Que rua é esta?
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Tendo sido nomeado prefeito de
polícia, o Dr. Secundino, chefe político muito estimado em Tefé, estado do
Amazonas, trouxe ele para seu delegado auxiliar o Dr. Fagundes, que há tantos
anos não saía daquela longínqua localidade brasileira.
Em toda a parte, os cargos
policiais são dados a quem conhece perfeitamente as localidades que vão
policiar; entre nós, porém, esse critério obsoleto não é obedecido, de modo que
o Dr. Fagundes tomou conta do seu cargo, para felicidade da população carioca e
da cidade do Rio de Janeiro que ele completamente desconhecia.
Fagundes, apesar dos seus trinta
anos de Tefé ou Ega, não era bronco e tinha as suas luzes; procurou, portanto,
exercer o seu cargo com a máxima honestidade e clarividência.
Pôs-se logo nos primeiros meses a
estudar as coisas policiais e consultou com mão diurna e noturna as obras do Dr.
Elísio, principalmente a gíria da gatunagem que o atraía, tanto pelo lado
filológico como pela sua utilidade policial.
Como bom alto funcionário de
polícia, Fagundes não deixava o automóvel. Ia para a prefeitura de polícia de
automóvel, voltava para a casa de automóvel. Se fazia compras com Mme.
Fagundes... Que interessante senhora! O seu chapéu tinha dois metros de altura
e uma tonelada de enfeites... E a saia? Na cintura, fazia um chumaço, que bem
parecia um salva-vidas aperfeiçoado... Dizíamos: se fazia compras com Mme.
Fagundes, o auto parava à porta das casas de fazendas, dos armarinhos, dos
armazéns, das casas de chapéus, açougues etc.
Ao teatro e às diligências,
Fagundes só ia de automóvel; e era assim.
Ao fim de seis meses, Fagundes
estava de fato inteirado da polícia científica do Dr. Elísio, conhecia os
regulamentos e gozava com requintado prazer a velocidade inebriante de um auto.
Não correra pelo seu cartório
nada importante, nada de chamar a atenção do público e dos jornais, de modo que
a alta autoridade, se não recebia elogios, não recebia ataques.
Fagundes desfrutava o cargo com a
mansidão de uma jiboia que digere o boi que engoliu. Juntava dinheiro até, pois
nem comprava jornais. As redações se encarregavam de mandá-los de graça a sua
excelência.
Ele os lia no seu gabinete com o
vagar provinciano, especialmente as notícias de polícia. Lendo-os, se por
exemplo caía-lhe sob os olhos “ontem, houve um incêndio na rua da
Misericórdia”, logo ele perguntava ao contínuo, a um guarda, ao escrivão: onde
é essa rua? Ensinavam-lhe e ele continuava a ler. Certo dia, Fagundes foi levar
um alto personagem a bordo e resolveu, na volta, subir a avenida a pé. Foi
vindo, olhando sempre os guardas que o cumprimentavam respeitosamente. Subia,
cruzando uma porção de ruas estreitas.
Chegou a uma destas, em que havia
um movimento extraordinário. Pensou em alguma greve, pensou em revolução.
Aproximou-se de um guarda e perguntou:
— Que rua é esta?
O guarda, descobrindo-se a meio,
respondeu:
— Vossa Excelência não sabe? É a Rua
do Ouvidor.
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