11/25/2017

O oráculo (Conto), de Lima Barreto


O oráculo
(Contos argelinos)

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

---
 
Quando Pelino notou que a vista se lhe ia escurecendo, procurou um oculista famoso, timbrado pelo governo, assegurado por várias academias, inclusive a de Letras, cujo nome, precedido da mais clara fama, era garantia do milagre que o cliente esperava da ciência do doutor.

Este, porém, não pudera fazer a luz aumentar nos seus olhos que, a pouco, se iam apagando numa treva indistinta.

Pelino que, durante vinte e tantos anos, ajudara, na sua banca humilde, os ministros a cumprir as leis e os regulamentos, resolveu consultar um curandeiro.

Procurou os jornais, leu os anúncios e visitou então muitos que se anunciavam com grandes gabos.

Leu o do professor Im-Ra, sacerdote da Magia Natural ou Ortológica, capaz de dar saúde, beleza, amor, por um processo psicológico, ainda desconhecido etc. etc.

Leu outros, mas aquele que mais lhe agradou foi o do Ergonte Ribeiro, ocultista explícito, curador de doenças da virtude, por meio de uniformes adequados, cintos de castidade, manchões e outros instrumentos mecânicos esotéricos, cuja eficácia estava comprovada com 1452 atestados que possuía.

Entre estes, ele publicava um em que o cidadão Freitas, de Umbu de Baixo, gabava o cinto que lhe havia mandado, com o qual pôde o referido cidadão impedir que sua mulher adulterasse enquanto ele andava no campo em trabalhos de criação.

Além de tais dotes, o professor Lemos Ribeiro curava a cegueira e outras moléstias, por meio de consultas a oráculos antigos, cujas receitas ele possuía em grande número.

Pelino, que precisava ficar com a sua vista em perfeito estado, para o escritório de Lemos partiu imediatamente.

Era uma vasta peça quadrada, precedida de uma antessala meio escura. Toda a peça estava forrada de livros, em altas estantes. Havia o trípode das velhas religiões da Grécia e Roma a queimar um tênue incenso.

Ouvida a consulta, Lemos Ribeiro começou a remexer os livros da sua abundante biblioteca.

Tirou, primeiro, da estante, as Peregrinações, de Fernão Mendes e citou: “a que os moradores logo acudiam com muitas bestas e lanças, bradando a grandes vozes: Navacaranguê, navacaranguê”.

Em seguida, agarrou um volume da História de França, por H. Martin, e leu um trecho sobre Luís XIV.

E depois de ter lido assim e citado a esmo, o sabichão expectorou a sua

transcendente receita: lave os olhos com a água do banho da mulher que tenha sido sempre fiel a seu marido.

Pelino pagou, porque se pagava, e saiu a pensar no récipe que lhe dera o curandeiro. Quem seria a mulher? Pensou mais ainda e concluiu, com muita razão, que devia ser a sua.

Chegou em casa e, dentro em breve, pôde experimentar o remédio. Apanhou um bom bocado de água do banho da esposa, e com ela lavou

abundantemente os olhos uma, duas, três vezes; e neles a luz não se fez absolutamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...