O limo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Madame Costa Mafra
particulariza-se na sociedade carioca pela originalidade das suas perguntas,
que lhe colocam o marido, de vez em quando, nas piores situações. Roda em que
ela se encontre, dissolve-se invariavelmente com uma das suas consultas
inesperadas, a mais simples das quais poria em dificuldades, talvez, o mais
hábil dos sofistas. Como, porém, todo veneno possui um antídoto, Dona Arabela
tem, para neutralizar as suas perguntas indiscretas, as respostas
irretorquíveis do conselheiro Brasilino do Amaral.
Desse duelo entre a inocência e a
esperteza, ou, melhor, entre a ingenuidade e a experiência, fui eu próprio
testemunha, há dias, no salão de chá do Jockey— Club, quando, a propósito do
Sr. deputado José Bonifácio, que havíamos encontrado à porta, Madame Costa
Mafra perguntou:
— Mas, é verdade, conselheiro:
por que é que os homens têm o rosto ponteado de barba, de pelos irritantes e
incomodatícios, quando as mulheres possuem, em geral, o delas macio, liso,
limpo, sem um fio de cabelo?
O conselheiro olhou o Dr. Mafra,
que o fitava suplicante, passou a mão pelas barbas veneráveis, e começou a
explicar, com os olhos na toalha:
— Como a senhora sabe, o homem
foi feito de barro, e a mulher foi tirada da sua costela.
— Isto eu sei.
— Pois, bem. Feito em primeiro
lugar, com alguns punhados de barro umedecido, o homem foi posto a secar ao
sol, como todas as obras de cerâmica. A senhora sabe, porém, que, todo barro
molhado, quando não apanha sol convenientemente, cria limo; e foi o que
aconteceu ao homem, cujo rosto, na ocasião de ser o corpo submetido ao fogo
solar, ficou sombreado por um ramo de árvore, na oficina do Paraíso.
— E a mulher?
— A mulher, não. Tirada da
costela do homem, e posta com o rosto para o sol, ficou naturalmente, com o
cabelo apenas na cabeça, posta à sombra, mas, em compensação, sem o limo na
face.
D. Arabela descansou o queixo de
bonequinha alemã no polegar e no indicador da mão esquerda, e, ao dar com os
olhos no próprio braço de mármore posto a descoberto até a "avenida da
ligação", insistiu:
— E em toda a parte aonde o sol
não chegou, criou limo?
O conselheiro ia responder, mas,
ao abrir a boca, fechou-a, de novo. É que, defronte dele, com a xícara suspensa
e os olhos fuzilantes, o Dr. Mafra intimava, com significativos tremores na
voz:
— Conselheiro, tome o seu chá...
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