Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Estranhou o prefeito, ao ler a
folha oficial, naquela manhã, que o seu diretor de Instrução Pública tivesse
designado um inspetor escolar para reger uma escola elementar em Campo Grande.
Estranhou e não era possível que
tal não se desse, mas quis atribuir o fato a injunções políticas.
Em Campo Grande, no castelo
feudal do Caroba, cercado de cemitérios povoados, reside o poderoso senador
Rapadura, prócer do P. R. C. e dono da cidade e arredores.
Ele mesmo, prefeito, tinha que
lhe obedecer as ordens; e, certamente, o seu diretor da Instrução Pública
designou um inspetor escolar para reger uma escola de A-B-C em obediência a
pedidos do poderoso perturbador da paz dos campos-santos.
Mas, por que seria que Rapadura
queria em Campo Grande um sábio inspetor escolar?
Vaidade de habitante do lugarejo,
que o desejava ver assim honrado e exaltado?
Não era possível. O profanador
dos túmulos, o desinquietador do sono dos defuntos, não tinha nenhum amor pelo
lugar que habitava. Não pedira para ele nenhum melhoramento, e isto há vinte
anos. Como é, então, que tinha tido esse assomo de vaidade? Era inexplicável.
Ah... Era isto. O senador era conhecido pelas suas poucas letras e tinha mesmo
dificuldades em ler os jornais, de modo que, ao crescer-lhe a idade, teve o
capricho de aperfeiçoar a sua instrução primária.
Há trelas na velhice que bem
parecem de menino. Os extremos tocam-se. Sendo assim, não era decente que um
senador, um legislador, fosse recapitular o quanto diz a aritmética de Trajano,
sob os olhos de uma moça. O discípulo exigia um professor mais respeitável e
graduado. Estava explicado o ato do seu diretor.
O prefeito almoçou, tomou o
automóvel que o esperava no portão e partiu célere para o palácio da
prefeitura.
Quando chegou a seu gabinete, que
a muito custo pôde alcançar, o seu mesureiro secretário adiantou-se e antes de
mais nada foi dizendo:
— Doutor, o novo diretor da
instrução quer provocar uma revolução.
— Como?
— Com a tal nomeação de um
inspetor escolar para professor elementar em Campo Grande.
— Revolução?
— Sim. Vossa excelência não viu
como as moças estão aí nos corredores amotinadas? Elas se dizem lesadas e os
outros inspetores estão magoados e as atiçam contra vossa excelência.
O prefeito pensou e disse:
— Vá chamar-me o doutor Café.
O secretário foi em pessoa e em
breve o diretor voltava, tendo atravessado as antessalas entre alas de
professoras, adjuntas, estagiárias, normalistas, quase debaixo de vaia.
O prefeito perguntou-lhe logo com
o sobrecenho carregado:
— Doutor Café, como é que o
senhor nomeia para uma escola elementar um inspetor escolar?
— Que tem isso?
— E o regulamento?
— Vossa Excelência sabe
perfeitamente que sou médico, entendo de patologia e algumas outras coisas
mais...
— O Abel Parente já me havia
dito.
—... de instrução pública do
município, pois, nada entendo.
— Como?
Disse isto a vossa excelência no
meu discurso de posse, não se lembra? Veio até nos jornais. Disse bem claro:
“não entendo de instrução pública no Distrito Federal”.
— É verdade. Continuei.
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