O Número da Sepultura
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Que podia ela dizer, após três
meses de casada, sobre o casamento?
Era bom? Era mau?
Não se animava a afirmar nem uma
coisa, nem outra. Em essência, "aquilo" lhe parecia resumir-se em uma
simples mudança de casa.
A que deixara não tinha mais nem
menos cômodos do que a que viera habitar; não tinha mais "largueza";
mas a " nova" possuía um jardinzito minúsculo e uma pia na sala de
jantar.
Era, no fim de contas, a diminuta
diferença que existia entre ambas.
Passando da obediência dos pais,
para a do marido, o que ela sentia, era o que se sente quando se muda de
habitação.
No começo, há nos que se mudam,
agitação, atividade; puxa-se pela ideia, a fim de adaptar os móveis à casa
"nova" e, por conseguinte, eles, os seus recentes habitantes também;
isso, porém, dura poucos dias.
No fim de um mês, os móveis já
estão definitivamente " ancorados", nos seus lugares, e os moradores
se esquecem de que residem ali desde poucos dias.
Demais, para que ela não
sentisse, profunda modificação, no seu viver, advinda com o casamento, havia a
quase igualdade de gênios e hábitos de seu pai e seu marido.
Tanto um como outro, eram
corteses com ela; brandos no tratar, serenos, sem impropérios, e ambos, também,
meticulosos, exatos e metódicos. Não houve, assim, abalo algum, na sua
transplantação de um lar para outro.
Contudo, esperava, no casamento
alguma coisa de inédito até ali, na sua existência de mulher: uma exuberante e
contínua satisfação de viver.
Não sentiu, porém, nada disso.
O que houve de particular na sua
mudança de estado, foi insuficiente para Lhe dar uma sensação nunca sentida da
vida e do mundo. Não percebeu nenhuma novidade essencial...
Os céus cambiantes, com o rosado
e dourado de arrebóis, que o casamento promete a todos, moços e moças; não os
vira ela. O sentimento de inteira liberdade, com passeios, festas, teatros,
visitas — tudo que se contém para as mulheres, na ideia de casamento, durou
somente a primeira semana de matrimônio.
Durante ela, ao lado do marido,
passeara, visitara, fora a festas, e a teatros; mas assistira todas essas
coisas, sem muito se interessar por elas, sem receber grandes ou profundas
emoções de surpresa, e ter sonhos fora do trivial da nossa mesquinha vida
terrestre. Cansavam-na até!
No começo, sentia alguma alegria
e certo contentamento; por fim, porém, veio o tédio por elas todas, a nostalgia
da quietude de sua casa suburbana, onde vivia à négligé e podia sonhar, sem desconfiar que os outros Lhe pudessem
descobrir os devaneios crepusculares de sua pequenina alma de burguesia,
saudosa e enfumaçada.
Não era raro que também ocorresse
saudades da casa paterna, provocadas por aquelas chinfrinadas de teatros ou
cinematográficas. Acudia-lhe, com indefinível sentimento, a lembrança de velhos
móveis e outros pertences familiares da sua casa paterna, que a tinham visto
desde menina. Era uma velha cadeira de balanço de jacarandá; era uma leiteira
de louça, pintada de azul, muito antiga; era o relógio sem pêndula, octogonal,
velho também; e outras bugigangas domésticas que, muito mais fortemente do que
os móveis e utensílios adquiridos recentemente, se haviam gravado na sua
memória.
Seu marido era um rapaz de
excelentes qualidades matrimoniais, e não havia, no nebuloso estado d'alma de
Zilda, nenhum desgosto dele ou decepção que ele lhe tivesse causado.
Morigerado, cumpridor exato dos
seus deveres, na secção de que era chefe seu pai, tinha todas as qualidades
médias, para ser um bom chefe de família, cumprir o dever de continuar a
espécie e ser um bom diretor de secretaria ou repartição outra, de banco ou de
escritório comercial.
Em compensação, não possuía
nenhuma proeminência de inteligência ou de ação. Era e seria sempre uma boa
peça de máquina, bem ajustada, bem polida e que, lubrificada convenientemente,
não diminuiria o rendimento daquela, mas que precisava sempre do motor da iniciativa
estranha, para se pôr em movimento.
