Os óculos de Pedro Antão
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Três causas diversas podem aconselhar o uso
dos óculos. A primeira de todas é a debilidade do órgão visual, causa legítima,
menos comum do que parece e mais vulgar do que devia ser. Vê-se hoje um rapaz
entrado na puberdade e já adornado com um par de óculos, não por gosto, senão
por necessidade. A natureza conspira para estabelecer o reinado dos míopes.
Outra causa do uso destes auxílios da vista é
a moda, o capricho, ou, como diz Rodrigues Lobo, a galantaria. O ameno escritor
exprime-se deste modo: “Assim é que até óculos, que se inventaram para remediar
defeitos da natureza, vi eu já trazer a alguns por galantaria”. Efetivamente
quem quiser passar por verdadeiro homem do tom deve trazer, não direi óculos
fixos que é só próprio de sábios e estadistas, mas estas famosas
lunetas-pênseis, que são úteis, cômodas e graciosas, dão bom aspecto, fascinam
as mulheres, servem para os casos difíceis e duram muito.
Da terceira causa quem nos dá notícia é nem mais nem menos
o gravíssimo Montesquieu. Diz ele: “Os óculos fazem ver demonstrativamente que
o homem que os traz é consumado nas ciências, por modo que um nariz ornado com
eles deve ser tido, sem contestação por nariz de sábio”. Conclui-se disto que a
natureza é um causa secundária dos estragos da vista e que o desejo de parecer
ou de brilhar produz o maior número dos casos em que é necessária a arte dos
Reis.
Está já o leitor um pouco atrapalhado com
este introito que lhe parece mais de folhetim que de romance ou então pergunta
consigo mesmo a qual destas coisas atribui eu os óculos de Pedro Antão. Isto
não é folhetim, nem romance: é uma narração fiel do que me aconteceu há cerca
de três anos: é crônica. Quanto a Pedro Antão é positivo que os seus óculos
deviam ter por causa o enfraquecimento da vista; mas ainda assim não lhe posso
afirmar nada, porque Pedro Antão, que eu não conheci, foi o homem mais singular
das tais crônicas, viveu recluso durante a vida inteira e mal consta alguma
coisa dos seus primeiros anos.
Há cerca de três anos, como dizia, recebi a
seguinte carta do meu amigo Mendonça:
Pedro. Recebi hoje as chaves da casa de meu
tio; vou abri-la. Queres acompanhar-me? Não penses que é por medo de lá entrar
só; é porque eu sei que tu tens interesse e gosto em penetrar nos negócios
misteriosos: e nada mais misterioso que a casa do famoso tio. Vem ao meio-dia.
Teu Mendonça.
A minha resposta foi a seguinte:
José. — Vou, mas não ao meio-dia. Entrar em
casa misteriosa, quando o sol está no zênite, é anacronismo. Irei às 11 horas
da noite, e à meia-noite em ponto entraremos na casa do defunto. Teu Pedro.
Perto das 11 horas, depois de ter dito à
família que ia ver um doente grave, por eu ser médico e costumo ver doentes à
noite, investi para casa de Mendonça, que era na Rua do Areal.
Mendonça estava ceando; comi com ele um pouco
de fiambre e de assado frio, engoli dois cálices de Madeira, tomei uma xícara
de chá saboroso como aquele chá da comédia de Garção, e à meia-noite menos
vinte minutos, saímos para ir ver a casa de Pedro Antão.
Pedro Antão tinha morrido dez meses antes;
achou-se-lhe um testamento em que deixava a casa, os livros e mais objetos ao
sobrinho Mendonça — com a condição de que só tomaria conta da casa dez meses
depois. Mendonça estava então no boulevard
dos Italianos, único sítio de Paris que conheceu e conhece a fundo, quando
recebeu esta notícia. Riu muito da singularidade do tio, e veio ao Rio de
janeiro expressamente para tomar conta da casa. Aguardou religiosamente o termo
da posse, e no dia 23 de março de manhã recebeu oficialmente as chaves que
ansioso esperava.
A chave e a fechadura resistiram com força
aos esforços que o Mendonça e eu fazíamos para abrir a porta. Felizmente vinha
conosco um latagão, criado de Mendonça, sujeito que se gabava de não encontrar
porta nem mulher que lhe resistisse. Arremeteu o sujeito com um denodo raro, e
a porta gemeu e daí a alguns minutos estávamos no corredor. Aí despedimos o
criado, depois de alguma oposição de Mendonça, que afirmava ser necessário ter
mais alguém conosco. O criado saiu, e eu encostei a porta. Acendemos então uma
das velas que trazíamos para o caso, e subimos uma escada velha e úmida que ia
ter ao primeiro andar.
