O mar
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
---
Todas as
tardes, agora, depois que os seus olhos luminosos deixaram de arder, extintos e
gelados para sempre; que a sua boca límpida e sonora, favo de mel que secou,
não pode mais vibrar a cristalina melodia dos beijos; que a sua espessa juba
loura revolta, de um fulgor de estrelas, deixou de agitar-se, quente e crespa,
por sobre a alta cabeça encantadora e as brunidas espáduas de mármore; que o
seu corpo formoso, ereto e sem defeito, de um glorioso conjunto de inauditas
linhas, não se erguerá mais para o Amor, nem para as conquistas triunfais da
Beleza, fechado, como está, em uma cova estreita e florida do cemitério do
sítio; — todas as tardes, agora, eu vou
sentar-me no alcantilado promontório da ilha, sobre as penedias tão amigas das
ondas, para saciar no sombrio encanto da monotonia e do vago a lancinante e
intensa mágoa que toda aquela paixão legou-me e que só o vasto Mar ululante
poderá bem compreender e amenizar.
Aí me vem
envolver, quase sempre, uma mortalha de crepe, a cinza densa e funerária da
noite que desce, quando estou quase a surpreender, numa nevrose da visão,
obcecado por sentimentos agudos, através das brancas espumas ferventes, a alma
azul do Oceano, que ama e envia no estrondo incessante das vagas a sua dor ao
Infinito!
Então,
imagino fantasticamente qual o ideal capaz de amparar aquele sedento e largo
coração de leão. E avalio bem, por fim, que nenhum sentimento satisfará, nunca,
o Titã eterno!
A Imensidade
etérea e longínqua que ele constantemente busca e fita com o seu imenso olhar
de esmeralda, e para onde joga os soluços bramantes de apaixonado Ciclope — permanecerá sempre, ante o seu profundo e tempestuoso
amor, enigmática, fria, silenciosa e imóvel...
***
Ó Mar! Ó
velho Mar gigante! tentas embalde o gozo, a alegria e a paz suprema: no meu
coração, como nas tuas águas, onde tanta vez se refletem a azul serenidade do
Céu, as setas de ouro do Sol e as lágrimas prateadas das Estrelas, há uma
doença secreta, um amargor terrível, um rolar de vagalhões contínuos em
perpétua desolação!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...