11/05/2017

O gato e o passarinho (Conto), de Humberto de Campos


O gato e o passarinho

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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A encantadora Palmirinha Camargo havia concluído o seu curso de datilografia na Escola Remington, quando, uma tarde, participou, contente, a Dona Brasília:

— Sabe, mamãe, arranjei um emprego excelente. O ordenado é de trezentos mil réis!

A bondosa senhora deixou a costura, endireitou os óculos, e, chamando a filha para perto de si, ordenou:

— Senta aí. E onde é esse emprego?

A moça, risonha e inocente, explicou:

— É no escritório do Dr. Alexandre.

— E quem é esse Dr. Alexandre? É aquele que esteve, outro dia, no baile da Violeta?

Palmirinha confirmou, ingênua, e Dona Brasília, tomando-lhe as, mãos, retorquiu, sensata:

— Queres que te fale com franqueza, minha filha? Esse emprego não te convém.

A menina fixou com os seus grandes olhos claros e puros a doçura do rosto materno, e a boa senhora continuou:

— Tu és uma jovem inexperiente, um anjo que não conhece os espinhos do mundo. O Dr. Alexandre é um moço esperto, um homem habituado a lidar com as fraquezas alheias. Se se tratasse de um escritório grande, de uma casa em que trabalhassem outras moças ou outros advogados, eu não teria receio; mas, assim, com ele e tu, sozinhos, no escritório, o meu coração não poderia ficar descansado.

— Oh, mamãe! — estranhou a moça, corando. — A senhora não tem confiança em mim?

Dona Brasília compreendeu a ofensa que fizera àquele pedaço do seu coração, e, para não insistir, atalhou:

— Tenho, minha filha, tenho toda a confiança em ti.

E concordou, beijando-a nos olhos:

— Está bem, vai. Amanhã, podes ir para o teu novo emprego.

A moça pulou, contente, beijando sofregamente a testa, a cabeça, a face, a boca e os olhos maternos, e, à noite, ia recolher-se, quando D. Brasília chamou:

— Palmira?

— Senhora! — acudiu a, mocinha.

Bondosa e grave, a digna senhora pediu:

— Traze daí a gaiola do teu canário.

A moça foi à copa, e voltou com a gaiola, onde um canarito dormia, sossegado, muito encolhido, muito amarelo.

D. Brasília abriu a portinhola daquele carcerezinho de ouro, e, indo à cozinha, voltou com o gato na mão.

— Para que é isso, mamãe? — indagou a moça, espantada.

Para meter na gaiola, com o canário.

— Oh, mamãe! — gemeu a mocinha, horrorizada.

— Que mal faz? — indagou D. Brasília, sorrindo significativamente para a filha. Tu não tens confiança no teu canário?

Palmirinha compreendeu o alcance da lição, e atirou-se nos braços maternos, prometendo, entre soluços:

— Eu não irei, minha mãezinha; deixe estar, eu não irei!

E não foi. No dia seguinte, contrariando as esperanças do gato, o canário amanheceu feliz e simples, cantando na sua gaiola...

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