Os pais de Zilda tinham
aproximado os dois; a avó, a quem a moça estimava deveras, fizera as
insinuações de praxe; e, vendo ela que a coisa era do gosto de todos, por
curiosidade mais do que por amor ou outra coisa parecida, resolveu-se a casar
com o escriturário de seu pai. Casaram-se, viviam muito bem. Entre ambos, não
havia a menor rusga, a menor desinteligência que lhes toldasse a vida
matrimonial; mas não existia também como era de esperar, uma profunda e constante
penetração, de um para o outro e vice-versa, de desejos, de sentimentos, de
dores e alegrias.
Viviam placidamente numa
tranquilidade de lagoa, cercada de altas montanhas, por entre as quais os
ventos fortes não conseguiam penetrar, para encrespar-lhe as águas imotas.
A beleza do viver daquele novel
casal, não era ter conseguido de duas fazer uma única vontade; estava em que os
dois continuassem a ser cada um uma personalidade, sem que, entanto,
encontrassem nunca motivo de conflito, o mais ligeiro que fosse. Uma vez,
porém... Deixemos isso para mais tarde... O gênio e a educação de ambos muito
contribuíam para tal.
O marido, exato burocrata, era
cordato, de temperamento calmo, ponderado e seco que nem uma crise ministerial.
A mulher era quase passiva e tendo sido educada na disciplina ultarregrada e
esmerilhadora de seu pai, velho funcionário, obediente aos chefes, aos
ministros, aos secretários destes e mais bajuladores, às leis e regulamentos,
não tinha assomos nem caprichos, nem fortes vontades. Refugiava-se no sonho e,
desde que não fosse multado, estava por tudo.
Os hábitos do marido eram os mais
regulares e executados, sem a mínima discrepância. Erguia-se do leito muito
cedo, quase ao alvorecer, antes mesmo da criada, a Genoveva, levantar-se da
cama. Pondo-se de pé, ele mesmo coava o café e, logo que estava pronto, tomava
uma grande xícara.
Esperando o jornal (só comprava
um), ia para o pequeno jardim, varria-o, amarrava as roseiras e craveiros, nos
espeques, em seguida, dava milho às galinhas e pintos e tratava dos
passarinhos.
Chegando o jornal, lia-o
meticulosamente, organizando, para uso do dia, as suas opiniões literárias,
científicas, artísticas, sociais e, também, sobre a política internacional e as
guerras que havia pelo mundo.
Quanto à política interna,
construía algumas, mas não as manifestava a ninguém, porque quase sempre eram
contra o governo e ele precisava ser promovido.
Às nove e meia, já almoçado e
vestido, despedia-se da mulher, com o clássico beijo, e lá ia tomar o trem.
Assinava o ponto, de acordo como regulamento, isto é, nunca depois das dez e
meia.
Na repartição, cumpria
religiosamente os seus sacratíssimos deveres de funcionário.
Sempre foi assim; mas, após o
casamento, aumentou de zelo, a fim de pôr a secção do sogro que nem um brinco,
em questão de rapidez e presteza no andamento e informações de papéis.
Andava pelas bancas dos colegas,
pelos protocolos, quando o serviço lhe faltava e se, nessa correição, topava
com expediente em atraso, não hesitava: punha-se a "desunhar".
Acontecendo-lhe isto, ao
sentar-se à mesa, para jantar, já em trajes caseiros, apressava-se em dizer a
mulher
— Arre! Trabalhei hoje, Zilda,
que nem o diabo!
— Por quê?
— Ora, por quê? Aqueles meus
colegas são uma pinoia...
— Que houve?
— Pois o Pantaleão não está com o
protocolo dele, o da Marinha, atrasado de uma semana? Tive que o pôr em dia...
— Papai foi quem te mandou?
— Não; mas era meu dever, como
genro dele, evitar que a secção que ele dirige, fosse tachada de relaxada.
Demais não posso ver expediente atrasado...
— Então, esse Pantaleão falta
muito?
