Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Era hábito dos dois, todas as
tardes, após o jantar, jogar uma partida de bilhar em cinquenta pontos, finda a
qual iam, em pequenos passos, até ao Largo da Carioca tomar café e licores, e,
na mesa do botequim, trocando confidências, ficarem esperando a hora dos
teatros, enquanto que, dos charutos, fumaças azuladas espiralavam
preguiçosamente pelo ar.
Em geral, eram as conquistas
amorosas o tema da palestra; mas, às vezes; incidentemente, tratavam dos
negócios, do estado da praça e da cotação das apólices.
Amor e dinheiro, eles juntavam
bem e sabiamente.
O Comendador era português, tinha
seus cinquenta anos, e viera para o Rio aos vinte e quatro, tendo estado antes
seis no Recife. O seu amigo, o Coronel Carvalho, também era português, viera,
porém, aos sete para o Brasil, havendo sido no interior, logo ao chegar,
caixeiro de venda, feitor e administrador de fazenda, influência política; e,
por fim, por ocasião da bolsa, especulara com propriedades, ficando daí em
diante senhor de uma boa fortuna e da patente de coronel da Guarda Nacional.
Era um plácido burguês, gordo, ventrudo, cheio de brilhantes, empregando a sua
mole atividade na gerência de uma fábrica de fósforos. Viúvo, sem filhos,
levava a vida de moço rico. Frequentava cocottes;
conhecia as escusas casas de rendez-vous,
onde era assíduo e considerado; o outro, o Comendador, que era casado,
deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do Engenho Velho a se interessar
pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu amigo e compadre.
Gostava das mulheres de cor e as
procurava com o afinco e ardor de um amador de raridades.
À noite, pelas praças mal
iluminadas, andava catando-as, joeirando-as com olhos chispantes de lubricidade
e, por vezes mesmo, se atrevia a seguir qualquer mais airosa pelas ruas de
baixa prostituição.
— A mulata, dizia ele, é a
canela, é o cravo, é a pimenta; é, enfim, a especiaria de requeime acre e
capitoso que nós, os portugueses, desde Vasco da Gama, andamos a buscar, a
procurar.
O coronel era justamente o
contrário: só queria às estrangeiras; as francesas e italianas, bailarinas,
cantoras ou simplesmente meretrizes, era o seu fraco.
Entretanto havia já quinze dias,
que não se encontravam no lugar aprazado e a faltar era o Comendador, a quem o
coronel sabia bem por informações do seu guarda-livros.
Ao acabar a segunda semana dessa
ausência imprevista, o coronel, maçado e saudoso, foi procurar o amigo na sua
loja à Rua dos Pescadores. Lá o encontrou amável e de boa saúde. Explicaram-se;
e entre eles ficou assentado que se veriam naquele dia, à tarde, na hora e
lugar habituais.
Como sempre, jantaram fartamente
e regiamente regaram o repasto com bons vinhos portugueses. Jogaram a partida
de bilhar e depois, como encarrilhados, seguiram para o café de costume no
Largo da Carioca.
No princípio, conversaram sobre a
questão das minas de Itaoca, vindo então à baila a inépcia e a desonestidade do
governo; mas logo depois, o Coronel que "tinha a pulga atrás da
orelha", indagou do companheiro o motivo de tão longa ausência.
— Oh! Não te conto! Foi um
"achado", a coisa, disse o Comendador, depois de chupar fortemente o
charuto e soltar uma volumosa baforada; um petisco que encontrei... Uma mulata
deliciosa, Chico! Só vendo
o que é, disse a rematar, estalando
os beiços.
— Como foi isso? inquiriu o
coronel pressuroso. Como foi? Conta lá!
— Assim. A última vez que
estivemos juntos, não te disse que no dia seguinte iria a bordo de um paquete
buscar um amigo que chegava do Norte?
— Disseste-me. E daí?
— Ouve. Espera. C'os diabos isto
não vai a matar! Pois bem, fui a bordo. O amigo não veio... Não era bem meu
amigo... Relações comerciais... Em troca...
