O datilógrafo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Trajando o mesmo figurino, a
mesma seda, as mesmas cores, as duas irmãs, tão distintas na sua mocidade, na
sua graça e no seu espírito, entraram, na sessão das 2,15, no Cinema Avenida.
Estavam as duas sentadas uma ao lado da outra, na mesma fila, quando na
primeira parte da "fita" penetrou no salão um vulto masculino, que,
tateando na meia escuridão desnorteadora de quem vem da claridade, se foi
sentar junto à mais jovem das duas formosas espectadoras. No primeiro
intervalo, desabrochadas no teto estucado as constelações de fogo das lâmpadas,
a moça olhou, de soslaio, o seu vizinho, que a examinava, por sua vez, com
dissimulada indiferença. Era um rapaz moço ainda, de rosto escanhoado e face
morena, que vestia com apuro, patenteando na correção das maneiras, na
superioridade do olhar, na displicência dos gestos, uma certa distinção.
Apagadas, de novo, as luzes,
começavam as duas a olhar a continuação do "film", quando a vizinha
do rapaz sentiu, de leve, no seu cotovelo, um contato estranho. Olhou, sem
voltar a cabeça, e viu: era o rapaz que avançava pelo seu braço, levemente,
suavemente, o pelotão dos cinco dedos, com um jeito de quem toca piano, ou de
quem sonda cautelosamente o terreno. Percebendo a indiferença da vítima, os
dedos iam avançando, marchando, caminhando, roçando ligeiramente com as pontas
a epiderme sedosa da moça, e já estavam perto do ombro, a caminho do colo,
quando a mais velha desconfiou de alguma coisa, e indagou da irmã:
— Quem é esse moço que esta aí a
teu lado?
E ela, de modo a ser ouvida pelo
vizinho:
— Não sei; mas parece que é...
datilógrafo!
Quando a sala clareou e a
"Remington" consertou o decote, o moço havia desaparecido.
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