O Filósofo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Educado no Colégio Caraça, o
coronel Venâncio Figueira, fazendeiro em Uberaba, havia se contaminado, pouco a
pouco, de filosofia e de latim, de modo a preocupar-se, mais do que o
necessário, com os graves problemas da vida. Manuseador quotidiano de certos
autores profanos, ele se punha, às vezes, a pensar, no alpendre da sua casa de
fazenda:
— Sim, senhor! Esses filósofos
têm razão! Este mundo é tão desigual, tão cheio de injustiças, de
irregularidades clamorosas, que qualquer mortal, encarregado de fazê-lo, o
teria feito melhor!
E acentuava, melancólico:
— Este mundo está muito mal
feito!...
À noite, porém, reunida a família
na sala de jantar, o velho fazendeiro arreganhava os óculos no nariz, tomava a
"Bíblia", chegava para mais perto o lampião de querosene, e punha-se
a ler, pausado, o "Livro de Jó". E começava, de novo, a meditar,
diante destas palavras do capítulo 38:
4. Onde estavas tu, quando eu
fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência.
25 — Quem abriu para a inundação
um leito, e um caminho para os relâmpagos e trovões?
41 — Quem prepara aos corvos o
seu alimento, quando os seus filhotes implumes gritam a Deus, e andam vagueando
por não terem de comer?"
Certo dia, dominado pelas ideias
reacionárias bebidas em autores modernos, passeava o coronel pelo pátio da
fazenda, quando, ao ver as andorinhas que voejavam por cima do gado, voltou
novamente a raciocinar:
— É isso mesmo, não há dúvida! O
mundo é muito mal arranjado. Aqui está, por exemplo; este boi. Porque, tendo
ele chifres, patas, orelhas, e sendo tão forte, há de viver sempre na terra, a
arrastar-se pelo solo, quando aquela andorinha, que não tem nada disso, se
locomove, rápida, ligeira, dominando os ares?
Nesse momento, porém, uma
andorinha que lhe passava por cima, deixou escapar alguma coisa que lhe fazia
sobrecarga, e que foi cair, certeira, na cabeça descoberta do coronel. Este
levou a mão instintivamente à calva, e, olhando os dedos brancos daquela
indignidade, caiu de joelhos, clamando, arrependido:
— Perdoai-me, Senhor, perdoai-me!
O mundo está muito bem organizado! O que nele há, o que nele vive, o que nele
existe, foi feito com perfeição, com acerto, com sabedoria!
E levantando-se, limpando a mão:
— Imagine-se que fosse um boi...
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