Por essa ocasião rolou um carro
no calçamento. Travou em frente ao café e por ele adentro entrou uma gorda mulher,
cheia de plumas e sedas, e para vê-la virou-se o Comendador, que estava de
costas, interrompendo a narração. Olhou-a e continuou depois:
— Como te dizia: não veio o
homem, mas enquanto tomava cerveja com o comissário, vi atravessar a sala uma
esplêndida mulata; e tu sabes que eu...
Deixou de fumar e com olhares
canalhas sublinhou a frase magnificamente.
— De indagação em indagação,
soube que viera com um alferes do Exército; e murmuravam a bordo que a Alice
(era seu nome, soube também) aproveitara a companhia, somente para melhor
mercar aqui os seus encantos. Fazer a vida... Propositalmente, me pareceu, eu
me achava ali e não perdia vaza, como tu vais ver.
Dizendo isto, endireitou o corpo,
alçou um tanto a cabeça, e seguiu narrando:
— Saltamos juntos, pois viemos
juntos na mesma lancha — a que eu alugara. Compreendes? E, quando embarcamos
num carro, no Largo do Paço, para a pensão, já éramos conhecimentos velhos;
assim pois...
— E o alferes?
— Que alferes?
— O alferes que vinha com a tua
diva, filho? Já te esqueceste?
— Ah! Sim! Esse saltou na lancha
do Ministério da Guerra e nunca mais o vi.
— Está direito. Continua lá a
coisa.
— E... e... Onde é que estava?
Hein?
— Ficaste: quando ao saltar,
foram para a pensão.
— É isto! Fomos para a Pensão
Baldut, no Catete; e foi, pois, assim que me apossei de um lindo primor — uma
maravilha, filho, que tem feito os meus encantos nestes quinze dias — com os
raros intervalos em que me aborreço em casa, ou na loja, já se vê bem.
Repousou um pouco e, retomando
logo após a palavra, assim foi dizendo:
— É uma coisa extraordinária! Uma
maravilha! Nunca vi mulata igual. Como esta, filho, nem a que conheci em
Pernambuco há uns vinte e sete anos! Qual! Nem de longe!. Calcula que ela é
alta, esguia, de bom corpo; cabelos negros corridos, bem corridos: olhos
pardos. É bem fornida de carnes, roliça; nariz não muito afilado, mas bom! E
que boca, Chico! Uma boca breve, pequena, com uns lábios roxos, bem quentes...
Só vendo mesmo! Só! Não se descreve.
O Comendador falara com um ardor
desusado nele; acalorara-se e se entusiasmara deveras, a ponto de haver na sua
fisionomia estranhas mutações. Por todo ele havia aspecto de um suíno, cheio de
lascívia, inebriado de gozo. Os olhos arredondaram-se e diminuíram; os lábios se
haviam apertado fortemente e impelidos pra diante se juntavam ao jeito de um
focinho; o rosto destilava gordura; e, ajudado isto pelo seu físico, tudo nele
era de um colossal suíno.
— O que pretendes fazer dela?
Dize lá.
— É boa... Que pergunta! Prová-la,
enfeitá-la, enfeitá-la e "lançá-la" E é pouco?
— Não! Acho até que te excedes.
Vê lá, tu!
— Hein? Oh! Não! Tenho gasto
pouco. Um conto e pouco... Uma miséria!
Acendeu o charuto e disse
subitamente, ao olhar o relógio:
— Vou buscá-la de carro, porquanto
vamos ao cassino, e tu me esperas lá, pois tenho um camarote. Até já.
Saindo o seu amigo, o coronel
considerou um pouco, mandou vir água Apolináris, bebeu e saiu também.
Eram oito horas da noite.
Defronte ao café, o casarão de
uma ordem terceira ensombrava a praça parcamente iluminada pelos combustores de
gás e por um foco elétrico ao centro. Das ruas que nela terminavam, delgados
filetes de gente saíam e entravam constantemente. A praça era como um tanque a
se encher e a se esvaziar equitativamente. Os bondes da Jardim semeavam pelos
lados a branca luz de seus focos e, de onde em onde, um carro, um tílburi, a
atravessava célere.
