O dia de São João
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Que feliz e
festivo foi outrora, no doce lar de meus pais, o dia de São João!
Na véspera,
de manhã, começavam os preparativos para os festejos ruidosos dessa noite e da
seguinte, porque meu pai e um dos meus irmãos mais moços se chamava João. A
nossa casa, que amanhecera numa alegre lufa-lufa, oferecia o aspecto
movimentado de uma lide extraordinária, em meio a qual minhas irmãs e minhas
primas, dirigidas por minha mãe, de mangas arregaçadas e brancos aventais de
peitilho e bolsos, não paravam, na urgência agitada da confecção de doces de
toda a ordem que deviam achar-se prontos até as primeiras horas da tarde em
que, então, a capital provinciana entrava a apresentar um ar domingueiro e de
festa. Muito cedo, pelas 7 horas, mais ou menos, eu e a Clemência, depois de um
leve e rápido almoço, comido as mais das vezes à pressa e quase de pé, passávamos
ao andar térreo, a botar para fora, para a praia, para o mar, a minha canoa Estrela, que meu pai trouxera de
Paranaguá, a bordo do paquete Arinos,
do seu comando, para as minhas infantis diversões marítimas junto à costa, e
que recebera esse nome rutilante e de ouro por sugestão de minha mãe, em
lembrança da polaca Estrela onde meu
pai andava quando com ela casou, em segundas núpcias, polaca que eu próprio
chegara a conhecer, com os meus quatro ou cinco anos de idade, encalhada e
abandonada já, por velhice e ruína, na praia de Canavieiras, em que ficara a
desfazer-se pouco e pouco ao contínuo e marulhoso embate das ondas, conservando
porém, ainda, orgulhosa mas já desfalecidamente, muito alçada ao de cima dos
escarcéus triunfantes, a elevada proa recurva que durante anos e anos tão
vencedoramente lutara com as maretas do alto mar e onde dois grandes golfinhos,
esculpidos no pinho de riga a rudes mas expressivos traços de arte, abriam e
sacudiam ao ar, sinuosamente, as caudas terminadas em leque, perfeitamente em
harmonia com os relevos e entalhaduras da popa, de onde a grande estrela
dourada que simbolizava o nome do navio desaparecera de há muito, afundada nas
espumas...
Impelida a
canoa para o mar sobre dois pequenos rolos de madeira, através a breve
praiazinha arenosa, que se talhava aos fundos da nossa casa, em meio de uma das
seções do cais principal da cidade, e pela qual as grandes marés de agosto nas
suas gigantescas preamares invadiam e alagavam inteiramente a nossa loja, como
que convidando a minha Estrela a
vogar, após isso embarcávamos a palamenta indispensável (remos, leme e velas) e
largávamos a sulcar a baía, ao longo do litoral, em rumo do Saco dos Limões ou
de Prejibaé onde íamos comprar, às porções, feixes de canas miúdas, pinhões,
rapadura e melado.
A Clemência,
de pé, sobre o paneiro da popa, um largo chapéu de palha à cabeça, os negros
anéis dos seus cabelos cortados à nazarena esvoaçando ao vento, o seu habitual
paletó de traspasse, feito de caxemira cinzenta e debruado de fita preta com
bolsos e gola, como os de homem, a saia de chita vermelha, acomodada contra as
secas pernas musculosas, como se fosse umas calças; a Clemência, remando e
patroando — enquanto eu, sentado no banco do meio e voltado para a proa, remava
também a remo de pá — dirigia a embarcação admiravelmente, como o melhor
canoeiro, soltando ao sol e às vagas, na sua constante expansibilidade e bom
humor, uma série infinita e sonora de cantigas rústicas...
