Um fiscal de jogo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Conheci e conheço Antunes Segadas
Bustamante. Quando, porém, o conheci, há anos, era um pronto mais pronto ainda
do que eu. Era cuidadoso com o seu corpo e a sua roupa e tinha meios e modos de
sempre andar com ternos novos e bengalas de apuro. Ninguém sabia como ele
arranjava aquilo, tanto mais que todos o sabíamos honesto.
Ele viera ao Rio estudar qualquer
coisa, mas não se formara em nada. E, como quem não se forma em nada tem a
mania de que é poeta e jornalista, ele deu em frequentar as rodas de poetas e
jornalistas. Não tinha jeito para a coisa, aos poucos foi deixando de publicar
sonetos nas revistas e crônicas insulsas nos jornais de pouca circulação. Não
era nem mau, nem bom rapaz; era um simples e tolerável companheiro. Não fumava,
não bebia. Sentava-se no café, ouvia o que os mais sábios diziam, guardava-lhes
as opiniões e ia repeti-las em outro grupo como sendo dele.
A sua ambição era um emprego e
casar bem; e, para casar bem, era preciso ter um bom emprego. Uma coisa era
função da outra. Por isso, ele desdenhava os empregos de amanuense e
escriturário e “cavava” coisa melhor. Era tenaz e nunca cedeu em tal propósito,
no que fez bem, como veremos.
Veio a agitação nacionalista e
ele logo se alistou num dos muitos clubes que têm esse qualificativo. Com a
força que dá falso entusiasmo, Antunes conseguiu sobressair na “causa”.
Aproximou-se das altas personagens da República, fez-se conhecido delas, não
deixava de cumprimentá-las na rua, frequentava-as e procurava sempre; enfim,
mostrava-se.
Surgiu a regulamentação do jogo,
com impostos sobre as respectivas casas, fiscais e todo um aparelho de sociedade,
para tornar sério o pano verde e dar dinheiro ao Estado severo e paternal.
Bustamante logo ambicionou um
lugar de fiscal, cargo rendoso; e, para obtê-lo, pôs em campo todas as suas
relações e toda a sua tenacidade.
Interessou fulano na sua
pretensão, rogou a beltrano, falou a sicrano e conseguiu a coisa.
Depois de nomeado, foi há dias
que o encontrei; e, após os cumprimentos, perguntei-lhe:
— Como te tens dado com o lugar?
— Magnificamente! Ceio lautamente
todas as noites, vejo lindas mulheres e bebo champagne a rodo. Tudo isto de graça. Não é bom?
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