O oráculo
(Contos argelinos)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Quando Pelino notou que a vista
se lhe ia escurecendo, procurou um oculista famoso, timbrado pelo governo,
assegurado por várias academias, inclusive a de Letras, cujo nome, precedido da
mais clara fama, era garantia do milagre que o cliente esperava da ciência do
doutor.
Este, porém, não pudera fazer a
luz aumentar nos seus olhos que, a pouco, se iam apagando numa treva
indistinta.
Pelino que, durante vinte e
tantos anos, ajudara, na sua banca humilde, os ministros a cumprir as leis e os
regulamentos, resolveu consultar um curandeiro.
Procurou os jornais, leu os
anúncios e visitou então muitos que se anunciavam com grandes gabos.
Leu o do professor Im-Ra,
sacerdote da Magia Natural ou Ortológica, capaz de dar saúde, beleza, amor, por
um processo psicológico, ainda desconhecido etc. etc.
Leu outros, mas aquele que mais
lhe agradou foi o do Ergonte Ribeiro, ocultista explícito, curador de doenças
da virtude, por meio de uniformes adequados, cintos de castidade, manchões e
outros instrumentos mecânicos esotéricos, cuja eficácia estava comprovada com
1452 atestados que possuía.
Entre estes, ele publicava um em
que o cidadão Freitas, de Umbu de Baixo, gabava o cinto que lhe havia mandado,
com o qual pôde o referido cidadão impedir que sua mulher adulterasse enquanto
ele andava no campo em trabalhos de criação.
Além de tais dotes, o professor
Lemos Ribeiro curava a cegueira e outras moléstias, por meio de consultas a
oráculos antigos, cujas receitas ele possuía em grande número.
Pelino, que precisava ficar com a
sua vista em perfeito estado, para o escritório de Lemos partiu imediatamente.
Era uma vasta peça quadrada,
precedida de uma antessala meio escura. Toda a peça estava forrada de livros,
em altas estantes. Havia o trípode das velhas religiões da Grécia e Roma a
queimar um tênue incenso.
Ouvida a consulta, Lemos Ribeiro
começou a remexer os livros da sua abundante biblioteca.
Tirou, primeiro, da estante, as Peregrinações, de Fernão Mendes e citou:
“a que os moradores logo acudiam com muitas bestas e lanças, bradando a grandes
vozes: Navacaranguê, navacaranguê”.
Em seguida, agarrou um volume da História de França, por H. Martin, e leu
um trecho sobre Luís XIV.
E depois de ter lido assim e
citado a esmo, o sabichão expectorou a sua
transcendente receita: lave os
olhos com a água do banho da mulher que tenha sido sempre fiel a seu marido.
Pelino pagou, porque se pagava, e
saiu a pensar no récipe que lhe dera o curandeiro. Quem seria a mulher? Pensou
mais ainda e concluiu, com muita razão, que devia ser a sua.
Chegou em casa e, dentro em
breve, pôde experimentar o remédio. Apanhou um bom bocado de água do banho da
esposa, e com ela lavou
abundantemente os olhos uma,
duas, três vezes; e neles a luz não se fez absolutamente.
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