Era uma
parda de quarenta anos, mais ou menos, a Clemência. Muito feia e desairosa, se
por acaso fosse negra, tivesse a fronte deprimida e o competente prognatismo,
dir-se-ia uma chimpanzé. De estatura regular, magra, porém de ombros largos, os
ossos volumosos e fortes, tinha os braços sulcados de veias salientes, grossos
e rijos de músculos. Era extraordinariamente robusta, de uma saúde resistente,
poderosa, formidável. Possuía uma força de ginasta, podia ater-se com quaisquer
homens: e eu a vi, algumas vezes, quando por eles vaiada pela estranheza do seu
todo de virago, afrontá-los frente a frente e fazê-los recuar, num legítimo e
possante movimento de justiça e revanche.
Tinha o rosto seco cavado, ósseo, com um nariz demasiado chato, a boca
disformemente rasgada, de túmidos beiços revirados. Parecia à primeira vista um
caso fisicamente teratológico, uma descendente direta dos antropoides.
Fisionomia rudemente inestética e de um aspecto másculo, possuía, entretanto,
uns olhos meigos e límpidos, e uma
tal expressão de mansuetude e bondade que prendia a quem a via pela primeira
vez e, principalmente, as senhoras e
crianças. Analisando-se bem essa mulher, cujo moral tanto contrastava com o
físico, pensar-se-ia que a Natureza a formara perfidamente, num desses seus
raros mas terríveis e inexplicáveis momentos de dolorosa e pungente ironia. Era
uma individualidade de uma índole naturalmente doce, plácida, superior.
Temperamento expansivo e alegre, trazia um constante e sincero riso na boca,
riso feliz de cordialidade e de amor para todos e que atenuava grandemente a
sua imensa fieldade. Criatura constitucionalmente boa, era de um moral
adamantino: a sua alma jamais conhecera a maldade, a traição, a perfídia, pois
que era só afeto, dedicação e carinho. Organização externa aparentemente viril,
e até com um singular pendor para vestir-se à masculina, essa mestiça
era contudo, no íntimo, profundamente feminina: o seu pranto soltava-se,
sentidíssimo, à menor repreensão e o seu peito alcanceava-se de funda amargura
quando alguma criança que ela amava, algum “filho de criação”, acaso a tratava
com indiferença e desdém, ou parecia lançá-la em abandono. Imperava nela, acima
de tudo, essa afetividade levada ao último extremo e quase mórbida, que
caracteriza a raça negra. Sabia relevar e esquecer, com incomparável
generosidade, todas as ofensas que lhe faziam, ainda as mais fundas e graves. O
seu nome significava bem o que ela era — clemência: e a sua bondade e virtude,
simples e obscuras, estavam integralmente simbolizadas nessa palavra
expressiva. Na freguesia da Lagoa, onde nascera, em Prejibaé e no Saco dos
Limões, sobretudo nestes dois arraiais, não havia pessoa mais popular, nem mais
querida, em geral. A sua individualidade, cheia de qualidades afetivas, de
múltiplas prestimosidades, profundamente serviçal, de uma alegria que podia dizer-se
perene e quase intranstornável, quando aparecia numa volta risonha de caminho
agreste, era extraordinariamente afagada pelas crianças e mulheres que de todos
os lados a acolhiam num uníssono de amistosa bondade, umas e outras exclamando
em júbilo: “Olha a madrinha! Olha a comadre!” Porque ela, naqueles lugares,
contava, como ninguém, um sem número de afilhados e compadres. E eu a vi,
muitas vezes, indo em sua companhia, ser assim leda e carinhosamente recebida,
nesses pitorescos sítios insulares do meu Estado natal. Inteligente, sensata o
muito arguta, embora analfabeta, era de uma atividade prodigiosa e não havia
trabalho, nem investidura, nem incumbência doméstica, e mesmo de qualquer outro
gênero, que ela não desempenhasse de modo completo, irrepreensível, cabal.
