Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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— Entre.
O criado, ouvindo a ordem,
penetrou no salão pisando quase em cima dos pés. Era uma sala larga, com altas
estantes, pesadas de livros de encadernações reluzentes e caras. Quase ao
centro da sala ao lado de uma larga mesa cheia de papéis e livros, um homem
como que atarefado naquele mar revolto, sentado, aparecendo-lhe somente o
crânio de calvo luzidio sem que o pince-nez de ouro refletisse...
— Que é?
— Uma senhora que quer falar com vossa
excelência.
— Não disse o nome?
— Não, senhor. Disse-me só que
queria falar com o senador doutor Bento Paleógrafo.
— Que aspecto tem?
— É uma mulher pobre,
caboclada... Parece da roça.
— Bem. Diga que espere.
— Espera. Mande-me aprontar o
chocolate, mas quero do bom, isto é, aquele do cacau da Bahia que o coronel
Fulgêncio, mandou-me; o do Amazonas não presta.
O senador Bento Paleógrafo era
uma glória do país. Não que ele tivesse feito altas obras. Fora ministro e nada
fizera; senador, dava pareceres de sete em sete anos; não escrevera também
tratados, obras de qualquer natureza; e toda base de sua glória estava nalguns
artigos de jornais (e não era publicista) e uns três prefácios a traduções do
inglês. Era uma glória animada, sátirica e política, artística e periódica,
pedagógica e financeira, gramatical e filosófica. Quando se lhe falava no nome;
dizia-se:
— O Bento, a maior glória da
América do Sul.
Certo dia um escritor do Equador,
que tivera notícias desse colosso, por via diplomática, pediu ao Ministério de
Instrução as suas obras científicas, literárias ou filosóficas. O pedido depois
de repassado por todas as seções do Ministério voltou ao plenipotenciário com
alguns números do Diário Oficial, um
livrinho para as escolas primárias e um espécimen da sua cédula do tempo do
Encilhamento.
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