Não foi fácil a subida, porque, de quando em
quando, surgia de um lado um rato, que esbarrava em nossas pernas e duas ou
três baratas, assustadas com os inquilinos, voaram de um lado para outro, indo
esbarrar nas paredes, e escorregando depois até o chão. Além disso, sentíamos
aquele mau odor que exala de uma casa fechada durante muito tempo. Felizmente,
Mendonça tivera a precaução de trazer consigo plantas e pós aromáticos, que
queimamos na sala de visitas apenas lá entramos.
Mendonça achou-se mal ali dentro. Era um
elegante de primeira classe, amigo do conforto, ao passo que eu, sem deixar de
amar a comodidade e o asseio, estava disposto a aproveitar aquela página de
romance tétrico que se me afigurava ver no interior da casa misteriosa.
— Vê lá, disse Mendonça, onde queres que nos
sentemos?
— Nestas cadeiras.
— Sujas como estão?
— Limpam-se.
— Quem as há de limpar?
— Eu.
Mendonça levantou os ombros; eu tirei da
algibeira dois lenços e com eles limpei o melhor que pude duas cadeiras das que
ali se achavam.
Mendonça viu-me fazer esta operação com um
sorriso de homem resignado a tudo.
— A casa não é má, disse eu, sentando-me em
uma das cadeiras para lhe dar exemplo; e a mobília pode ser restaurada. Teu tio
tinha gosto.
— Vamos ver o resto da casa, disse Mendonça.
— Espera.
— Esperar o quê? ficaremos agora a contemplar
a sala?
— Pareces-me tolo, respondi; tu queres a
herança do tio, e eu quero conhecer o homem. A sala é um primeiro indício. Vês
este painel sobre a mesa?
Mendonça aproximou-se da mesa.
— Vejo, disse ele, é a Madona da cadeira.
— Cópia de Rafael. Já por aqui sabemos que o
homem amava as artes. A cópia não é má, e a moldura é severa.
— Cá temos outro painel, disse Mendonça
apontando para a parede.
Subi ao sofá e aproximei a luz do quadro.
— Não conheço este, disse eu.
— É um Velásquez, disse Mendonça; vi um igual
em casa do conde de Chantilly.
— Que conde é esse?
— Não era conde, respondeu Mendonça acendendo
um charuto; chamávamo-lo assim por ser um dos primeiros heróis das corridas de
Chantilly.
— Aposto que morava no boulevard...
— Dos Italianos.
Acendi também um charuto enquanto Mendonça me
contava uma aventura parisiense em que entravam ele, o conde e uma estrela do
bosque de Bolonha. Deixei que a conversa levasse esse caminho, porque era o
meio de reter o meu companheiro.
Já vês, disse eu voltando ao meu assunto, já
vês que teu tio tinha gosto; Rafael e Velásquez são alguma coisa. Vamos ver o
resto da casa.
Seguia-se outra sala menor que a primeira,
onde nada havia que seja digno de nota. Apenas vimos sobre uma mesa um cachimbo
alemão, que necessariamente devia ter pertencido ao Cavaleiro Teodoro Hoffmann,
pois a sua forma era de todo fantástica. Representava uma figura do diabo, com
chapéu de três bicos, cruzando as pernas, que eram de cabra.
— Olé! disse Mendonça; o tio fumava!
— Parece que sim; e o cachimbo não me parece
ortodoxo.
— Pelo contrário, respondeu Mendonça; não
pode ser mais ortodoxo do que é; meter fogo na cabeça do diabo não te parece
digno de um servo de Deus?
— Tens razão! disse eu sorrindo.
Mendonça readquiria o seu bom humor e era
isso justamente o que eu queria. Se não fosse assim, era provável que nos
fôssemos embora dentro de dez minutos. Agora estava tranquilo; quando Mendonça
estava de bom humor obedecia a tudo.
Depois de examinarmos o cachimbo que, além
daquela não oferecia nenhuma particularidade, seguimos por um corredor e fomos
ter à sala de jantar. Esta como outras salas e quartos da casa, nada tinha que
se parecesse com mistério. Passando por um dos corredores vimos uma escada que
ia ter a um sótão. Subimos. No meio da escada, Mendonça estacou; ouvira um
rumor em cima.
— São ratos, disse-lhe eu.
— Serão? perguntou Mendonça empalidecendo um
pouco.
— Querias que fosse a alma do Antão?
Subi afoitamente; Mendonça, envergonhado,
subiu também. A coragem de muita gente não tem outra explicação. Não é sempre
por valentia que os homens são valentes, diz La Rochefoucauld.
Vasto era o sótão. Compunha-se de uma sala de
estudo e de escrita, uma alcova na frente, e uma vasta sala no fundo. Era por
assim dizer um segundo andar.
O que primeiro examinamos foi a sala da
frente cuja mobília se compunha de algumas cadeiras, uma secretária, duas
estantes, um sofá, tudo como qualquer mortal pode ter. Havia sobre a secretária
dois bustos de mármore, e aqui começa o fantástico: uma era a cabeça de Cristo,
outra a de Satanás. Cristo estava à direita, Satanás à esquerda.
