O
Enfermeiro
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Parece-lhe então que o que se deu comigo em
1860, pode entrar numa página de livro? Vá que seja, com a condição única de
que não há de divulgar nada antes da minha morte. Não esperará muito, pode ser
que oito dias, se não for menos; estou desenganado.
Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida
inteira, em que há outras coisas interessantes, mas para isso era preciso
tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel; o ânimo é frouxo, e o tempo
assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o sol do outro dia, um sol dos
diabos, impenetrável como a vida. Adeus, meu caro senhor, leia isto e queira-me
bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não
cheira a rosas. Pediu-me um documento humano, ei-lo aqui. Não me peça também o império
do Grão-Mogol, nem a fotografia dos Macabeus; peça, porém, os meus sapatos de
defunto e não os dou a ninguém mais.
Já sabe que foi em 1860. No ano anterior, ali
pelo mês de agosto, tendo eu quarenta e dois anos, fiz-me teólogo — quero
dizer, copiava os estudos de teologia de um padre de Niterói, antigo
companheiro de colégio, que assim me dava, delicadamente, casa, cama e mesa.
Naquele mês de agosto de 1859, recebeu ele uma carta de um vigário de certa
vila do interior, perguntando se conhecia pessoa entendida, discreta e
paciente, que quisesse ir servir de enfermeiro ao coronel Felisberto, mediante
um bom ordenado. O padre falou-me, aceitei com ambas as mãos, estava já
enfarado de copiar citações latinas e fórmulas eclesiásticas. Vim à Corte
despedir-me de um irmão, e segui para a vila.
Chegando à vila, tive más notícias do
coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os
próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dois deles quebrou a
cara. Respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois
de entender-me com o vigário, que me confirmou as notícias recebidas, e me
recomendou mansidão e caridade, segui para a residência do coronel.
Achei-o na varanda da casa estirado numa
cadeira, bufando muito. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em
mim dois olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno
alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum dos
enfermeiros que tivera, prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e
andavam ao faro das escravas; dois eram até gatunos!
— Você é gatuno?
— Não, senhor.
Em seguida, perguntou-me pelo nome: disse-lho
e ele fez um gesto de espanto. Colombo? Não, senhor: Procópio José Gomes
Valongo. Valongo? achou que não era nome de gente, e propôs chamar-me
tão-somente Procópio, ao que respondi que estaria pelo que fosse de seu agrado.
Conto-lhe esta particularidade, não só porque me parece pintá-lo bem, como
porque a minha resposta deu de mim a melhor ideia ao coronel. Ele mesmo o
declarou ao vigário, acrescentando que eu era o mais simpático dos enfermeiros
que tivera. A verdade é que vivemos uma lua-de-mel de sete dias.
No oitavo dia, entrei na vida dos meus
predecessores, uma vida de cão, não dormir, não pensar em mais nada, recolher
injúrias, e, às vezes, rir delas, com um ar de resignação e conformidade;
reparei que era um modo de lhe fazer corte. Tudo impertinências de moléstia e
do temperamento. A moléstia era um rosário delas, padecia de aneurisma, de
reumatismo e de três ou quatro afecções menores. Tinha perto de sessenta anos,
e desde os cinco toda a gente lhe fazia a vontade. Se fosse só rabugento, vá;
mas ele era também mau, deleitava-se com a dor e a humilhação dos outros. No
fim de três meses estava farto de o aturar; determinei vir embora; só esperei
ocasião.
Não tardou a ocasião. Um dia, como lhe não
desse a tempo uma fomentação, pegou da bengala e atirou-me dois ou três golpes.
Não era preciso mais; despedi-me imediatamente, e fui aprontar a mala. Ele foi
ter comigo, ao quarto, pediu-me que ficasse, que não valia a pena zangar por
uma rabugice de velho. Instou tanto que fiquei.
— Estou na dependura, Procópio, dizia-me ele
à noite; não posso viver muito tempo. Estou aqui, estou na cova. Você há de ir
ao meu enterro, Procópio; não o dispenso por nada. Há de ir, há de rezar ao pé
da minha sepultura. Se não for, acrescentou rindo, eu voltarei de noite para
lhe puxar as pernas. Você crê em almas de outro mundo, Procópio?
— Qual o quê!
— E por que é que não há de crer, seu burro?
redarguiu vivamente, arregalando os olhos.
Eram assim as pazes; imagine a guerra.
