11/09/2017

O melhor remédio (Conto), de Machado de Assis


O melhor remédio
 
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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O que se vai ler passa-se num bonde. D. CLARA está sentada; vê D. AMÉLIA que procura um lugar; e oferece-lhe um ao pé de si.

D. CLA
Suba aqui, Amélia. Como passa?

D. AMÉ
Como hei de passar?

D. CLA
Doente?

D. AMÉ (suspirando)
Antes fosse doente!

D. CLA (com discrição)
Que aconteceu?

D. AMÉ
Coisas minhas! Você é bem feliz, Clara. Digo muita vez comigo que você é bem feliz. Realmente, eu não sei para que vim ao mundo.

D. CLA
Feliz, eu? (Olhando melancolicamente para as borlas do leque) Feliz! feliz! feliz!

D. AMÉ
Não tente a Deus, Clara. Pois você quer comparar-se a mim nesse particular? Sabe por que é que saí hoje?

D. CLA
E eu por que é que saí?

D. AMÉ
Saí, porque já não posso com esta vida: um dia morro de desespero. Olhe, digo-lhe tudo: saí até com ideias... Não, não digo. Mas imagine, imagine.

D. CLA
Fúnebres?

D. AMÉ
Fúnebres. Sou nervosa, e tenho momentos em que me sinto capaz de dar um tiro em mim ou atirar-me de um segundo andar. Imagine você que o senhor meu marido teve ideia... Olhe que isto é muito particular.

D. CLA
Pelo amor de Deus!

D. AMÉ
Teve ideia de ir este ano para Minas; até aqui vai bem. Eu gosto de Minas. Estivemos lá dois meses, logo depois que casamos. Comecei a arranjar tudo; disse a todas as pessoas que ir para Minas...

D. CLA
Lembro-me que me disse.

D. AMÉ
Disse. Mamãe achou esquisito, e pediu-me que não fosse, dizendo que, para ela visitar-nos de quando em quando, era-lhe mais fácil se estivéssemos em Petrópolis. E era verdade; mas ainda assim não falei logo ao Conrado. Só quando ela teimou muito é que eu contei ao Conrado o que mamãe me tinha dito. Ele não respondeu; ouviu, levantou os ombros, e saiu. Mamãe teimava; afinal declarou-me que ia ela mesma falar a meu marido; pedi-lhe que não, ela porém respondeu-me que não era uma bicha de sete cabeças. Petrópolis ou Minas, tudo era passar o verão fora, com a diferença que, para ela, Petrópolis ficava mais perto. E não era assim mesmo?

D. CLA
Sem dúvida.

D. AMÉ
Pois ouça. Mamãe falou-lhe; foi ele mesmo quem me disse, entrando em casa, no sábado, muito sombrio e aborrecido. Perguntei-lhe o que é que tinha; respondeu-me com mau modo; afinal disse-me que mamãe lhe fora pedir para não ir a Minas. “Foi você quem se agarrou com ela!” — “Eu, Conrado? Mamãe mesma é que me anda falando nisto, e eu até lhe disse que não lhe pedia nada.” Não houve explicação que valesse; ele declarou que não iríamos em caso nenhum a Petrópolis. “Para mim é o mesmo, disse eu; estou pronta até a não ir a parte nenhuma.” Sabe o que é que ele me respondeu?

D. CLA
Que foi?

D. AMÉ
“Isto queria você!” Veja só!

D. CLA
Mas... não entendo.

D. AMÉ
Eu disse a mamãe que não pedisse mais nada; não valia a pena, era perder tempo e zangar o Conrado. Mamãe concordou comigo; mas, daí a dois dias, tornou a falar na mudança; e afinal ontem o Conrado entrou em casa com os olhos cheios de raiva. Não me disse nada, por mais que lhe rogasse. Hoje de manhã, depois do almoço, declarou-me que mamãe tinha ido procurá-lo ao escritório e lhe pediria pela terceira vez para não ir a Minas, mas, a Petrópolis; que ele afinal consentira em dividir o tempo, um mês em Minas e outro em Petrópolis. E depois pegou-me no pulso, e disse-me que tomasse cuidado; que ele bem sabia por que é que eu queria ir para Petrópolis, que era para andar de olhadelas com... Nem lhe quero dizer o nome, um sujeito de quem não faço caso... Diga-me se não é para ficar maluca.

D. CLA
Não acho.

D. AMÉ
Não acha?

D. CLA
Não: é um episódio sem valor. Maluca havia de ficar se se desse o que se deu hoje comigo.

D. AMÉ
Que foi?

D. CLA
Vai ver. Conhece o Albernaz?

D. AMÉ
O do olho de vidro?

D. CLA
Justamente. Damo-nos com a família dele, a mulher, que é uma boa senhora, e as filhas que são muito galantes...

D. AMÉ
Muito galantes.

D. CLA
Há mês e meio fez anos uma delas, e nós fomos lá jantar. Comprei um presente no Farani, um broche muito bonito; e na mesma ocasião comprei outro para mim. Mandei fazer um vestido, e fiz umas compras mais. Isto foi há mês e meio. Oito dias depois deu-se a reunião do Baltasar. Já tinha o vestido encomendado, e não precisava mais nada; mas, passando pela Rua do Ouvidor, vi outro broche muito bonito e tive vontade de comprá-lo. Não comprei, e fui andando. No dia seguinte torno a passar, vejo o broche, fui andando, mas na volta... Realmente, era muito bonito; e com o meu vestido ia muito bem. Comprei-o. O Lucas viu-me com ele, no dia da reunião, mas você sabe como ele é, não repara em nada; pensou que era antigo. Não reparou mesmo no primeiro, o do jantar do Albernaz. Vai então hoje de manhã, estando para sair, recebeu a conta. Você não imagina o que houve; ficou como uma cobra.

D. AMÉ
Por causa dos dois broches?

D. CLA
Por causa dos dois broches, dos vestidos que faço, das rendas que compro, que sou uma gastadeira, que só gosto de andar na rua, fazendo contas, o diabo. Você não imagina o que ouvi. Chorei, chorei, como nunca chorei em minha vida. Se tivesse ânimo, matava-me hoje mesmo. Pois então... E concordo, concordo que não era preciso outro broche mas isto faz-se, Amélia?

D. AMÉ
Realmente...

D. CLA
Eu até sou econômica. Você, que se dá comigo há tantos anos, sabe se não vivo com economia. Um barulho por causa de nada, uns miseráveis broches...

D. AMÉ
Há de ser sempre assim. (Chegando à Rua do Ouvidor.) Você desce ou sobe?

D. CLA
Eu subo, vou à Glace Elegante; depois desço. Vou ver uma gravura muito bonita, inglesa...

D. AMÉ
Já vi; muito bonita. Vamos juntas.

D. CLA
Há hoje muita gente na Rua do Ouvidor.

D. AMÉ
Olha a Costinha... Ela não fala com você?

D. CLA
Estamos assim um pouco...

D. AMÉ
E... e depois...

D. CLA
Sim... mas... luvas brancas.

D. AMÉ
..............?...

D. CLA
..............!...

AMBAS (sorrindo)
Uma coisa muito engraçada; vou contar-lhe...

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