— Bravo! exclamei; vou penetrando no homem.
Achas ainda alguma ortodoxia nesta aproximação de bustos?
Mendonça, que estava enlevado no primor da escultura,
respondeu:
— Toda.
— Explica-te.
— O tio juntava-os para emblema da vida
humana, que se compõe do mal e do bem; o bem está aqui para corrigir o mal. É o
Ceci tuera cela, de Vítor Hugo.
— Está feito; tu explicas tudo. Mas é porque
aqui a simetria das coisas te favorece. Cristo e Satanás ao lado um do outro é
uma simetria de poeta; mas eu creio que Pedro Antão era outra coisa. Olha aqui
para o chão; vês esta reunião de coisas extravagantes? Um par de chinelas, uma
imagem da Virgem, uma trança de cabelos amarelos, um baralho de cartas, uma
cruz, uma página de hebraico; vês?...
À proporção que eu ia inventariando os
objetos encontrados no chão, ia o Mendonça examinando atentamente, tendo
previamente calçado um par de luvas a fim de não macular as mãos.
Abri uma janela a fim de que o ar penetrasse
nos aposentos. Depois, sacudindo o pó de duas cadeiras, sentei-me numa delas, e
disse a Mendonça:
— Sabes que mais? Já não vou daqui sem que me
contes alguma coisa do tio. Que idade tinha ele?
— Quarenta anos.
— Viveu sempre recluso?
— Desde muito tempo. Nos últimos cinco anos
nem saia de casa. Era um criado que lhe trazia o que precisava. Esse mesmo
criado morreu na véspera de morrer o tio.
— Qual foi o motivo da morte do criado?
— Não sei; creio que uma apoplexia.
— Quem sabe? Talvez a morte do criado
explique a morte do seu tio. Estou a ver aqui um assassinato e um suicídio. De
que morreu o tio?
— De uma queda.
— Dentro de casa?
— Sim.
— Bem digo eu; aqui há coisa. Estes objetos
dizem claramente que Pedro Antão era feiticeiro.
Mendonça sorriu com desdém; posto que fosse
supersticioso e timorato, Mendonça não acreditava em sortilégios. Eu era então
um pouco dado a essas crenças, e ainda hoje não deixo de as ter. Depois que os
filósofos modernos, com a mania de destruir tudo, afirmaram que o criador era
uma invenção dos homens, eu, que não dou ao acaso as honras de ter criado o
universo, substituí Deus por um grande feiticeiro, autor de todas as coisas, e
nem por isso sou mais absurdo que os filósofos.
— Que quer dizer, continuei eu, esta madeixa
de cabelos amarelos?
— É uma madeixa de cabelos, respondeu
Mendonça; amareleceram com o tempo.
— E esta página de hebraico não quer dizer
alguma coisa?
— Não sei se é hebraico ou siríaco.
— Deve ser hebraico. Eu não conheço essas
línguas, mas conheço os caracteres; estes são hebraicos. Quanto a esta cruz
metida entre um baralho de cartas, creio que não dirás ser o bem e o mal,
emblema da vida humana. Mas deixemos isto; que houve notável na vida do tio?
— Coisa nenhuma. Viveu aqui recluso sem
procurar a família; nem recebê-la em casa. Ao princípio, correu que o tio tinha
alguma beleza escondida, e meu pai procurou saber disso conversando com o
criado, mas o criado disse que não havia ninguém. Verdade é que o primo Antônio
disse que uma noite, passando por aqui, viu da rua uma sombra de mulher
passeando na sala de visitas; mas eu o convenci logo de que seria o mesmo tio,
embrulhado em um lençol.
— Que diziam os vizinhos?
— Apenas um afirmou ter ouvido uma noite
gemidos lúgubres cá dentro; no dia seguinte, não sei se por humanidade, se por
curiosidade, mandou o vizinho saber o que era; o tio correu o portador a pau.
Queres que te diga a minha opinião?
— Não, não digas. Veremos se eu descubro...
— Não tens nada que descobrir: creio que o
tio era doido.
— É o que te parece. Veremos isso. Talvez
esta secretária nos diga alguma coisa; mas está fechada. Como abri-la?
— Arrombe-se amanhã.
— Pois sim; mas vamos ver o resto do sótão.
Peguei na vela e encaminhamo-nos para o
interior. No corredor que separava as duas salas, bati com o pé num objeto que
foi parar três passos adiante.
Era um par de óculos de ouro.
Examinamos os óculos que nada particular
indicavam; tinham asas grossas e vidros azuis sem grau. Conheci que era uma
quarta espécie de óculos; usava-os Pedro Antão para abrandar os raios da luz
quando trabalhasse ou lesse de noite. Um dos vidros estava rachado.
Seguimos levando os óculos.