Coibiu-se das bengaladas; mas as injúrias ficaram as mesmas, se não piores. Eu,
com o tempo, fui calejando, e não dava mais por nada; era burro, camelo, pedaço
d’asno, idiota, moleirão, era tudo. Nem, ao menos, havia mais gente que
recolhesse uma parte desses nomes. Não tinha parentes; tinha um sobrinho que
morreu tísico, em fins de Maio ou princípios de julho, em Minas. Os amigos iam
por lá às vezes aprová-lo, aplaudi-lo, e nada mais; cinco, dez minutos de
visita. Restava eu; era eu sozinho para um dicionário inteiro. Mais de uma vez
resolvi sair; mas, instado pelo vigário, ia ficando.
Não só as relações foram-se tornando
melindrosas, mas eu estava ansioso por tornar à Corte. Aos quarenta e dois anos
não é que havia de acostumar-me à reclusão constante, ao pé de um doente
bravio, no interior. Para avaliar o meu isolamento, basta saber que eu nem lia
os jornais; salvo alguma notícia mais importante que levavam ao coronel, eu
nada sabia do resto do mundo. Entendi, portanto, voltar para a Corte, na
primeira ocasião, ainda que tivesse de brigar com o vigário. Bom é dizer (visto
que faço uma confissão geral) que, nada gastando e tendo guardado integralmente
os ordenados, estava ansioso por vir dissipá-los aqui.
Era provável que a ocasião aparecesse. O
coronel estava pior, fez testamento, descompondo o tabelião, quase tanto como a
mim. O trato era mais duro, os breves lapsos de sossego e brandura faziam-se
raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a escassa dose de piedade que me
fazia esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio
e aversão. No princípio de agosto resolvi definitivamente sair; o vigário e o
médico, aceitando as razões, pediram-me que ficasse algum tempo mais.
Concedi-lhes um mês; no fim de um mês viria embora, qualquer que fosse o estado
do doente. O vigário tratou de procurar-me substituto.
Vai ver o que aconteceu. Na noite de vinte e
quatro de agosto, o coronel teve um acesso de raiva, atropelou-me, disse-me
muito nome cru, ameaçou-me de um tiro, e acabou atirando-me um prato de mingau,
que achou frio; o prato foi cair na parede, onde se fez em pedaços.
— Hás de pagá-lo, ladrão! bradou ele.
Resmungou ainda muito tempo. Às onze horas
passou pelo sono. Enquanto ele dormia, saquei um livro do bolso, um velho
romance de d’Arlincourt, traduzido, que lá achei, e pus-me a lê-lo, no mesmo
quarto, à pequena distância da cama; tinha de acordá-lo à meia-noite para lhe
dar o remédio. Ou fosse de cansaço, ou do livro, antes de chegar ao fim da
segunda página adormeci também. Acordei aos gritos do coronel, e levantei-me
estremunhado. Ele, que parecia delirar, continuou nos mesmos gritos, e acabou
por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim. Não tive tempo de
desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor que não vi
mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos, e
esganei-o.
Quando percebi que o doente expirava, recuei
aterrado, e dei um grito; mas ninguém me ouviu. Voltei à cama, agitei-o para
chamá-lo à vida, era tarde; arrebentara o aneurisma, e o coronel morreu. Passei
à sala contígua, e durante duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso
mesmo dizer tudo o que passei, durante esse tempo. Era um atordoamento, um
delírio vago e estúpido. Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava umas
vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam
a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia
recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo;
digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino!
assassino!
Tudo o mais estava calado. O mesmo som do
relógio, lento, igual e seco, sublinhava o silêncio e a solidão. Colava a
orelha à porta do quarto na esperança de ouvir um gemido, uma palavra, uma
injúria, qualquer coisa que significasse a vida, e me restituísse a paz à
consciência. Estaria pronto a apanhar das mãos do coronel, dez, vinte, cem
vezes. Mas nada, nada; tudo calado. Voltava a andar à toa na sala, sentava-me,
punha as mãos na cabeça; arrependia-me de ter vindo. — "Maldita a hora em
que aceitei semelhante coisa!" exclamava. E descompunha o padre de Niterói,
o médico, o vigário, os que me arranjaram um lugar, e os que me pediram para
ficar mais algum tempo. Agarrava-me à cumplicidade dos outros homens.
Como o silêncio acabasse por aterrar-me, abri
uma das janelas, para escutar o som do vento, se ventasse. Não ventava. A noite
ia tranquila, as estrelas fulguravam, com a indiferença de pessoas que tiram o
chapéu a um enterro que passa, e continuam a falar de outra coisa. Encostei-me
ali por algum tempo, fitando a noite, deixando-me ir a uma recapitulação da
vida, a ver se descansava da dor presente. Só então posso dizer que pensei
claramente no castigo. Achei-me com um crime às costas e vi a punição certa.
