Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O ano de 1940 decorre tranquilo e
próspero na cidade do Rio de Janeiro. As festas do Centenário, celebradas em
1922, legaram à metrópole dos cariocas uma grande série de melhoramentos, que a
tornaram a capital mais formosa do mundo. A Avenida da Independência, aberta a
cães e o antigo Campo de Sant'Ana, fulge ao sol, soberba e larga, com os seus
prédios monumentais, de doze a vinte andares. Inaugurados, há quinze anos, o
carros elétricos da Empresa Aérea de Transportes atravessam o espaço em todas
as direções, indo, em poucos minutos, do alto da Gávea à fortaleza de Santa
Cruz, à semelhança de insetos monstruosos que voassem, rápidos, ligados pelas
antenas a invisíveis fios de arame. Das estações do Pão de Açúcar, do
Corcovado, de Santa Teresa, da Babilônia, levantam voo a todo instante aerobus
enormes, que fazem o serviço para Petrópolis, para Teresópolis, para Friburgo,
para Minas, para São Paulo e para as ilhas, de bordo dos quais se agitam lenços
esvoaçantes, de pessoas que se despedem saudosas, de parentes ou amigos que
lhes dizem adeus do terraço dos grandes edifícios.
Embaixo, na Avenida da
Independência, a estátua de Epitácio Pessoa faísca, monumental. Vendedores de
jornais, montando pequenos veículos de duas rodas, apregoam, alto, as novidades
do dia, entre as quais avulta a notícia de que o Loyd, nesse ano, não deu
"déficit". As ruas, as praças, as avenidas, e o próprio espaço,
fervilham de passeantes e de veículos, quando um guarda civil do serviço aéreo
anuncia, pelo telefone sem fio a aproximação de um aeroplano esquisito e de
marcha retardada, que procede do Sul.
Afixados os cartazes elétricos no
alto dos morros, os transeuntes elegantes retiram os binóculos da cintura,
afixam-nos na direção indicada, esperando o viajante desconhecido. Será um selenita,
um dos misteriosos habitantes da Lua? Será um emissário de Marte? Nariz para o
ar, chapéu na mão, os cariocas acompanham a marcha do gafanhoto de aço, que
desce, aos poucos, trepidando e zumbindo, até pousar, em frente ao Club
Revolucionário Maurício de Lacerda, na praça Carlos Sampaio, onde era
antigamente o morro do Castelo. Curiosa, a população precipita-se, correndo e
voando, naquele rumo, para ver o recém-chegado, que salta com dificuldade do
seu aparelho. É um ancião alto, magro, de cabeça alva, e com uma barba de neve
que lhe desce, abundante, até o estômago.
Admirado, olha ele para um lado e
outro, como a perguntar-se a si mesmo se não terá errado o caminho, quando um
cavalheiro idoso o encara, e recua. E um grito de entusiasmo estruge, reboa,
troveja, abalando a cidade.
— De Lamare! De Lamare!
É De Lamare que regressa,
vitorioso, do "raid" a Buenos Aires!...
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