Nenhuma mobília tinha a sala do fundo. Ao
fundo havia uma janela que dava para o telhado. Estava fechada com uma pequena
aldraba.
— Aqui não há que ver, disse Mendonça
querendo voltar.
— Pelo contrário, disse eu.
— Que é?
— Vês isto?
O objeto que eu mostrava a Mendonça era uma
escada de seda atirada a um canto. Estava gasta pelo uso e estragada pelo
desuso.
— Creio que isto é alguma. Vejamos a janela.
Abri a janela, que era baixa. Dava para o
telhado da própria casa. Olhei em redor; todas as casas eram baixas, exceto uma
que ficava à esquerda, que era um sobrado e tinha uma janela que dava para o
telhado. Junto da janela do sótão havia algumas telhas quebradas.
Fechei a janela, e disse rindo a Mendonça:
— Já me não escapa o homem!
— És um visionário, foi a única resposta de
Mendonça.
Quando íamos a sair, Mendonça deu um grito.
— Que é?
— Vê.
Olhei e vi a um canto da sala dois olhos
verdes fitos sobre nós. Quis aproximar-me; Mendonça agarrou-me pelas abas do
paletó. Fiz um esforço e fui até o canto ver o que eram aqueles olhos.
Dei uma gargalhada.
Era um gato preto que ali se achava, o qual,
assustado com a gargalhada, deitou a correr, desceu a escada e não apareceu
mais.
Começo a tremer, disse Mendonça; que quer
dizer este gato aqui em cima?
— Uma destas duas coisas; ou era companheiro
do homem nos sortilégios; ou é um gato da vizinhança que se acostumou a vir
aqui passar a noite em procura de ratos.
— Será, será.
— Inclino-me à segunda hipótese, porque,
ainda que eu suponha teu tio amante de feitiçarias, creio que não é essa a
parte mais importante da vida dele.
— Qual será então?
— Meu caro, temos já todos os elementos de
que compor um romance; vamos para a outra sala.
Quando ali chegamos, sentei-me
tranquilamente, acendi um charuto, e brincando com os óculos de Pedro Antão,
comecei a falar.
— Viste aqui uma casa velha, trastes velhos,
ares velhos, nada mais. Eu vi aqui dentro uma história misteriosa. Organizar no
vácuo não é coisa que todos possam fazer. Vejamos se não me achas razão.
Mendonça sentou-se e eu comecei:
— Sabes a razão da reclusão do tio?
— Não, respondeu o meu companheiro.
— Foi uma paixão? Não te rias. Eu imagino que
teu tio se apaixonou por alguma dama formosa. Sabes donde concluo isto? Do
gosto pelas artes. As artes substituem os amores, quando estes são impossíveis.
Amou, e não querendo ou não podendo casar com ela, retirou-se por aqui. A
solidão e a paixão começaram a atuar na sua imaginação. Olha os livros que ele
lia; vê estes dois bustos de Cristo e de Satanás; olha estes objetos de
feitiçaria esparsos no chão; tudo isto quer dizer que a religião nem a
filosofia bastavam à alma do tio e quando a filosofia e a religião não podem
triunfar de uma alma, triunfa a superstição. Que te parece?
— Um conto para passar o tempo.
— Ouve o resto. Ao cabo de um ou dois anos,
Pedro Antão recebeu uma pequena cartinha...
— Ah! onde está?
— Não sei; mas recebeu. Talvez a encontremos
dentro desta secretária. O bilhete era da mulher amada, e dizia provavelmente
que tendo ele fugido, vinha ela em busca dele.
— E veio?
— Veio morar na vizinhança, naquele sobrado
cujos fundos vimos pela janela do sótão. O tio não respondeu à carta; a dama
que eu chamarei Cecília esperou debalde a resposta. Nova carta: novo silêncio.
Cecília, no furor da paixão, veste-se um dia com uma mantilha e entra por aqui
a pretexto de vir buscar esmolas para os indigentes da paróquia. — Mande entrar
quem é, disse Pedro Antão. A rapariga entrou, e quando se achou a sós com o
tio, descobriu o rosto. — Céus! és tu!—
Sim sou eu; vim porque me recusavas; amo-te...
— Mas desgraçada! não sabes que o teu ato é uma loucura e um crime? — É uma
virtude pois que amo. O tio pôs o rosto nas mãos; estava desesperado.
— Compreendo. E depois?
— Procurou dissuadi-la dos planos que ela
concebera; a única coisa que conseguiu foi dar sua palavra de que iria vê-la à
casa ou ao menos conversar de fora. — Mas eu não sei como possa lá ir, objetou
Pedro Antão. — A janela do teu salão dá para os fundos da minha casa. Sobe ao
telhado e eu conversarei da janela. — Pois sim respondeu teu tio.
— Supões que ele respondeu assim?
— Com certeza.
— O tio cumpriu então a promessa?
