O perfume
(Sobre uma frase de Dumas Filho)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Saída do colégio em dezembro
último, Angelita recebeu da sua mamãe a promessa de um vestido de passeio, um
verdadeiro vestido de moça, escolhido por ela mesma, assim que regressassem da
fazenda, em Barra Mansa, depois do Carnaval. Inocente ainda, foi batendo os
dois lírios das mãos que a menina ouviu a notícia. E foi,
para ela, para os seus dezesseis anos incompletos, um momento de alegria
irreprimível, aquele em que, sentado na sua cama alva, pura como um berço,
escolheu, manuseando uma dúzia de revistas de modas, o figurino que mais lhe
encantava os olhos.
Feita a encomenda a uma das
modistas do bairro, foi esta, dias depois, levar o vestido à última prova.
Contente, feliz, pulando pela casa, era com uma jovialidade descomedida que
Angelita recebia a costureira. E não foi sem um certo calor na face, e sem um
certo tremor nos dedinbos afilados, que desabotoou a sua blusinha leve,
patenteando os encantos do seu colo virgem, do seu corpo desabrochante, aos
olhos daquela senhora estranha, habituada a ver, certamente, por aí, por
exigência do seu próprio ofício, centenas de corpos pecadores.
— Tire o corpinho também,
mademoiselle, — ordenou a modista.
A menina enrubesceu mais:
— O corpinho, também?
Minutos depois, trajando o seu
lindo vestido novo, Angelita abria de par em par a porta da sua alcova, onde
estivera encerrada, sozinha, com a costureira. Estava deslumbrante. Era um
maravilhoso figurino de verão, bordado a seda, com um rosário de pequeninas
flores à cintura, que lhe punha em destaque, no colo e nos braços, a imaculada
frescura da pele. Curvando-se, risonha, numa grande mesura, foi a mocinha
perguntando, logo, a D. Adelaide:
— Então, estou linda?
A ilustre senhora, que a esperava
na sala de jantar, junto à mesa, abriu os braços, para receber a filha.
— Que tal? — tornou a moça.
D. Adelaide beijou-a nos cabelos
castanhos e, com um sorriso de bondade, em que lhe ia toda a sua alma, externou
o seu pensamento:
— Está muito bom, muito lindo,
mas falta uma coisa.
A menina arregalou os grandes
olhos escuros, imobilizando no rosto um sorriso de espanto.
— É aqui! — explicou a senhora,
pondo-lhe a mão aberta sobre o colo de neve.
E abraçando a menina:
— As mulheres, minha filha, são
uma essência delicada, de que o vestido é um vidro desarrolhado, por onde se
evola, insensivelmente, o pudor da mulher...
E lançou, maternalmente, sobre o
colo da filha, a macia misericórdia do seu claro lenço de seda.
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