Remava ou corria à vela numa canoa como o melhor canoeiro, agricultava um campo
como o mais íntegro trabalhador de roça, montava a cavalo com a destreza de um
peão. Arrojada para tudo, afrontava sempre o perigo com admirável sangue-frio e
denodo. Nascera escrava e, como tal, servira a vários senhores; mas um dia,
ocasionalmente, trazida por um irresistível, natural e legítimo impulso de
deixar o cativeiro e libertar-se o mais depressa possível, viera parar ao nosso
lar, como “abandonada”. Tornou-se então, desde logo, um excelente auxiliar de
minha Mãe e como um desdobramento, ou uma segunda pessoa dela nas lidas da
casa. Quando se fazia necessário um homem para decidir algum negócio de monta
fora do nosso lar, era a Clemência quem ia, porque eu, o mais velho dos filhos,
não tinha ainda dez anos, e meu pai vivia sempre no mar, no comando dos grandes
paquetes da Linha do Sul, passando somente, de mês a mês, um ou dois dias com a
família. E por isso, em todas as vésperas do grande dia de junho — desde que me
entendi por gente até a época em que comecei a tirar preparatórios — lá partia
eu na minha canoa, sob o comando da Clemência, para aqueles sítios vizinhos da
capital catarinense, a buscar a indispensável “provisão de boca” complementar
da tradicional fogueira querida desses festejos de São João...
Voltávamos
do Saco dos Limões ou de Prejibaé quase sempre pela tarde, a canoa carregada de
pinhões, de melado e rapadura, de grandes e grossos feixes de canas miúdas,
dessas que são tão sumarentas e tenras que a gente chupa mesmo com casca, tendo
apenas o cuidado de as raspar de antemão, ligeiramente a canivete ou à faca.
Descarregada a canoa pela Clemência, eu corria logo a tratar dos fogos e da
barrica de alcatrão para a grande fogueira.
Na mesma
quadra da nossa casa — à rua do Príncipe, a principal do Desterro — tendo
apenas de permeio um sobrado, ficava a loja do velho Antônio Mâncio, antigo
tenente-coronel da guarda nacional e rico negociante de ferragens, que, já em
idade avançada, poucas vezes ali aparecia, deixando tudo entregue a um de seus
filhos e sócio, o João Cantalício, então um belo rapaz moreno e pálido, de
vinte a vinte e dois anos mais ou menos. Essa loja do velho Mâncio foi um dos
mais agradáveis pontos de atração do meu espírito, dos sete aos dez anos de
idade. Depois do colégio, quando não saía a excursionar pelo mar na minha
querida Estrela, era para essa casa
de negócio que eu me encaminhava, levado pela gentileza e bondade bem
acolhedoras do Cantalício, pelo encanto dos numerosos pássaros canoros (uma das
minhas mais vivas predileções de então) que ele tinha, em numerosas e lindas
gaiolas de arame, e, muito particularmente, talvez pelos artigos e coisas
concernentes a navios que se vendiam na loja, tais como cabos e poliame de toda
a ordem, folhas de cobre, lona, breu, estopa, alcatrão, verniz colar, fios de
vela, agulhas de palombar, dedais para costurar velame, remos, croques,
forquetas, arrebém, passadores, macetes para forrar cabos, bigotas, malaquetas
de cobre, ferro e pau, sondareza, agulhas de marear, barômetros, barquinhas patent, cronômetros, bandeiras, sinais,
faróis e mais uma infinidade de sobressalentes náuticos. Quando eu me não
entretinha, horas e horas, a ver e remexer tudo isso, numa nervosa e insaciável
curiosidade infantil, com absoluta tolerância do jovem associado da casa,
tolerância de que não raro eu teria abusado, suponho — ia abancar a uma pequena
mesa de escrita, destinada ao caixeiro para lançamento de notas, mesa que se
achava colocada no grande salão contíguo à sala da loja, que servia de depósito
de cabos e mais objetos de navegação e, aí, em pequenos cadernos fornecidos
pelo próprio Cantalício, punha-me a traçar a lápis ligeiras paisagens e
“marinhas” (pois que já nesse tempo desenhava e já tirara o primeiro prêmio de
desenho de figura na Aula do Manuel Margarida, um obscuro mas hábil pintor
provinciano) ou a copiar, para ter comigo no bolso, os versos mais conhecidos
de Casimiro de Abreu e de Castro Alves, cujos volumes das Primaveras e das Espumas flutuantes
o moço comerciante muito prezava...