— Um horror! Desculpa-se com
estar estudando direito. Eu também estudei, quase sem faltas.
Com semelhantes notícias e outras
de mexericos sobre a vida íntima, defeitos morais e vícios dos colegas, que ele
relatava à mulher, Zilda ficou enfronhada no viver da diretoria em que
funcionava seu marido, tanto no aspecto puramente burocrático, como nos da vida
particular e famílias dos respectivos empregados.
Ela sabia que o Calçoene bebia
cachaça; que o Zé Fagundes vivia amancebado com uma crioula, tendo filhos com
ela, um dos quais com concurso e ia ser em breve colega do marido; que o
Feliciano Brites das Novas jogava nos dados todo o dinheiro que conseguia
arranjar que a mulher do Nepomuceno era amante do General T., com auxílio do
qual ele preteria todos nas promoções, etc., etc.
O marido não conversava com Zilda
senão essas coisas da repartição; não tinha outro assunto para palestrar com a
mulher. Com as visitas e raros colegas com quem discutia, a matéria da
conversação eram coisas patrióticas: as forças de terra e mar, as nossas
riquezas naturais, etc.
Para tais argumentos tinha
predileção especial e um especial orgulho em desenvolvê-los com entusiasmo.
Tudo o que era brasileiro era primeiro do mundo ou, no mínimo, da América do
Sul. E — ai! — de quem o contestasse; levava uma sarabanda que resumia nesta
frase clássica:
— É por isso que o Brasil não vai
para adiante. O brasileiro é o maior inimigo de sua pátria.
Zilda, pequena burguesa, de
reduzida instrução e, como todas as mulheres, de fraca curiosidade intelectual
quando o ouvia discutir assim com os amigos, enchia-se de enfado e sono;
entretanto, gostava das suas alcovitices sobre os lares dos colegas...
Assim ela ia repassando a sua
vida de casada, que já tinha mais de três meses feitos, na qual, para
quebrar-lhe a monotonia e a igualdade, só houvera um acontecimento que a
agitara, a torturara, mas, em compensação, espantara por algumas horas o tédio
daquele morno e plácido viver. É preciso contá-lo.
Augusto — Augusto Serpa de Castro
— tal era o nome de seu marido — tinha um ar mofino e enfezado; alguma coisa de
índio nos cabelos muito negros, corredios e brilhantes, e na tez acobreada.
Seus olhos eram negros e grandes, com muito pouca luz, mortiços e pobres de
expressão, sobretudo de alegria.
A mulher, mais moça do que ele
uns cinco ou seis anos, ainda não havia completado os vinte. Era de uma grande
vivacidade de fisionomia, muito móbil e vária, embora o seu olhar castanho
claro tivesse, em geral, uma forte expressão de melancolia e sonho interior.
Miúda de feições, franzina, de boa estatura e formas harmoniosas, tudo nela era
a graça do caniço, a sua esbelteza, que não teme os ventos, mas que se curva à
força deles com mais elegância ainda, para ciciar os queixumes contra o triste
fado de sua fragilidade, esquecendo-se, porém, que é esta que o faz vitorioso.
Após o casamento, vieram residir
na Travessa das Saudades, na estação de ***.
É uma pitoresca rua, afastada
alguma coisa das linhas da Central, cheia de altos e baixos, dotada de uma
caprichosa desigualdade de nível, tanto no sentido longitudinal como no
transversal.
Povoada de árvores e bambus, de
um lado e outro, correndo quase exatamente de norte para sul, as habitações do
lado do nascente, em grande número, somem-se na grota que ela forma, com o seu
desnivelamento; e mais se ocultam debaixo dos arvoredos em que os Cipós se
tecem.
Do lado do poente, porém, as
casas se alteiam e, por cima das de defronte, olham em primeira mão a Aurora,
com os seus inexprimíveis cambiantes de cores e matizes.
Como no fim do mês anterior,
naquele outro, o segundo término de mês depois do seu casamento, o bacharel
Augusto, logo que recebeu os vencimentos e conferiu as contas dos fornecedores,
entregou o dinheiro necessário à mulher, para pagá-los, e também a importância
do aluguel da casa.
