Parábolas
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Em matéria de parábolas, eu
conhecia, apenas, as que o Nazareno arquitetou para edificação dos seus
discípulos: a do bom samaritano, a do filho pródigo, a do semeador, e três ou
quatro outras, igualmente profundas e morais. Agora, acabo de conhecer mais
umas duzentas, contidas em um volume encantador, publicado há dois dias pelo
Sr. Dr. Afrânio Peixoto.
As "Parábolas" do
brilhante romancista da "Maria Bonita" e da "Esfinge" são,
como todas as parábolas bem urdidas e meditadas, um excelente repositório de
"ensinamentos, de exemplo", de lições adaptáveis à vida dos homens. E
entre elas nenhuma é, talvez, tão humana, tão sábia, nem tão oportuna, como a
do melro e do tico-tico. "Descobri num arbusto, quase à beira do caminho,
no meu jardim — escreve o autor, — um ninho de tico-tico. Vi-o voar, quando me
aproximava, e pude notar três ovinhos depostos na fofa cama bem feita.
Pareceu-me que um dos ovos era diferente na forma e na cor, dos outros dois,
mas não insisti na minha malícia. Seria lá com
o tico-tico. Não perturbei mais o mistério dessa maternidade com a minha
indiscrição. Muitos dias depois, distraído, vou pelas mesmas bandas e ouço
inquieto pipilar. Pé, ante pé, chego à espreita: o tico-tico depois de saltitar
de galho em galho, acerca-se do ninho, trazendo no bico a nutrição para a
ninhada que o chamava sôfrega. Olho paro o ninho e vejo um passarinho só,
grande, bem maior que o outro, vestido de penugem negra, de amplo bico aberto,
à espera de alimento... O filho do tico-tico era um melro!"
Entusiasmado com essa página de
Afrânio Peixoto, eu acabava de lê-la para a admiração do desembargador Bernardo
Meireles quando o velho político do Império me interrompeu, indagando:
— Como se chama essa história?
— Parábola, desembargador.
— Parábola? — trovejou o ancião,
fazendo ressoar no soalho o seu bengalão de maçaranduba, e agitando, num tremor
subitâneo, as barbas veneráveis. — Que parábola, o quê!?...
E acentuou, indignado:
— Uma grande patifaria, é que é!
E chamando os oito netinhos,
filhos da mesma filha, começou a distribuir biscoitos por esse pequeno viveiro
humano, em que havia, cantando, pipilando chilreando, melros, canários,
tico-ticos, cambachirras, curiós...
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