Dirigindo-me
à loja do Cantalício, apenas chegava do mar, eu volvia instantes depois,
carregado de uma variedade de fogos que minha Mãe me autorizava a comprar e que
eu escolhia sempre três ou quatro dias antes da véspera de São João: eram
pistolas de doze ou dezesseis tiros, rodinhas-de-fogo, fogos de bengala e de
salão, busca-pés, cartas de bichas, foguetes do ar, etc. À tardinha, então, é
que vinha a primeira barrica de alcatrão — pois eram duas, a da véspera e a do
dia — rolada pelo pardo Teodoro, criado da casa do velho Mâncio e nessa época
servente da loja, mas que depois estranhamente a deixou para se fazer
sacristão. O Cantalício, pelas relações de amizade com a minha família,
presenteava-me sempre com alguns fogos: e era com esses que eu mais jubilava
porque eram meus, só meus, e podia queimá-los quando me aprouvesse, às porções
e à farta, com essa tão conhecida e natural propensão das crianças para acabar,
ou melhor, destruir tudo de uma só vez e num instante. (A Ciência moderna bem
diz que a criança não é nem nunca foi o anjo que metafisicamente todos, em
geral, querem que seja, mas única e perfeitamente um selvagem: assim ainda
hoje, na infância, à maneira do que se dá com a embriogenia humana, relativamente
à evolução zoológica, se repete a vida do homem primitivo, desde o primeiro
alvorecer da sociedade até à plena civilização!)
Após o
jantar, quando a última claridade dourada do crepúsculo se afogava na cinza
negra das ave-marias, a Clemência que, com a sua admirável atividade, tinha
socado de lenha a barrica de alcatrão — já colocada ao centro da rua, em frente
à nossa casa — prendia-lhe logo com uma estopa embebida em querosene: e a nossa
fogueira de São João começava a crepitar, alegre e esplendorosamente, com as
suas altas e inquietas labaredas vermelhas que purpureavam vivamente as paredes
dos prédios próximos, iluminando quase todo o quarteirão e derramando, em
torno, na grande noite de junho (ora límpida e enluarada, ou estrelada, ora
enevoada e ameaçando mau tempo, mas sempre varrida de um vento fresco e
cortante) um delicioso e confortável calor de lareira.
A Clemência,
como uma Luíza Michel mulata, porque, com a densa e curta cabeleira anelada, a
cara óssea e viril, o ar decidido e arrojado, muito se parecia com a célebre
comunista francesa que combatera vestida de homem nos fortes e ajudara a
incendiar os edifícios públicos de Paris e que eu vi um dia, em menino, em
companhia de meu pai e do vice-cônsul de França Domingos Livramento, em julho
de 1871, ao lado de Rochefort, o leonino ex-diretor do Mot d'Ordre, e no meio de uma multidão anônima de outros
revolucionários da Comuna, a aquecer ao sol de uma fria manhã hibernal no
convés da fragata Virginie, fundeada
então na baía do norte de Santa Catarina, em viagem para a Nova Caledônia; a
Clemência soltava então a primeira meia dúzia de foguetes do ar, gritando
jubilosamente “Viva São João!” ou cantando e com estardalhaço a antiga e
conhecidíssima quadra:
Se o bom São João soubera
Quando caía o seu dia,
Viria do céu à terra,
Grande milagre faria.
Já em a
nossa sala de visitas, toda iluminada, como os demais cômodos da casa, meninas
e moças da vizinhança enxameavam, de envolta com minhas irmãs e minhas primas,
em festivas e adoráveis risadas. Pelas 8 horas, fechadas as lojas de negócio,
chegavam o Cantalício e meus primos, empregados no comércio, e mais ninguém,
porque não havia convidados, porém, somente gente íntima e de casa. Então, o
nosso lar tornava-se “um verdadeiro céu aberto”, como dizia, radiosa, minha
Mãe.
