente
animal compreendia tudo e daquele modo exprimia a indignação que tamanha
patifaria lhe causava.
Entretanto, o inconveniente
foi remediado. A poder de carícias e pão de ló, a pouco e pouco logrou o
afortunado Leandrinho captar a simpatia de Black, e este, afinal, vinha aos
pulos recebê-lo à porta da rua, e acompanhava-o no corredor, saltado-lhe às
pernas, lambendo-lhe as mãos, corcoveando, arfando, sacudindo a cauda irrequieta
e curva.
As mulheres viciosas e
apaixonadas comprazem-se na aproximação do perigo; por isso, dona Candinha
desejava ardentemente que Leandrinho travasse relações de amizade com o senhor
Martins.
Tudo se combinou, e uma bela
noite os dois amantes se encontraram, como por acaso, num sarau do Clube Familiar
da Cancela. Depois de dançar com ele uma valsa e duas polcas, ela teve o
desplante de apresentá-lo ao marido.
Sucedeu o que invariavelmente
sucede. A manifestação de simpatia do senhor Martins não se demorou tanto como
a Black: foi fulminante.
Os maridos são por via de
regra, menos desconfiados que os bull-terrier.
O pobre homem nunca tivera
diante de si cavalheiro tão simpático, tão bem educado, tão insinuante. Ao
terminar o sarau, pareciam dois velhos amigos.
À saída do clube, Leandrinho
deu o braço a dona Candinha, e, como, “também morava para aqueles lados”,
acompanhou o casal até a Rua do Pau-Ferro.
Separam-se à porta da casa.
O marido insistiu muito para
que o outro aparecesse. Teria o maior prazer em receber a sua visita. Jantavam
às cinco. Aos domingos um pouco mais cedo, pois nesses dias a cozinheira ia
passear.
— Hei de aparecer, prometeu
Leandrinho.
— Olhe, venha quarta-feira,
disse o senhor Martins. Minha mulher faz anos nesse dia. Mata-se um peru e há
mais alguns amigos à mesa, poucos, muito poucos, e de nenhuma cerimônia. Venha.
Dar-nos-á muito prazer. — Não faltarei, protestou Leandrinho.
E despediu-se.
— É muito simpático, observou
o senhor Martins metendo a chave no trinco. — É, murmurou secamente dona
Candinha.
Black, que os farejara,
esperava-os lá dentro, no corredor, grunhindo, arranhando a porta, corcoveando,
arfando, sacudindo a cauda irrequieta e curva.
Na quarta feira aprazada
Leandrinho embonecou-se todo e foi à casa do senhor Martins., levando consigo
um soberbo ramo de violetas.
O dono da casa, que estava na
sala de visitas com alguns amigos, encaminhou-se para ele de braços abertos, e
dispunha-se a apresentá-lo às pessoas presentes, quando Black veio a correr lá
de dentro, e começou a fazer muitas festas ao recém chegado, saltando-lhe às
pernas, lambendo-lhe as mãos, corcoveando, arfando, sacudindo a cauda
irrequieta e curva.
O senhor Martins, que conhecia
o cão e sabia-o incapaz de tanta familiaridade com pessoas estranhas, teve uma
ideia sinistra, e como os dois amantes enfiassem, a situação ficou para ele
perfeitamente esclarecida. Não se descreve o escândalo produzido pela inocente
indiscrição de Black. Basta dizer que, a despeito da intervenção dos parentes e
amigos ali reunidos, dona Candinha e Leandrinho foram postos na Rua a pontapés
valentemente aplicados.
O senhor Martins, que não
tinha filhos, a princípio sofreu muito, mas afinal habituou-se à solidão.
Nem era esta assim tão grande,
pois todas as vezes que ele entrava em casa, vinha recebê-lo o seu bom amigo, o
indiscreto Black saltando-lhe às pernas, lambendo-lhe as mãos, corcoveando,
arfando, sacudindo a cauda irrequieta e curva.
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