— Cumpriu. Quando toda a vizinhança estava
recolhida, trepava ele ao telhado e ia conversar por baixo da janela de Cecília
até que vinha a madrugada e Pedro Antão voltava para casa com o coração mais
tranquilo...
— E uma constipação no lombo.
— Não te rias, Mendonça; és um espírito
fútil. Ouve o resto, e verás que tudo se explica; eu aprendi a arte de
interpretar as coisas mais insignificantes. Ora, atende; atende e concordarás
comigo.
— Continua.
— Assim se passaram os dias, as semanas, os
meses; era um idílio renouvelé de Roméo.
Um dia provavelmente o pai da moça percebeu que alguém costumava perlustrar os
telhados, e tendo ouvido conjugar o verbo amar todas as noites sempre no
indicativo do tempo presente, resolveu pôr em cena um quinto ato de Crebillon; comprou uma pistola...
— E matou o tio?
— Não!
— Felizmente.
— Pôs-se de emboscada; apenas apareceu um
vulto, disparou a pistola... Dois gritos agudos acompanharam o som do tiro;
Pedro Antão correu a meter-se em casa. Cecília caiu redondamente no chão.
— Morta?
— Desmaiada. Acudiu toda a família. O pai
acudiu também; mandou chamar um médico e deram-se à pequena os primeiros
cuidados que a situação exigia. Albuquerque (deve ser o nome do pai) era homem
de costumes severos; guardou uma repreensão para a filha depois que ficasse
boa. A menina ficou no quarto com a mãe e uma escrava velha, a tia Mônica. Aqui
não te posso dizer quanto tempo esteve ela gravemente enferma; o que te afirmo
é que, apenas tornou em si, e pôde lembrar-se do episódio do tiro, disse que
tivera um grande pesadelo, e a isso devera o desmaio. A mãe engoliu a pílula; o
pai achou-a amarga demais. Passaram-se os dias; Cecília sempre de cama, ficava então
só com a escrava. Uma noite, disse-lhe a escrava: — Por que razão, sinhá-moça,
quer sempre que eu vá à janela de noite? Cecília fitou nela os olhos, e com voz
fraca disse: — Tia Mônica, você é capaz de guardar um segredo? — Sou, respondeu
a preta. Cecília contou então tudo; e quando acabou, disse: — Eis aqui por que
eu te mando à janela: é para ver se vês o meu querido Antão; morreria ele? —
Não, sinhá, respondeu Mônica; está vivo. A moça respirou. Depois ouvindo rumor
no telhado, disse à preta que fosse ver o que era. — É ele, disse Mônica. — Ah!
diz-lhe que eu estou de cama, mas que preciso falar-lhe. A preta deu conta do
recado; Pedro Antão voltou para casa. Meditou nos meios de subir à casa de
Cecília e vê-la um minuto que fosse. Por honra dele, devo dizer que hesitou
muito tempo em cumprir a promessa...
Mendonça neste ponto inclinou-se mais para
mim e disse:
— Não ouves?
— O quê?
— Um rumor?
— São ratos. Deixa-te de vãos temores. Ouve a
narração. Não te parece exata?
— Sim; parece. Tens uma penetração rara! Quem
não dirá que isso não é a verdade?
— Ninguém pode dizê-lo.
— Continua.
— Assentou Pedro Antão em ir ver a enferma;
para isso era preciso subir; para subir era necessário ter uma escada; e a
escada só podia ser de seda. Por quem mandaria comprar uma escada de seda?
Podia dizê-lo ao criado; mas isso era impossível; seria a vergonha. Pedro Antão
resolveu sair ele mesmo...
— Sair?
— Foi a única vez que saiu depois da sua
voluntária reclusão. Saiu, e foi encomendar uma escada de seda, a qual ficou
pronta e veio daí a dias por mão do criado, mas enrolada de modo que o criado
não soube o que era.
— Sim, o tio era prudente.
— Na primeira noite em que Pedro Antão subiu
à casa houve na sua alma uma verdadeira luta. Eram os últimos lampejos da
virtude; digo virtude, porque o ato de escalar uma janela constitui um crime
para qualquer, quanto mais para um homem daquela força! Mas a paixão e a
piedade venceram; teu tio atravessou o telhado com a escada debaixo do braço. A
fiel Mônica lá estava e ajudou a preparar a escada; depois subiu Pedro Antão
mais lesto que um menino trepando por uma mangueira acima. Não se descreve a
cena do encontro dos dois amantes ao cabo de tanto tempo. Cecília estava mais
pálida que o linho dos lençóis; o tio ajoelhou e derramou lágrimas de dor...
Que cena aquela! oh! os que amaram sabem o que é aquilo!
Creio que fui tão patético nesta descrição,
que o próprio Mendonça ficou comovido. Pela minha parte não o estava menos;
davam então duas horas; tudo em volta de nós contribuía para a emoção de que
nos achávamos possuídos.