Aqui o temor complicou o remorso. Senti que os cabelos me ficavam de pé.
Minutos depois, vi três ou quatro vultos de pessoas, no terreiro espiando, com
um ar de emboscada; recuei, os vultos esvaíram-se no ar; era uma alucinação.
Antes do alvorecer curei a contusão da face.
Só então ousei voltar ao quarto. Recuei duas vezes, mas era preciso e entrei;
ainda assim, não cheguei logo à cama. Tremiam-me as pernas, o coração batia-me;
cheguei a pensar na fuga; mas era confessar o crime, e, ao contrário, urgia
fazer desaparecer os vestígios dele. Fui até a cama; vi o cadáver, com os olhos
arregalados e a boca aberta, como deixando passar a eterna palavra dos séculos:
"Caim, que fizeste de teu irmão?" Vi no pescoço o sinal das minhas
unhas; abotoei alto a camisa e cheguei ao queixo a ponta do lençol. Em seguida,
chamei um escravo, disse-lhe que o coronel amanhecera morto; mandei recado ao
vigário e ao médico.
A primeira ideia foi retirar-me logo cedo, a
pretexto de ter meu irmão doente, e, na verdade, recebera carta dele, alguns
dias antes, dizendo-me que se sentia mal. Mas adverti que a retirada imediata
poderia fazer despertar suspeitas, e fiquei. Eu mesmo amortalhei o cadáver, com
o auxílio de um preto velho e míope. Não saí da sala mortuária; tinha medo de
que descobrissem alguma coisa. Queria ver no rosto dos outros se desconfiavam;
mas não ousava fitar ninguém. Tudo me dava impaciências: os passos de ladrão
com que entravam na sala, os cochichos, as cerimônias e as rezas do vigário.
Vindo a hora, fechei o caixão, com as mãos trêmulas, tão trêmulas que uma
pessoa, que reparou nelas, disse à outra com piedade:
— Coitado do Procópio! apesar do que padeceu,
está muito sentido.
Pareceu-me ironia; estava ansioso por ver
tudo acabado. Saímos à rua. A passagem da meia escuridão da casa para a
claridade da rua deu-me grande abalo; receei que fosse então impossível ocultar
o crime. Meti os olhos no chão, e fui andando. Quando tudo acabou, respirei.
Estava em paz com os homens. Não o estava com a consciência, e as primeiras
noites foram naturalmente de desassossego e aflição. Não é preciso dizer que
vim logo para o Rio de Janeiro, nem que vivi aqui aterrado, embora longe do
crime; não ria, falava pouco, mal comia, tinha alucinações, pesadelos...
— Deixa lá o outro que morreu, diziam-me. Não
é caso para tanta melancolia.
E eu aproveitava a ilusão, fazendo muitos
elogios ao morto, chamando-lhe boa criatura, impertinente, é verdade, mas um
coração de ouro. E, elogiando, convencia-me também, ao menos por alguns
instantes. Outro fenômeno interessante, e que talvez lhe possa aproveitar, é
que, não sendo religioso, mandei dizer uma missa pelo eterno descanso do
coronel, na igreja do Sacramento. Não fiz convites, não disse nada a ninguém;
fui ouvi-la, sozinho, e estive de joelhos todo o tempo, persignando-me a miúdo.
Dobrei a espórtula do padre, e distribuí esmolas à porta, tudo por intenção do
finado. Não queria embair os homens; a prova é que fui só. Para completar este
ponto, acrescentarei que nunca aludia ao coronel, que não dissesse: "Deus
lhe fale n’alma!" E contava dele algumas anedotas alegres, rompantes
engraçados...
Sete dias depois de chegar ao Rio de Janeiro,
recebi a carta do vigário, que lhe mostrei, dizendo-me que fora achado o
testamento do coronel, e que eu era o herdeiro universal. Imagine o meu pasmo.
Pareceu-me que lia mal, fui a meu irmão, fui aos amigos; todos leram a mesma coisa.
Estava escrito; era eu o herdeiro universal do coronel. Cheguei a supor que
fosse uma cilada; mas adverti logo que havia outros meios de capturar-me, se o
crime estivesse descoberto. Demais, eu conhecia a probidade do vigário, que não
se prestaria a ser instrumento. Reli a carta, cinco, dez, muitas vezes; lá
estava a notícia.
— Quanto tinha ele? perguntava-me meu irmão.
— Não sei, mas era rico.
— Realmente, provou que era teu amigo.
— Era... Era...