Zilda apressou-se em fazê-lo ao
carniceiro, ao padeiro e ao vendeiro; mas, o procurador do proprietário da casa
em que moravam, demorou-se um pouco. Disso, avisou o marido, em certa manhã,
quando ele lhe dava uma pequena quantia para as despesas com o quitandeiro e
outras miudezas caseiras. Ele deixou o importe do aluguel com ela.
Havia já quatro dias que ele se
havia vencido; entretanto, o preposto do proprietário não aparecia.
Na manhã desse quarto dia, ela
amanheceu alegre e, ao mesmo tempo apreensiva.
Tinha sonhado; e que sonho!
Sonhou com a avó, a quem amava
profundamente e que desejara muito o seu casamento com Augusto. Morrera ela
poucos meses antes de realizar-se o seu enlace com ele; mas ambos já eram
noivos.
Sonhara a moça com o número da
sepultura da avó — 1724; e ouvira a voz dela, da sua vovó, que lhe dizia:
"Filha, joga neste número! "
O sonho impressionou-a muito;
nada, porém, disse ao marido. Saído que ele foi para a repartição, determinou à
criada o que tinha a fazer e procurou afastar da memória tão estranho sonho.
Não havia, entretanto, meios para
conseguir isso. A recordação dele estava sempre presente ao seu pensamento,
apesar de todos os seus esforços em contrário.
A pressão que lhe fazia no
cérebro a lembrança do sonho, pedia uma saída, uma válvula de descarga, pois já
excedia a sua força de contenção. Tinha que falar, que contar, que comunicá-lo
a alguém...
Fez confidência do sucedido à
Genoveva. A cozinheira pensou um pouco e disse:
— Nhanhã: eu se fosse a senhora
arriscava alguma coisa no "bicho".
— Que "bicho" é?
— 24 é cabra; mas não deve jogar
só por um lado. Deve cercar por todos e fazer fé na dezena, na centena, até no
milhar. Um sonho destes não é por aí coisa à toa.
— Você sabe fazer a lista?
— Não, senhora. Quando jogo é o
Seu Manuel do botequim quem faz " ela", mas a vizinha, Dona Iracema,
sabe bem e pode ajudar a senhora.
— Chame " ela" e diga
que quero lhe falar.
Em breve chegava a vizinha e
Zilda contou-lhe o acontecido.
Dona Iracema refletiu um pouco e
aconselhou:
— Um sonho desses, menina, não se
deve desprezar. Eu, se fosse a vizinha, jogava forte.
— Mas, Dona Iracema, eu só tenho
os oitenta mil-réis para pagar a casa. Como há de ser?
A vizinha cautelosamente
respondeu:
— Não lhe dou a tal respeito
nenhum conselho. Faça o que disser o seu coração; mas um sonho desses...
Zilda que era muito mais moça que
Iracema, teve respeito pela sua experiência e sagacidade. Percebeu logo que ela
era favorável a que ela jogasse. Isto estava a quarentona da vizinha, a tal
Dona Iracema, a dizer-lhe pelos olhos.
Refletiu ainda alguns minutos e,
por fim, disse de um só hausto:
— Jogo tudo.
E acrescentou:
— Vamos fazer a lista — não é
Dona Iracema?
— Como é que a senhora quer?
— Não sei bem. A Genoveva é quem
sabe.
E gritou, para o interior da
casa:
— O Genoveva! Genoveva! Venha cá,
depressa!
Não tardou que a cozinheira
viesse. Logo que a patroa lhe comunicou o embaraço, a humilde preta apressou-se
em explicar:
— Eu disse a nhanhã que cercasse
por todos os lados o grupo, jogasse na dezena, na centena e no milhar.
Zilda perguntou à Dona Iracema:
— A senhora entende dessas
coisas?
— Ora! Sei muito bem. Quanto quer
jogar?
— Tudo! Oitenta mil-réis!
— É muito, minha filha. Por aqui
não há quem aceite. Só se for no Engenho de Dentro, na casa do Halavanca, que é
forte. Mas quem há de levar o jogo? A senhora tem alguém?