— Vamos para casa, disse Mendonça.
— Ouve o resto. A visita do tio foi repetida
nos seguintes dias. Parece que isso mesmo apressou o restabelecimento da moça.
No dia em que Cecília ficou perfeitamente boa, disse-lhe Pedro Antão que era
aquela a última visita. Cecília entrou a chorar. — “Não chores, disse teu tio;
eu te amarei sempre; mas bem vês que é impossível a minha volta aqui. A tua
doença explicava a minha audácia; a tua saúde...” — “Que temes tu? disse a
moça; a opinião, quando vier a saber que nos amamos? Pois bem; Mônica assistirá
as nossas entrevistas...” Teu tio mostrou-se severo e resoluto. A única coisa
que lhe concedeu foi que viria conversar à janela: ficando ele pendurado na
escada.
— Por que supões isto? perguntou-me Mendonça.
— Saberás adiante. Tudo o que até aqui tenho
dito é a verdade; do estudo destes objetos que vemos a conclusão que tiro, é
que só a minha narração pode explicar a vida de Pedro Antão.
— Continua.
— A promessa do tio foi cumprida. Todas as
noites saía o homem de casa, levando a escada que era posta convenientemente
para que ele subisse e fosse conversar com Cecília na posição em que Romeu e
Julieta se separaram dando o último beijo e ouvindo o rouxinol... Queres ouvir
o diálogo da despedida de Romeu?
— Não, vamos ao tio.
— Não descansou o pai de Cecília enquanto não
lhe arranjou um casamento. Apresentou-lhe um dia um rapaz dizendo que era o seu
noivo. Imagina o coração da pobre moça ao saber de semelhante notícia. Não
ousou dizer abertamente ao pai que não queria o noivo; mas pediu para refletir
três dias; e comunicou isso a teu tio. Imagina a dor do homem. Que luta aquela!
O amor e o dever — luta terrível à qual teu tio teria sucumbido se não fora a
grande alma que Deus lhe deu. Que diria à moça?
— Eu carregava com ela.
— Bem, mas ele hesitou; pareceu-lhe que não
podia santificar uma união condenada pela sociedade. Não queria perturbar o
destino da moça que talvez fosse melhor do que se lhe afigurava a ela. Que fez
então? disse-lhe que se casasse. Cecília recusou o conselho; teu tio insistiu;
ela chorou. Que fazer diante das lágrimas de uma mulher? O homem pediu um
adiamento de vinte e quatro horas. Terrível foi a noite e o dia que se seguiu a
esta entrevista. Jogava-se o destino de Antão e de Cecília. Raptando a moça,
ele ia constituir-se réu perante Deus e os homens. O momento era solene. A
crise da vida chegara ao seu auge. Sobre a tarde tomou ele uma resolução
suprema; raptar a moça, isto é, salvá-la das garras de um noivo a quem ela não
amava, e dar-lhe a felicidade que ela almejava neste mundo. Comunicou o seu
plano à rapariga; e assentou-se que daí a três dias se executaria o plano. A
moça dormiu alegre como se no dia seguinte devesse entrar na bem-aventurança.
Oh! o amor é capaz de grandes coisas! e quanta vez se cometeu crime com alma
alegre só porque é o amor que nos impele para o mal!
— Bonito! murmurou Mendonça.
Irritou-me a interrupção e levantei-me.
— Onde vais?
— Não me queres ouvir.
— Quero; continua. Aplaudi a tua exclamação.
Quero saber em que parou tudo isso.
— Quando o tio voltou para casa, encontrou
junto à janela o criado. Todo o corpo lhe tremeu; estava descoberto. O criado
tinha ouvido bulha e supondo serem ladrões subiu ao sótão, viu a janela aberta,
e espantado, viu um vulto ao longe, e esperou. Quando descobriu que era o tio,
compreendeu que alguma coisa havia, e arrependeu-se de ter subido. Quanto ao
tio, passado o primeiro momento, voltou em si, desceu tranquilamente e disse ao
criado que se fosse deitar. O criado desceu sem dizer palavra; o teu tio veio
tranquilamente para esta sala e entrou a meditar no que devia fazer. Era
forçoso confessar tudo ao criado; estando descoberto, já lhe não aparentava a
discrição; antes tê-lo por amigo mostrando confiança. Assentou nisso. Mas daí a
pouco entrou o receio a torturar-lhe a alma. Podia acaso contar com a discrição
de criado, ainda quando lhe mostrasse confiança? O medo de ver-se descoberto
lhe obumbrou a razão; o crime chama o crime. O relâmpago do crime lhe fuzilou
na alma...
— Que fez?
