Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Mal saída do colégio, para onde
entrara ainda criança, isto é, desde que o pai, o Comendador Anacleto,
enviuvara, foi a encantadora Maria Lúcia residir no palacete recentemente
alugado pelo velho capitalista em uma das ruas menos movimentadas de Botafogo.
Deslumbrada com a liberdade conquistada à força de estudo, de uma aplicação que
lhe granjeara o primeiro lugar na sua turma, apenas uma coisa a desgostou: foi
a recomendação que lhe fez o pai, severo e prudente:
— Olha, minha filha; esta casa é
tua; governa-a como se fosses a dona. Uma coisa, apenas, eu te peço: vive
isolada, sem relações de amizade, e nunca, em hipótese alguma, incomodes os
vizinhos.
E beijando-lhe a testa clara,
coroada por uns lindos cabelos castanhos:
— Muito juizinho; ouviu?
Duas semanas não se tinham
passado sobre a libertação de Maria Lúcia, quando uma quadrilha de ladrões,
vendo, uma tarde, sair as criadas, que a jovem patroa indultara naquele dia,
resolveu assaltar, pulando o muro dos fundos, o palacete do Comendador.
Descalços, em mangas de camisa, chapéu em cima dos olhos, os miseráveis
penetraram na casa e, desrespeitando a fraqueza da moça, praticaram toda a
sorte de depredações, esvaziando as gavetas, arrombando os cofres de joias,
carregando, enfim, com todas as coisas de valor que havia na residência do
honrado capitalista.
À noite, ao abrir a porta, de
regresso ao lar, o Comendador teve um pressentimento triste, ao ver a casa às
escuras. Abertas, porém, as lâmpadas, recuou, horrorizado, para, em seguida,
precipitar-se, de compartimento em compartimento, chamando, aflito, pela
menina:
— Maria Lúcia? Maria Lúcia? Onde
estás, minha filha?
No último quarto da casa,
esperava-o uma surpresa maior: sentada no leito, desgrenhada pálida, com as
vestes em desalinho, Maria Lúcia chorava, com a cabeça nas mãos.
— Minha filha da minh'alma! —
gemeu o velho, atirando-se para ela. — Que foi isso?
— Os ladrões!... — explicou a
moça, num gemido.
E enxugando os olhos;
— Levaram tudo: as roupas, as
joias, a louça, tudo, enfim. Depois...
— Depois?... — rugiu o velho, com
os olhos esbugalhados.
— Desgraçaram-me!... — concluiu a
moça, prorrompendo em soluços.
— Desgraçaram-te?... — gritou o
velho, de dentes e punhos cerrados, com um rugido soturno, cavo, de fera
atingida no coração.
E após um instante de silêncio
desesperado:
— E como foi? Amarraram-te?
— Não, senhor.
— Subjugaram-te?
— Não, senhor.
— Taparam-te a boca?
— Não, senhor.
— E por que não gritaste? —
berrou o ancião, parando, de súbito, no meio do quarto.
E a moça, levantando para ele,
num soluço, os lindos olhos machucados de lágrimas:
— Papai não disse que eu não
incomodasse os vizinhos?
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