— A Genoveva.
A cozinheira, que ainda estava na
sala, de pé, assistindo os preparativos de tão grande ousadia doméstica, acudiu
com pressa:
— Não posso ir, nhanhã. Eles me
embrulham e, se a senhora ganhar, a mim eles não pagam. É preciso pessoa de
mais respeito.
Dona Iracema, por aí, lembrou:
— É possível que o Carlito tenha
vindo já de Cascadura, onde foi ver a avó... Vai ver, Genoveva!
A rapariga foi e voltou em
companhia do Carlito, filho de Dona Iracema. Era um rapagão dos seus dezoito
anos, espadaúdo e saudável.
A lista foi feita convenientemente;
e o rapaz levou-a ao "banqueiro".
Passava de uma hora da tarde, mas
ainda faltava muito para as duas. Zilda lembrou-se então do cobrador da casa.
Não havia perigo. Se não tinha vindo até ali, não viria mais.
Dona Iracema foi para a sua casa;
Genoveva foi para a cozinha e Zilda foi repousar daqueles embates morais e
alternativas cruciantes, provocados pelo passo arriscado que dera. Deitou-se já
arrependida do que fizera.
Se perdesse, como havia de ser? O
marido... sua cólera... as repreensões... Era uma tonta, uma doida... Quis
cochilar um pouco; mas logo que cerrou os olhos, lá viu o número — 1724.
Tomava-se então de esperança e sossegava um pouco da sua ânsia angustiosa.
Passando, assim, da esperança ao
desânimo, prelibando a satisfação de ganhar e antevendo os desgostos que
sofreria, caso perdesse — Zilda, chegou até à hora do resultado, suportando os
mais desencontrados estados de espírito e os mais hostis ao seu sossego.
Chegando o tempo de saber "o que dera", foi até à janela. De onde em
onde, naquela rua esquecida e morta, passava uma pessoa qualquer. Ela tinha
desejo de perguntar ao transeunte o "resultado", mas ficava possuída
de vergonha e continha-se.
Nesse ínterim, surge o Carlito a
gritar:
— Dona Zilda! Dona Zilda! A
senhora ganhou, menos no milhar e na centena.
Não deu um "ai" e ficou
desmaiada no sofá da sua modesta sala de visitas.
Voltou em breve a si, graças às
esfregações de vinagre de Dona Iracema e de Genoveva. Carlito foi buscar o
dinheiro que subia a mais de dois contos de réis. Recebeu-o e gratificou
generosamente o rapaz, a mãe dele e a sua cozinheira, a Genoveva. Quando
Augusto chegou, já estava inteiramente calma. Esperou que ele mudasse de roupa
e viesse à sala de jantar, a fim de dizer-lhe:
— Augusto: se eu tivesse jogado o
aluguel da casa no "bicho", você ficava zangado?
— Por certo! Ficaria muito e
havia de censurar você com muita veemência, pois que uma dona de casa não...
— Pois, joguei.
— Você fez isto, Zilda?
— Fiz.
-Mas quem virou a cabeça de você
para fazer semelhante tolice? Você não sabe que ainda estamos pagando despesas
do nosso casamento?
— Acabaremos de pagar agora
mesmo.
— Como? Você ganhou?
-Ganhei. Está aqui o dinheiro.
Tirou do seio o pacote de notas e
deu-o ao marido, que se tornara mudo de surpresa. Contou as pelejas muito bem,
levantou-se e disse com muita sinceridade, abraçando e beijando a mulher...
— Você tem muita sorte. É o meu
anjo bom.
E todo o resto da tarde, naquela
casa, tudo foi alegria.
Vieram Dona Iracema, o marido, o
Carlito, as filhas e outros vizinhos.
Houve doces e cervejas. Todos
estavam sorridentes, palradores; e o contentamento geral só não desandou em
baile, porque os recém-casados não tinham piano. Augusto deitou patriotismo com
o marido de Iracema.
Entretanto, por causa das
dúvidas, no mês seguinte, quem fez os pagamentos domésticos foi ele próprio,
Augusto em pessoa.
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