Dezembro, de
tarde.
Do alto e
fresco varandim do palácio, dominando
amplamente a paisagem em redor e o porto, ao longe, com as suas águas serenas e
azuladas, manchadas aqui e além pelos cascos dos navios, os altos e finos
perfis das mastreações e por pequeninas brancuras de velas, como asas,
docemente roçando aquela superfície polida —
contemplávamos tranquilamente e sorrindo, sobre o poente em chamas, um estranho
amontoamento de espessas nuvens pardacentas, que, em lentas movimentações
periféricas, se franjavam de repente de ouro vivíssimo, fazendo desenhos
excêntricos, alados, originais e felposos como trabalhos de lã, em proporções
ciclópicas, sobre um fundo de talagarça.
E à maneira que o monstruoso
cúmulos se distendia, especado como um cabrestante em faina por faíscas de luz
ao alto, semelhantes aos braços espaçados de um moinho gigantesco — distinguiam-se fugidiamente, empastados e extravagantes
perfis de coisas, objetos e animais pré-históricos, predominando sobretudo,
abundantemente, sucessivamente, como num apoucado recurso de artista estéril e
rude, estampas de ursos descomunais e de adamastores titâneos.
E tu, então,
adorada e carinhosa Amada, com os teus belos olhos embebidos na saudosa
iluminação do crepúsculo, admirativamente, numa vivacidade alegre, rompias de
vez em quando ao meu lado:
— Olha!
Olha! — e apontavas com o teu dedo rosado — Vês aquela nuvem lá, do outro
lado, solta no céu e só?... Parece uma cegonha voando...
E eu te olhava, e olhava a nuvem,
enlevado na tua formosura e no encanto e na serenidade da hora.
— E
aquela... esta de cá... meio clara... que está junto àquela outra, de um
cinzento intenso... assemelha-se tanto ao Leão, o nosso bom e velho
terra-nova... E essa outra... ali... bem ao centro, onde há um pequeno ponto de
luz rubra, dir-se-ia como uma grande águia, de olhar em sangue, asa aberta no
espaço, espreitando a presa... E lá no alto... aquele filete de algodão, como a
torre de um farol que esmorece à distância, perpendicular e só naquele canto
azul aberto... E ainda mais lá... além... dois imensos flocos de arminho, como
dois corações... E movem-se ao mesmo tempo, e ligam-se, e fundem-se na luz
radiosa do céu...
Arrebatado,
e tomando-te as mãos rosibrancas, murmurei então:
— Sim, amor!
São os nossos corações!...
E ficamos a
olhar longas horas, docemente enlaçados, unidos e num embevecimento, aquele
espetáculo encantador, onde as nuvens, em mutações caleidoscópicas, punham uma
série infinita de visões na luminosa e opulenta vermelhidão do ocaso.
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