— Decretou a morte do criado. Quem poderá
dizer que longos foram os instantes passados naquela combinação de um crime que
era o primeiro na escala dos crimes futuros! Ao cabo de uma hora, tomou uma
vela, desceu a escada de mansinho, encaminhou-se ao quarto do criado. Este
dormia profundamente; Pedro Antão lembrou-se de que o melhor meio era
sufocá-lo; subiu outra vez e foi buscar um travesseiro. Desceu; o criado ainda
dormia. Teu tio pôs-lhe o travesseiro sobre o pescoço e calcou com todas as
forças. Surpreendido no sono com este ataque, o criado procurou defender-se;
quis lutar; impossível... por um movimento enérgico Pedro Antão concluiu a
morte começada.
— Onde viste sinais desse crime?
— Não vi sinais; mas é um crime lógico. Por
que razão morreria o criado logo na véspera do rapto? Teu tio quis arredar uma
testemunha ou um cúmplice; mas vai ouvindo.
— Triste morte foi essa!
— Terrível; teu tio subiu, atirou-se à cama,
mas não dormiu; a noite foi cruel; quando chegou a madrugada ele respirou;
podia ao menos afastar a memória do fato terrível da véspera. Do quintal chamou
um vizinho, e pediu-lhe que fosse cuidar do enterro do criado. À tarde foi este
enterrado, levando para a sepultura o segredo do crime...
— Mas, Pedro, é impossível que tu não saibas
disto por outro modo que não o conjectural. Estás falando de maneira que
pareces ter assistido a tudo... Sabias alguma coisa?
— Nada.
— Mas então não compreendo.
— Meu amigo; chama-se a isto penetrar além da
superfície dos fatos. Vai ouvindo. A noite do enterro do criado, era a noite do
rapto de Cecília. Tudo estava preparado. Pedro Antão aguardou silenciosamente a
hora marcada por ele, isto é, meia-noite. O leitor facilmente calculará...
— Que leitor?
— Foi engano. Quero dizer que tu facilmente
calcularás as emoções do namorado antes de cometer o rapto. Entretanto chegou a
hora; Pedro Antão, que estava lendo para passar o tempo, apenas ouviu bater
meia-noite, foi ao quarto, pegou na escada... Aqui entram os óculos de Pedro.
Estava lendo, e para ler punha os óculos a fim de quebrar os raios da luz. Com
a pressa e a preocupação do ato que ia cometer nem se lembrou de tirar os
óculos; foi com eles até à outra sala, abriu a janela, saltou ao telhado e
aproximou-se da casa de Cecília. Tudo estava silencioso; nenhum sinal de vida.
Que aconteceria? Estaria descoberto o plano? Adoeceria a moça? Nesta incerteza
esteve Pedro Antão durante dez mortais minutos. Abriu-se finalmente a janela, e
a cabeça da moça apareceu. Teu tio deu sinal de que ele ali estava, e a preta
disse-lhe que esperasse um pouquinho enquanto a ama completava os preparativos.
Pedro Antão indagou a razão da demora. A preta respondeu que houvera visitas em
casa, e que em virtude disso, Cecília não pôde sair da sala. Entrou a preta e
teu tio esperou.
— Vê se pões a pequena cá para baixo.
— Ouve. Esperou teu tio outros dez minutos,
ao cabo dos quais voltou a preta e o homem atirou a extremidade da escada que
foi convenientemente presa em cima. Cecília apareceu e a vista da moça deu
ânimo ao namorado. Disse-lhe ela que, para melhor efetuar a descida vestira
umas calças do primo; e atirou para baixo duas trouxas. Continham roupa e
vários objetos. Pedro Antão pôs as trouxas de lado, e disse à pequena que
descesse. Ora, justamente quando a moça se preparava a descer, ouviu-se uma voz
que dizia: Miserável! — Cecília deu um grito e entrou fechando a janela. Ficou
embaixo Pedro Antão a procurar com os olhos de onde vinha a voz, até que um
vulto se lhe aproximou. Era nem mais nem menos o pai de Cecília.
— De onde surgiu ele?
— Tinha percebido que a pequena tramava
alguma coisa; foi espreitar pelo buraco da fechadura, e viu-a preparar as
trouxas; desceu ao quintal e de lá ouviu a voz de teu tio; por meio de uma
escada de mão trepou ao telhado no momento em que a moça ia pôr o pé fora da
casa. Avalie-se o drama que se passou ali no telhado. O pai, armado com uma
pistola, apontou-a ao peito de Pedro Antão; este viu iminente o seu fim. Quem
poderia salvá-lo? — “Eu! gritou uma voz no meio das sombras”.
— Quem era?
— Espera. O vulto desarmou o pai de Cecília e
intimou-lhe a retirada; o velho quis recalcitrar, mas teve de obedecer à voz
imperiosa do salvador de Pedro Antão. Tendo escapado por milagre à morte que o esperava,
o homem voltou-se para o vulto e agradeceu-lhe aquela intervenção providencial.
