Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O caso policial contado há dias
pelos jornais, é, ao que parece, mera reprodução de uma infinidade de outros,
ocorridos no Rio, e, em geral, no mundo inteiro. A guerra, principalmente, com
os seus horrores, com as suas violências, com as suas brutalidades inomináveis,
tem fornecido exemplares curiosíssimos de certas vergonhas, que constituem,
como se sabe, a nódoa de lama da túnica das sociedades.
A prova mais amarga, e mais
típica, desse gênero de verdades dolorosas, é, entretanto, a que Banville
apresenta em um quadro melancólico, desenhado com a delicadeza inimitável do
seu estilo. As cores da tela são tão leves, tão doces, tão brandas, que eu me
permito a mim próprio, a audácia de retocá-la, na blasfêmia de uma ligeira
adaptação.
Em um salão triste e antigo,
ressumando saudades, meditam, com a alva cabeça pendida sobre o peito, três
velhinhas setuagenárias, cujos olhos se perdem, quase sem brilho, nas brumas
longínquas do passado. Procedem, as três, do tumulto do mundo, de que são ali,
meros despojos de um naufrágio, atirados à praia, como tantos outros, pelas
eternas tempestades da vida. Cabeça baixa, olhos baixos, a mais velha das três
solta, de repente, um suspiro tão fundo, que lhe traz aos olhos uma lágrima. As
outras olham-na, compadecidas, e, para matar as horas, que, por sua vez, as vão
matando, resolvem contar os seus amores, as suas aventuras, resumindo nestas o
braço mau, ou leviano, que as atirou à desgraça.
— Eu, — contou a mais velha — fui
vítima do meu noivo, o tenente Balduino, do antigo batalhão de lanceiros.
Confiando nele, nas suas juras, nas suas promessas apaixonadas e ardentes,
deixei-me arrastar, um dia, pela sua palavra e pelo seu braço, até à sua casa,
e, quando despertei no dia seguinte, foi para chorar, como até hoje, a minha
infelicidade...
— A minha história, — principiou
a segunda, — não é muito diferente. Passeava uma tarde com o meu primo, o Barão
Reinaldo, pelas alamedas do jardim de meu pai, quando, embriagada pela amavio
dos seus juramentos de amor, me deixei cingir pelos seus braços. O beijo
pecador que pôs, como uma brasa, na minha boca virgem, fez-me desmaiar. Meses
depois o Barão partia para o Oriente, enquanto meu pai me atirava à rua, com o
meu filho e a minha vergonha!
A terceira velhinha mantinha-se
em silêncio, meditativa, quando as outras a interrogaram:
— E a senhora, mãe Georgete?
— Eu? Eu vivia na Alsácia, em
1870, com meu pai e minha mãe. Era jovem e linda. Um dia, ouvimos troar a
artilharia nas vizinhanças da aldeia. Era o inimigo!
E calou-se. Mas as outras
exigiram:.
— E o resto?
— Que resto?
As duas se entreolharam, e
insistiram, falando claro:
— Quem foi?
E a velhinha, limpando os olhos:
— Foram os alemães...
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