O coronel esteve algum tempo
olhando o largo, preparou um novo charuto, acendeu-o, foi até à porta, mirou um
e outro transeunte, olhou o céu recamado de estrelas, e, finalmente, devagar,
partiu em direção à Lapa.
Quando entrou no cassino, ainda o
espetáculo não havia começado.
Sentou-se a um banco no jardim,
serviu-se de cerveja e entrou a pensar.
Aos poucos, vinham chegando os
espectadores. Naquele instante entrava um. Via-se pelo acanhamento, que era um
estranho às usanças da casa. Esmerado no vestir, no calçar, não tinha em troca
o desembaraço com que se anuncia o habitué. Moço, moreno, seria elegante se não
fosse a estreiteza de seus movimentos. Era um visitante ocasional,
recém-chegado, talvez, do interior, que procurava ali uma curiosidade, um
prazer da cidade.
Em seguida, entrou um senhor
barbado, de maçãs salientes, rosto redondo, acobreado. Trazia cartola, e pelo
ar solene, pelo olhar desdenhoso que atirava em volta, descobria-se nele um
legislador da Cadeia Velha, deputado, representante de algum Estado do Norte,
que, com certeza, há duas legislaturas influía poderosamente nos destinos do
país com o seu resignado apoiado. E assim, um a um, depois aos magotes, foram
entrando os espectadores. Ao fim, na cauda, retardados, vieram os
frequentadores assíduos — pessoas variegadas de profissão e moral que com
frequência blasonavam saber os nomes das cocottes, a proveniência delas e as
suas excentricidades libertinas. Entre os que entravam naquele momento, entrara
também o Comendador e o " achado".
A primeira parte do espetáculo
correra quase friamente.
Todos, homens e mulheres,
guardavam as maneiras convencionadas de se estar em público. Era cedo ainda.
Em meio, porém, da segunda, as
atitudes mudaram. Na cena, uma delgadinha senhora (chanteuse à diction — no cartaz) berrava uma cançoneta francesa. Os
espectadores, com batidos das bengalas nas mesas, no assoalho, e com a voz mais
ou menos comprometida, estribilhavam-na doidamente. O espetáculo ia no auge. Da
sala aos camarotes subia um estranho cheiro — um odor azedo de orgia.
Centenas de charutos e cigarros a
fumegar enevoavam todo ambiente.
Desprendimentos do tabaco, emanações
alcoólicas, e, a mais, uma fortíssima exalação de sensualidade e lubricidade,
davam à sala o aspecto repugnante de uma vasta bodega.
Mais ou menos embriagado, cada um
dos espectadores tinha para com a mulher com quem bebia, gestos livres de alcova.
Francesas, italianas, húngaras, espanholas, essas mulheres, de dentro das
rendas, surgiam espectrais, apagadas, lívidas como moribundas. Entretanto, ou
fosse o álcool ou o prestígio de peregrinas, tinham sobre aqueles homens um
misterioso ascendente. A esquerda, na plateia, o majestoso deputado da entrada
coçava despudoradamente a nuca da Dermalet, uma francesa; em frente o doutor
Castrioto, lente de uma escola superior, babava-se todo a olhar as pernas da
cantora em cena, enquanto em um camarote defronte, o Juiz Siqueira apertava-se
à Mercedes, uma bailarina espanhola, com o fogo de um recém-casado à noiva.
Um sopro de deboche percorria
homem a homem.
Dessa forma o espetáculo
desenvolvia-se no mais fervoroso entusiasmo e o coronel, no camarote, de soslaio,
pusera-se a observar a mulata. Era bonita de fato e elegante também. Viera com
um vestido creme de pintas pretas, que lhe assentava magnificamente.
O seu rosto harmonioso,
enquadrado num magnífico chapéu de palha preta, saía firme do pescoço roliço que
a blusa decotada deixava ver. Seus olhos curiosos, inquietos, voavam de um lado
a outro e a tez de bronze novo cintilava à luz dos focos. Através do vestido se
lhe adivinhavam as formas; e, por vezes, ao arfar, ela toda trepidava de
volúpia...