Assim, por uma ironia da sorte, os bens do
coronel vinham parar às minhas mãos. Cogitei em recusar a herança. Parecia-me
odioso receber um vintém do tal espólio; era pior do que fazer-me esbirro
alugado. Pensei nisso três dias, e esbarrava sempre na consideração de que a
recusa podia fazer desconfiar alguma coisa. No fim dos três dias, assentei num
meio-termo; receberia a herança e dá-la-ia toda, aos bocados e às escondidas.
Não era só escrúpulo; era também o modo de resgatar o crime por um ato de
virtude; pareceu-me que ficava assim de contas saldas.
Preparei-me e segui para a vila. Em caminho,
à proporção que me ia aproximando, recordava o triste sucesso; as cercanias da
vila tinham um aspecto de tragédia, e a sombra do coronel parecia-me surgir de
cada lado. A imaginação ia reproduzindo as palavras, os gestos, toda a noite
horrenda do crime...
Crime ou luta? Realmente, foi uma luta, em
que eu, atacado, defendi-me, e na defesa... Foi uma luta desgraçada, uma
fatalidade. Fixei-me nessa ideia. E balanceava os agravos, punha no ativo as
pancadas, as injúrias... Não era culpa do coronel, bem o sabia, era da
moléstia, que o tornava assim rabugento e até mau... Mas eu perdoava tudo, tudo...
O pior foi a fatalidade daquela noite... Considerei também que o coronel não
podia viver muito mais; estava por pouco; ele mesmo o sentia e dizia. Viveria
quanto? Duas semanas, ou uma; pode ser até que menos. Já não era vida, era um
molambo de vida, se isto mesmo se podia chamar ao padecer contínuo do pobre
homem... E quem sabe mesmo se a luta e a morte não foram apenas coincidentes?
Podia ser, era até o mais provável; não foi outra coisa. Fixei-me também nessa ideia...
Perto da vila apertou-se-me o coração, e quis
recuar; mas dominei-me e fui. Receberam-me com parabéns. O vigário disse-me as
disposições do testamento, os legados pios, e de caminho ia louvando a mansidão
cristã e o zelo com que eu servira ao coronel, que, apesar de áspero e duro,
soube ser grato.
— Sem dúvida, dizia eu olhando para outra
parte.
Estava atordoado. Toda a gente me elogiava a
dedicação e a paciência. As primeiras necessidades do inventário detiveram-me
algum tempo na vila. Constituí advogado; as coisas correram placidamente.
Durante esse tempo, falava muita vez do coronel. Vinham contar-me coisas dele,
mas sem a moderação do padre; eu defendia-o, apontava algumas virtudes, era
austero...
— Qual austero! Já morreu, acabou; mas era o
diabo.
E referiam-me casos duros, ações perversas,
algumas extraordinárias. Quer que lhe diga? Eu, a princípio, ia ouvindo cheio
de curiosidade; depois, entrou-me no coração um singular prazer, que eu
sinceramente buscava expelir. E defendia o coronel, explicava-o, atribuía
alguma coisa às rivalidades locais; confessava, sim, que era um pouco violento...
Um pouco? Era uma cobra assanhada, interrompia-me o barbeiro; e todos, o
coletor, o boticário, o escrivão, todos diziam a mesma coisa; e vinham outras
anedotas, vinha toda a vida do defunto. Os velhos lembravam-se das crueldades
dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de mim,
espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços recompunha-se
logo e ia ficando.
As obrigações do inventário distraíram-me; e
por outro lado a opinião da vila era tão contrária ao coronel, que a vista dos
lugares foi perdendo para mim a feição tenebrosa que a princípio achei neles.
Entrando na posse da herança, converti-a em títulos e dinheiro. Eram então
passados muitos meses, e a ideia de distribuí-la toda em esmolas e donativos
pios não me dominou como da primeira vez; achei mesmo que era afetação.
Restringi o plano primitivo; distribuí alguma coisa aos pobres, dei à matriz da
vila uns paramentos novos, fiz uma esmola à Santa Casa da Misericórdia, etc.:
ao todo trinta e dois contos. Mandei também levantar um túmulo ao coronel, todo
de mármore, obra de um napolitano, que aqui esteve até 1866, e foi morrer,
creio eu, no Paraguai.
Os anos foram andando, a memória tornou-se
cinzenta e desmaiada. Penso às vezes no coronel, mas sem os terrores dos
primeiros dias. Todos os médicos a quem contei as moléstias dele, foram acordes
em que a morte era certa, e só se admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode
ser que eu, involuntariamente, exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a
verdade é que ele devia morrer, ainda que não fosse aquela fatalidade...
Adeus, meu caro senhor. Se achar que esses
apontamentos valem alguma coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao
qual dará por epitáfio esta emenda que faço aqui ao divino sermão da montanha:
"Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados”.
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