Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O Sr. Alberto Gomes Valente era
guarda-livros da firma Sobreira, Costa & C., ganhando quinhentos mil réis,
quando resolveu constituir família, unindo-se solenemente à senhorita que mais
o impressionara na vida. Tímido, com o pudor nos olhos e na língua, procurou
ele o chefe da casa, o Sr. Zacarias Sobreira e pediu-lhe, usando de mil
rodeios, que lhe aumentasse o ordenado.
— O ordenado? — estranhou o
capitalista, franzindo a testa. — Por quê? Que é que justifica a sua
reclamação?
O guarda-livros gaguejou, aflito,
e explicou o seu caso. A organização do seu lar exigia despesas novas, graves,
pesadas, e era como um homem em véspera de casamento que ele pedia, submisso,
um aumento de cinquenta ou cem mil réis por mês. O Sr. Sobreira, foi, porém,
inflexível:
— Impossível, meu amigo; é
impossível! O que eu posso fazer, é o seguinte: impedir que o senhor se case.
Serve?
O guarda-livros insistiu, no
entanto, na sua deliberação, e casou-se. E ia vivendo, bem ou mal, há três
meses, com os seus quinhentos mil réis, quando o patrão o chamou, uma tarde, e
comunicou-lhe:
— Senhor Abelardo, a firma,
satisfeita com os seus serviços, resolveu aumentar espontaneamente o seu
ordenado. De hoje em diante, o senhor passa a ganhar setecentos mil réis.
Quatro meses depois, outra
chamada, com outra comunicação:
— De agora em diante, Sr.
Abelardo, o seu ordenado fica aumentado. O senhor ficará ganhando, à partir
deste mês, um conto de réis.
Vivia, assim, o honrado auxiliar
da firma Sobreira, Costa & C., em um ambiente de conforto relativo, quando,
aproveitando a ausência do chefe da firma, lhe deu na cabeça, um dia, correr
até à casa, para matar as saudades da mulher. Ao abrir o portão, notou que a
esposa estava dormindo. E não se enganara; pelo menos, foi com a roupa em
desalinho e os cabelos desarranjados que ela lhe correu a abrir a porta,
oferecendo-lhe, como prêmio de chegada, uma infinidade de beijos.
— Tu por aqui a estas horas? —
estranhou a moça, carinhosa. — Que foi isso?
O marido explicou. O Sr. Sobreira
havia saído para ir à Alfândega, e ele, tirando proveito da hora, correra a
beijar a sua querida mulherzinha. Era por isso.
Ao contar essas coisas, olhou,
rápido, para o grande relógio da sala de jantar, um relógio de dois metros de
altura, enorme, formidável, conventual, e estremeceu, vendo-o atrasado.
— Que é isso? O relógio parou?
E vendo que, de fato, a grande máquina de medir o
tempo estacionara meia hora antes, encaminhou-se para ela, disposto a pô-la em
movimento. Mal porém, puxara a tampa do monstro, alta como uma porta de igreja,
recuou, pálido, com a agonia no coração, exclamando:
— O Sr. Sobreira!.
E com as mãos trêmulas, os olhos
fora das órbitas, estupefato por encontrar o patrão escondido na caixa do
relógio, rugiu, de dentes cerrados, entre o medo e a raiva:
— Que é que o senhor está fazendo
aí?
Encostado no fundo da caixa, o
patrão, igualmente pálido, gemeu, apenas:
— Passeando...
E puxou sobre si, fechando-se, a
tampa do relógio.
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