O Comendador pachorrentamente
assistia ao espetáculo e fora do costume, pouco conversou. O amigo, pudicamente
não insistiu no exame.
Quando saíram de permeio à
multidão, acumulada no corredor da entrada, o coronel teve ocasião de verificar
o efeito que fizera a companheira do amigo. Ficando mais atrás, pôde ir
recolhendo os ditos e as observações que a passagem deles ia sugerindo a cada
um.
Um rapazola dissera:
— Que "mulatão"!
Um outro refletiu:
— Esses portugueses são os
demônios para descobrir boas mulatas. É faro. Ao passarem os dois, alguém, a
quem ele não viu, maliciosamente observou:
— Parecem pai e filha.
E essa reflexão de pequeno
alcance na boca que a proferiu, calou fundo no ânimo do coronel.
Os queixos eram iguais, as
sobrancelhas, arqueadas, também; o ar, um não sei quê de ambos
assemelhavam-se... Vagas semelhanças, concluiu o coronel ao sair à rua, quando
uma baforada de brisa marinha lhe acariciou o rosto afogueado.
Já o carro rolava rápido pela rua
quieta — quietude agora perturbada pelas vozes esquentadas dos espectadores
saídos e pelas falsas risadas de suas companheiras — quando o Comendador,
levantando-se no estrado da carruagem, ordenou ao cocheiro que parasse no
hotel, antes de tocar para a pensão. A sala sombria e pobre do hotel tinha sempre
por aquela hora uma aparência brilhante. A agitação que ia nela; as sedas
roçagantes e os chapéus vistosos das mulheres; a profusão de luzes, o irisado
das plumas, os perfumes requintados que voavam pelo ambiente; transmudavam-na
de sua habitual fisionomia pacata e remediada. As pequenas mesas, pejadas de
pratos e garrafas, estavam todas elas ocupadas. Em cada, uma ou duas mulheres
sentavam-se, seguidas de um ou dois cavalheiros. Sílabas breves do francês,
sons guturais do espanhol, dulçorosas terminações italianas, chocavam-se,
brigavam.
Do português nada se ouvia,
parecia que se escondera de vergonha.
Alice, o Comendador e o coronel,
sentaram-se a uma mesa redonda em frente à entrada. A ceia foi lauta e
abundante. A sobremesa, os três convivas repentinamente animados, puseram-se a
conversar com calor. A mulata não gostara do Rio; preferia o Recife. Lá sim! O
céu era outro; as comidas tinham outro sabor, melhor e mais quente. Quem não se
recordaria sempre de uma frigideira de camarões com maturins ou de um bom
feijão com leite de coco?
Depois, mesmo a cidade era mais
bonita; as pontes, os rios, o teatro, as igrejas.
E os bairros então? A Madalena,
Olinda... No Rio, ela concordava, havia mais povo, mais dinheiro; mas Recife
era outra coisa, era tudo...
— Você tem razão, disse o
Comendador; Recife é bonito, e muito mais...
— O senhor, já esteve lá?
— Seis anos; filha, seis anos; e
levantou a mão esquerda à altura dos olhos, correu-a pela testa, contornou com
ela a cabeça, descansou-a afinal na perna e acrescentou: comecei lá minha
carreira comercial e tenho muitas saudades. Onde você morava?
— Ultimamente à Rua da Penha, mas
nasci na de João de Barro, perto do Hospital de Santa Águeda...
— Morei lá também, disse ele
distraído.
— Criei-me pelas bandas de
Olinda, continuou Alice, e por morte de minha mãe vim para a casa do doutor
Hildebrando, colocada pelo juiz...
Há muito que tua mãe morreu?
indagou o coronel.
— Há oito anos quase, respondeu
ela.
— Há muito tempo, refletiu o
coronel; e logo perguntou: que idade tens?
— Vinte e seis anos, fez ela.