Depois pediu que entrasse com ele em casa para lhe explicar a razão de achar-se
ali. Pedro Antão meditava uma mentira. O vulto respondeu simplesmente. — Eu sei
tudo! — Sabe tudo? — Quem é o senhor? — Ninguém.
— Parodiou o Garrett.
— Convidou teu tio ao vulto para ir descansar
alguns minutos em casa. O vulto aceitou. Atravessaram o telhado e entraram pela
janela. Como estivesse escuro, Pedro Antão tomou um fósforo, que levara consigo
para a volta e à luz quem havia ele de ver?
— Quem?
— Adivinha.
— Não sei.
— O criado?
— Sim.
— O defunto?
— Nem mais nem menos, o defunto.
— Essa agora!...
— Imagina o rosto do pobre homem, deu um
grito e correu; o criado segurou-o ainda pelas abas do paletó; Pedro Antão fez
um esforço, escapou-se-lhe das mãos, caíram-lhe os óculos; e ele foi rolando
pela escada abaixo até cair morto.
— Que horror!
— Aqui tens, concluí eu nem mais nem menos a
história do tio, dos seus motivos de reclusão, e da sua morte desastrosa; aí
tens explicados os óculos no corredor, a escada de seda na outra sala. Queres
mais claro?
— Realmente, disse Mendonça, falas com uma
segurança que pareces ter visto tudo isto!!
— Para que serviria a perspicácia então?
— Safa! Eras capaz de provar que eu ontem
matei um homem!
— Questão de perspicácia; nada mais. Queres
apostar uma coisa?
— O quê?
— Queres apostar que eu acho nesta secretária
algum indício do que estive a referir?
— Então sabias alguma coisa?
— Eu, nada. Mas tenho um pressentimento de
que aqui dentro acharei coisa que nos guie e me prove a veracidade do que te
acabei de contar. Vamos abri-la.
— Com quê?
— Não tens nada?
— Nada. Sabes que mais? Vamos embora. Amanhã,
abriremos isto.
— Não, agora mesmo.
— Qual olha; são três horas quase. Vamos
dormir; amanhã voltarei contigo e de manhã, virá conosco um homem que entenda
disto...
— Pois sim.
Saímos da casa de Pedro Antão; e eu confesso
que não dormi a noite inteira, porque o pouco que dela restava, gastei-a eu a
pensar na história do homem. Se eu achasse na secretária alguma coisa, uma
cartinha de amores, uma lembrança de mulher, tinha ganho a glória de ter
adivinhado uma história que ninguém descobriria nem exporia com tanta lucidez.
No dia seguinte às dez horas da manhã fui ter
com o meu amigo Mendonça que ainda estava dormindo; esperei que acordasse e
almoçasse, depois do que fomos buscar um ferreiro, encarregado de arrombar a
secretária de Pedro Antão.
A fechadura não resistiu muito tempo.
Quando nos achamos sós, entramos a examinar o
conteúdo daquele velho móvel, testemunha insuspeita da vida do tio.
Muitos objetos íamos encontrando que não
serviam para o caso: papéis velhos, cartas de amigos, contas de credores, notas
de leitura, etc.
Nada vimos que servisse ao caso.
— É impossível, disse eu; vejamos nas
gavetinhas.
Nas gavetinhas também nada se encontrou que
pudesse ter relação com a minha versão da morte de Pedro Antão.
De repente, disse-me Mendonça ter achado uns
cabelos.
— Ah! exclamei, enfim!
— Mas são cabelos brancos, acrescentou
Mendonça.
Em resumo, nada encontramos que nos pudesse
guiar no assunto, e eu senti deveras porque o menor indício era naquele caso
uma prova; ao menos eu assim o entendia.
No meio do trabalho em que estávamos, não
demos por uma gaveta escondida por trás de uma tabuinha.
Abriu-se a gaveta por si e graças a um acaso.
Querendo eu arrancar um folheto, apertei uma mola e a gaveta abriu-se.
Dentro havia um rolo fino de papel com esta
nota por fora. “Para ser entregue a meu sobrinho Mendonça“.
— Vejamos.
Mendonça abriu o rolo. Continha uma folha de
papel com as seguintes palavras:
Meu sobrinho. Deixo o mundo sem saudades.
Vivo recluso tanto tempo para me acostumar à morte. Ultimamente li algumas
obras de filosofia da história, e tais coisas vi, tais explicações encontrei de
fatos até aqui reconhecidos, que tive uma ideia excêntrica. Deixei aí uma
escada de seda, uns óculos verdes, que eu nunca usei, e outros objetos, a fim
de que tu ou algum pascácio igual inventassem a meu respeito um romance, que
toda a gente acreditaria até o achado deste papel. Livra-te da filosofia da
história.
Calcule agora o leitor o efeito deste
escrito, espécie de dedo invisível que me deitava por terra o edifício da minha
interpretação!
Daí para cá não interpretei à primeira vista
todas as aparências.
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