Um do povo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Conheço em Anchieta, subúrbio
longínquo desta cidade, um grande músico. Chama-se Felismino Xubregas e nasceu
no Maranhão. Sentou praça no Pará, foi metido na banda de música do batalhão;
e, vendo o respectivo comandante que ele tinha grande vocação para a “Arte”,
arranjou-lhe a transferência para o Rio de Janeiro. Isto foi em 1887. Aqui
chegado, o nosso pistom, pois era esse o instrumento que ele tocava, captou a
simpatia do atual marechal Faria, então simples comandante de esquadrão, que
sempre gostou de música e de músicos. O então capitão Faria conseguiu que ele
frequentasse as aulas do Conservatório de Música, para aperfeiçoar os seus
estudos. Em boa hora isso fez, porque Xubregas estudou a valer e acabou sabendo
música a fundo. Acabado o seu tempo de serviço militar, não quis reengajar-se e
deu baixa. Andou por aí em “tocatas”, nas quais mal ganhava para comer. Deu em
escrever valsas e polcas; mas, mesmo assim, não obtinha o dinheiro necessário
para viver. A vida, porém, e a sua continuidade têm tanto império sobre nós que
Xubregas, apesar de tudo, casou-se e veio a ser pai de muitos filhos.
Chefe de família, não podia
continuar na música, que quase nada lhe dava. Que fez então? Procurou toda a
espécie de empregos mais acessíveis. Foi lenhador em Costa Barros, caixeiro de
botequim em Maxabomba, servente de pedreiro em Sapopemba; hoje, o seu ofício
habitual é o de construtor de “fossas”, nas redondezas de Anchieta, onde
reside.
Há dias, indo até lá, encontrei-o
e perguntei-lhe simplesmente:
— Que há, Xubregas? Como vais?
— Vou bem; mas ando aborrecido.
— Por que, Xubregas?
— É coisa da prefeitura.
— Como? Estás metido na política
do Brandão, do Pio ou do grande e inolvidável Nestor Areas Mackenzie?
— Não, caro amigo. É questão do
teatro.
— Não atino.
— Eu te explico.
— Bem, vá lá!
— Não está aí uma afamada
orquestra vienense?
— Está, sei bem; e trabalha no
Municipal.
— É verdade o que dizes; e eu,
por ser “um do povo” e, além de tudo, músico, tive desejo de ouvir tão famosa
orquestra. Escovei a minha roupa e fui até lá, julgando que a coisa era ao
alcance das minhas algibeiras.
— Que te aconteceu?
— Quando lá cheguei, tudo era
caro, isto é, qualquer lugar era tão caro que, se eu alugasse um, ficava sem comer
uma semana.
— Pois não sabias disso?
— Não. Sempre li que a prefeitura
tinha erguido aquele teatro para educação do povo.
— Que engano! Ele deve estar por
quinze mil contos, extorquidos ao povo; mas foi feito para educação dos ricos.
Eis aí!
Xubregas não me disse mais nada;
e, ao despedir-se, ergueu um heroico:
— Viva a República!
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