Fiquei órfã aos dezoito. Durante esses oito anos tenho rolado por esse mundo de
Cristo e comido o pão que o diabo amassou. Passando de mão em mão, ora nesta,
ora naquela, a minha vida tem sido um tormento. Até hoje só tenho conhecido
três homens que me dessem alguma coisa; os outros Deus me livre deles! — só
querem meu corpo e o meu trabalho. Nada me davam, espancavam-me,
maltratavam-me. Uma vez, quando vivia com um sargento do Regimento de Polícia,
ele chegou em casa embriagado, tendo jogado e perdido tudo, queria obrigar-me a
lhe dar trinta mil-réis, fosse como fosse.
Quando lhe disse que não tinha e
o dinheiro das roupas que eu lavava, só chegava naquele mês para pagar a casa,
ele fez um escarcéu. Descompôs-me. Ofendeu-me. Por fim, cheio de fúria
agarrou-me pelo pescoço, esbofeteou-me, deitou-me em terra, deixando-me sem
fala e a tratar-me no hospital. Um outro — um malvado em cujas mãos não sei
como fui cair — certa vez, altercamos, e deu-me uma facada do lado esquerdo, da
qual ainda tenho sinal!
Ah! Tem sido um tormento... Bem
me dizia minha mãe: toma cuidado, minha filha, toma cuidado. Esses homens só
querem nosso corpo por segundos, depois vão-se e nos deixam um filho nos
quartos, quando não nos roubam como fez teu pai comigo...
— Como?... Como foi isso?
interrogou admirado o coronel.
— Não sei bem como foi, retrucou
ela. Minha mãe me contava que ela era honesta; que vivia na cidade do Cabo com
seus pais, de cuja companhia fora seduzida por um caixeiro português que lá
aparecera e com quem veio para o Recife. Nasci deles e dois meses, ou mais
depois do meu nascimento, meu pai foi ao Cabo liquidar a herança (um sítio, uma
vaca, um cavalo) que coubera à minha mãe por morte de seus pais.
Vindo de receber a herança,
partiu dias depois para aqui e nunca mais ela soube notícias dele, nem do
dinheiro, que, vendido o herdado, lhe ficara dos meus avós.
— Como se chamava teu pai?
indagou o Comendador com estranho entono.
— Não me lembra bem; era Mota ou
Costa... Não sei... Mas o que é isso? disse ela de repente, olhando o
Comendador. Que tem o senhor?
—Nada... Nada... retrucou o
Comendador experimentando um sorriso. Você não se lembra das feições desse
homem? interrogou ele.
— Não me lembra, não. Que
interesse! Quem sabe que o senhor não é meu pai? gracejou ela.
O gracejo caiu de chofre naqueles
dois espíritos tensos, como uma ducha frigidíssima. O coronel olhava o
Comendador que tinha as faces em brasa; este, àquele; por fim depois de alguns
segundos o coronel querendo dar uma saída à situação, simulou rir-se e
perguntou:
— Você nunca mais soube alguma
coisa... qualquer coisa? Hein?
—Nada... Que me lembre, nada...
Ah! Espere... Foi... É. Sim! Seis meses antes da morte de minha mãe, ouvi dizer
em casa, não sei por quem, que ele estava no Rio implicado num caso de moeda
falsa. É o que me lembra, disse ela.
— O quê? Quando foi isso? indagou
pressuroso o Comendador.
A mulata, que ainda não se havia
bem apercebido do estado do Comendador, respondeu ingenuamente: — Mamãe morreu
em setembro de 1893, por ocasião da revolta... Ouvi contar essa história em
fevereiro. É isso.
O Comendador não perdera uma
sílaba; e, com a boca meio aberta, parecia querê-las engolir uma e uma; com as
faces congestionadas e os olhos esbugalhados, a sua fisionomia estava horrível.
O coronel e a mulata, extáticos,
estuporados, entreolhavam-se.
Durante um segundo nada se lhes
antolhava fazer. Ficaram como idiotas; em breve, porém, o Comendador, num
supremo esforço, disse com voz sumida: — Meu Deus! É minha filha!
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