O troco
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O Joaquim P'reira acabava de
chegar da "terra" com o seu chapelão de abas largas e seu sólido jaquetão
de veludo, quando "sô" Manoel Guimarães, proprietário da Padaria
"Flor de Braga", o convidou para caixeiro.
— O essencial — avisou,
entretanto, "sô" Manoel, — é que sejas honesto. O outro rapaz que eu
cá tinha, pu-lo eu ontem na rua por m'haver deitado fora dois mil réis que dele
não eram. Toma tu juízo, que, cá, comigo, prosp'rarás.
O Joaquim prometeu não bulir,
jamais, em dinheiro da casa, e, dois dias depois, era admitido, com todos os
sacramentos da rosca e da farinha de trigo, como caixeiro da "Flor de
Braga". E estava já há uma semana no emprego, quando "sô" Manoel
o chamou:
— "Sô" P'reira?
— Cá 'stou! — acudiu o Joaquim.
— Vá à casa do Almeida, no princípio
da rua, e receba esta conta de vinte mil réis.
E recomendou, prudente:
— Cuidado com o dinheiro!
O Joaquim pegou na conta, foi à
casa indicada, recebeu uma cédula de vinte mil réis, e vinha, reto, no rumo da
padaria, quando se encontrou com um conterrâneo, o Zé Moreira, a quem não tinha
visto desde a chegada. Trocados os primeiros abraços, o Moreira convidou:
— Vamos solenizar o encontro!
Arre, lá! Vamos cá à cervejaria!
Aceito o convite, foram os dois,
beberam duas garrafas, trocaram notícias e saudades, e ia o Joaquim
despedir-se, quando o Zé reclamou:
— E quem paga isso?
— Tu; ora essa!
— Mas eu cá não tenho um vintém;
e se não pagares tu, iremos os dois bater à cadeia, o que é pior!
Amedrontado e arrependido, o
Joaquim arrancou do bolso a cédula de vinte, pagou os mil e seiscentos da
cerveja, recebeu dezoito mil e quatrocentos de troco, e ia pensando no meio de
justificar-se perante "sô" Manoel, quando teve uma ideia, que pôs em
prática. Entrou na padaria pela porta lateral e, chamando o "Leão",
um canzarrão que tomava conta da casa, pôs-se a brincar com ele, aos pulos, até
que, de repente, soltou um grito.
— Que é isso lá? — trovejou
"sô" Manoel, acorrendo.
Com os olhos em lágrimas, o
P'reira contou o desastre:
— Foi uma desgraça, patrão!
Imagine o senhôre, que eu vinha cá com o dinheiro na mão, uma cédula de vinte
mil réis, e o cachorro avançou-me neles, e engoliu-os!
"Sô" Manoel franziu a
testa, calculou o prejuízo, e, de um salto, estava diante do "Leão",
empunhando uma garrafa de óleo de rícino. Auxiliado pelo Joaquim, abriu a boca
ao animal, e, depois de purgá-lo, recomendou ao rapaz:
— Agora, fica-te cá, junto do
bicho, à espera do dinheiro. Logo que ele o deite, segura-o. Meia hora depois
estava "sô" Manoel de volta, a saber notícias do
purgante:
— Já deitou o dinheiro? indagou
do empregado.
O Joaquim, que esperava, ansioso,
por esse momento, abriu a mão, e mostrou, desafogado:
— Todo, todo, não senhôre; até
agora só deitou 18$400!
E entregou o troco da cerveja.
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