E a primeira
queima de fogos começava; em cada uma das três largas janelas da sala, moços e
moças, numa alegre e vivíssima algazarra, acendiam pistolas e as apontavam para
o alto, por sobre os telhados dos prédios térreos fronteiros. Jorros seguidos
de fogo de ouro abriam-se logo, em iluminantes cascatas de fagulhas,
arremessando ao ar, em cada tiro ou disparo, bolas de chamas azuis que,
semelhantes a meteoros, ou estrelas cadentes, descreviam, no Espaço escuro,
estrelado ou enluarado, ígneas e rápidas trajetórias aéreas, que só duravam
segundos...
Enquanto
isso, eu, de pé, à porta da rua, de sentinela à fogueira — que era o meu grande
e incomparável encanto em todos esses festejos — secundado pela Clemência (que
ora estava a meu lado, ora em voltas domésticas no interior do nosso lar)
distribuía canas, rapaduras e pinhões cozidos ao rapazio endiabrado e gritador
da vizinhança, aos pretos do ganho e aos catraeiros do tráfego, que de toda a
parte afluíam e se adensavam, em chusmas, em torno à fogueira, pedindo, em
prazenteiros e ruidosos vivas ao santo e ao dono da casa (aliás quase sempre
ausente e bem longe sobre as ondas do mar, em o vapor do seu comando) as
costumadas dádivas de São João. E quase ao mesmo tempo que isto fazia, soltava
eu foguetes do ar, busca-pés, rodinhas e numerosas cartas de bichas, estas
últimas medidas todas numa lata vazia de querosene e espocando numa fuzilada
infernal. De vez em quando, queimava também, à uma, três e quatro fogos de
bengala que abriam, no encontro esbatido e harmônico de suas variadas cores
luminosas — verde, roxo, escarlate e azul — como um vago e admirável clarão de
aurora boreal, que dava às pessoas, às casas, à rua e ao céu um aspecto feericamente radiante, magnificente, fantástico...
Após essa
primeira queima de fogos sucediam-se outras e outras, espaçadamente, sendo
preenchida cada pausa ou intervalo por pequenas sessões de consultas ao
Destino, sacudindo-se dados e folheando-se livros de sortes, sendo o ledor-mor
da noite o Cantalício, a quem as moças assediavam às vezes, ruidosamente, com
pequeninas e graciosas reclamações ou queixas, quando as sortes saíam
desencontradas de suas aspirações ou desejos íntimos, saturadas de ironia e
humorismo, ou cheias de galhofa, sortes estas que elas atribuíam ao espírito
gracejador e improvisador do rapaz, dizendo-lhe numa adorável balbúrdia:
— Não é
esta! não é esta! O Sr. enganou-se. Qual! Não é possível! Isso não passa de
invenção sua!...
Ele
desculpava-se a rir, afirmando a verdade, mostrando-lhes o livro, apontando o
assunto escolhido, o número da página e o da quadra que os pontos dos dados
haviam indicado. Elas, porém, protestavam ainda, repetindo a esplêndida
matinada de reclamações e risadas...
Depois
tinham lugar os jogos de prenda, recitações e cantos ao piano, e variadas
marcas de dança, com que sempre findavam os festejos, já por alta madrugada,
quando da grande fogueira festinante não restava senão um montão de tristes
cinzas, através as quais o vento álgido de inverno revivia, às rajadas, um
círculo de brasas de ouro a despedir ainda um derradeiro e fugidio clarão de
alegria...
Na noite
seguinte se produziam de novo os mesmos fogos, sortes, jogos, cantos e danças,
com igual senão maior alacridade e folia. A criançada das proximidades vinha
outra vez receber, ruidosa e gulosamente, os seus quinhões de canas, rapaduras
e pinhões, tanto como os pretos do ganho e a marujada em festa, todos aos
gritos expansivos de “Viva o São João para o ano!” Os vizinhos, como na
véspera, ficavam até tarde, debruçados à janela, a ver a nossa linda fogueira,
os rostos espiritualizados de uma viva expressão de júbilo e batidos pelo
clarão rubro das chamas...
Que feliz e
festivo foi outrora, no doce lar de meus pais, o dia de São João!...
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