Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Desde que o negreiro o deixara
pelas praias próximas do Rio, nunca mais os seus olhos se viram frente a frente
com a natureza. Desembarcado no barracão, espécie de mercado de escravos de
primeira mão onde fora adquirido, muito molecote ainda, pela família onde se
criara. E, aos poucos, ao crescer, sobre sua viagem se aumentavam perguntas.
Forçava a memória. Voltava-se
todo aos seus primeiros anos; e o esforço era vão. As reminiscências que lhe
ficaram chegavam à consciência nevoentas, nubladas, confusas. Não sabia donde
provinha.
Um dia, não sabia por quê,
amanheceu entre uma porção de gente, negros como ele muitos, outros mais
claros, que pareciam mandar. Andavam de sol a sol, quase sem descanso. Às vezes
davam-lhe um punhado de farinha. A que horas? Quem lhe dava, não sabia bem.
E a memória só lhe trazia isso.
Da viagem por mar, nada, nada. Parecia-lhe agora que viera acorrentado dentro
de barricas, não sabia bem como fora.
Procurava reforçar as suas
recordações, indagando dos mais velhos coisas de sua terra.
— De que nação é?
— Cabinda d’água doce. Lá também
há bois, gatos; é quase como aqui.
— Lá há casas de pedra?
— Não; são de palha. No porto,
sim, há.
— E padre há?
— Não, não... há sim, mas não
como os daqui.
E não se contentava com as
informações do pai Matias, procurava indagar da sinhá-moça, que achava notícias
de matéria. Guiava-o numa interrogação.
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