Os colchetes
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Eram cinco horas da tarde,
quando, fechado o escritório, o Dr. Godofredo entrou no seu palacete do
Flamengo, para levar a mulher a passeio. Enveredando pela casa com a sua
liberdade de marido jovem, foi ele encontrar a encantadora senhora de pé,
diante do "psyché", recebendo os últimos retoques no seu vestido
novo, pronta para sair. Ajoelhada no tapete de pelúcia cor de ouro, a
costureira, a boca repleta de alfinetes, pregava aqui, repregava ali,
endireitava acolá, ajustando, como o artista ao seu quadro, as últimas curvas,
as últimas ondulações da fazenda naquela maravilhosa estátua de carne.
Sentando-se no canapé do quarto
de "toilette", o moço olhava, em silêncio, a meticulosidade da
costureira, a perfeição do seu trabalho e a paciência do seu modelo, quando,
diante daqueles toques e retoques infindáveis, lhe aflorou à boca uma observação:
— Sílvia, dizes-me uma coisa?
— Que é? — atendeu a moça, sem
voltar-se, com os olhos no espelho.
— Por que é que os vestidos das
mulheres, em geral, abotoam para trás?
A costureira riu, cuspindo os
alfinetes na mão, estranhando a pergunta; a estátua que ela retocava
apressou-se, porém, em explicar-lhe o caso, sorrindo-lhe pelo cristal do
"psyché".
— Você, então, não sabe?
E explicou:
— O momento mais glorioso da vida
da uma mulher, é aquele em que ela se prepara para sair. Diante do espelho,
refletindo-se na lâmina lisonjeira, ela se glorifica a si mesma, olhando-se,
mirando-se, namorando-se. Antes de agradar aos outros, ela quer agradar-se a si
mesma; e daí as horas que passa diante do espelho, mirando-se, remirando-se,
quando lhe seria mais vantajoso estar na rua, no salão, no passeio, recebendo
ou fazendo visitas, para ser vista, louvada, admirada.
E depois de uma pausa, forçada
por uma recomendação à costureira:
— Com essa paixão por si mesma,
pelas suas "toilettes", pelo namoro da sua própria figura, a mulher
não poderia admitir, evidentemente, que, ao ir vestir-se, outra mulher se
pusesse entre ela e o espelho, para abotoá-la. Seriam momentos de autocontemplação
que ela perderia, e que ela evitou, relegando para trás os botões, os
colchetes, os alfinetes, as pressões, e, com eles, a costureira, que deixa de
lhes fazer sombra diante do espelho.
Horas depois regressavam os dois
do passeio, durante o qual o jovem advogado estivera a meditar sobre a vaidade
feminina, refletindo sobre o que lhe dissera a esposa em relação à origem do
feitio dos vestidos, quando compreendeu que era mentira tudo quanto ela, à
tarde, lhe contara. Foi quando a mulher, preguiçosa e risonha, lhe voltou as
costas pedindo:
— Desabotoa aqui?
A origem daquele costume era,
positivamente, aquela. As mulheres puseram os colchetes e pressões dos vestidos
para trás, unicamente para os maridos lhes beijarem as espáduas...
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