(Os Contos de Belazarte)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Belazarte me contou:
Não acredito em bicho maligno mas
besouro, não sei não. Olhe o que sucedeu com a Rosa... Dezoito anos. E não
sabia que os tinha. Ninguém reparara nisso. Nem dona Carlotinha nem dona Ana,
entretanto já velhuscas e solteironas, ambas quarenta e muito. Rosa viera pra
companhia delas aos sete anos quando lhe morreu a mãe. Morreu ou deu a filha
que é a mesma coisa que morrer. Rosa crescia. O português adorável do tipo dela
se desbastava aos poucos das vaguezas físicas da infância. Dez anos, quatorze
anos, quinze... Afinal dezoito em maio passado. Porém Rosa continuava com sete,
pelo menos no que faz a alma da gente. Servia sempre as duas solteironas com a
mesma fantasia caprichosa da antiga Rosinha. Ora limpava bem a casa, ora mal.
Às vezes se esquecia do paliteiro no botar a mesa pro almoço. E no quarto
afagava com a mesma ignorância de mãe de brinquedo a mesma boneca, faz quanto
tempo nem sei! lhe dera dona Carlotinha no intuito de se mostrar simpática.
Parece incrível, não? porém nosso mundo está cheio desses incríveis: Rosa
mocetona já, era infantil e de pureza infantil. Que as purezas como as morais
são muitas e diferentes... Mudam com os tempos e com a idade da gente... Não
devia ser assim, porém é assim, e não temos que discutir. Mas com dezoito anos
em 1923, Rosa possuía a pureza das crianças dali... pela batalha do Riachuelo
mais ou menos... Isso: das crianças de 1865. Rosa... que anacronismo!
Na casinha em que moravam as
três, caminho da Lapa, a mocidade dela se desenvolvera só no corpo. Também saía
pouco e a cidade era pra ela a viagem que a gente faz uma vez por ano quando
muito, finados chegando. Então dona Ana e dona Carlotinha vestiam seda preta,
sim senhor! botavam um sedume preto barulhando que era um desperdício. Rosa
acompanhava as patroas na cassa mais novinha, levando os copos-de-leite e as
avencas todas da horta. Iam no Araçá aonde repousava a lembrança do capitão
Fragoso Vale, pai das duas tias. Junto do mármore raso dona Carlotinha e dona
Ana choravam. Rosa chorava também, pra fazer companhia. Enxergava as outras
chorando, imaginava que carecia chorar também, pronto! chororó... abria as
torneirinhas dos olhos pretos pretos, que ficavam brilhando ainda mais. Depois
visitavam comentando os túmulos endomingados. Aquele cheiro... Velas derretidas,
famílias bivacando, afobação encrencada pra pegar o bonde... que atordoamento
meu Deus! A impressão cheia de medos era desagradável.
Essa anualmente a viagem grande
da Rosa. No mais: chegadas até a igreja da Lapa algum domingo solto e na Semana
Santa. Rosa não sonhava nem matutava. Sempre tratando da horta e de dona
Carlotinha. Tratando da janta e de dona Ana. Tudo com a mesma igualdade
infantil que não implica desamor não. Nem era indiferença, era não imaginar as
diferenças, isso sim. A gente bota dez dedos pra fazer comida, dois braços pra
varrer a casa, um bocadinho de amizade pra fulano, três bocadinhos de amizade
pra sicrano que é mais simpático, um olhar pra vista bonita do lado com o
espigão de Nossa Senhora do Ó numa pasmaceira lá longe, e de supetão, zás! bota
tudo no amor que nem no campista pra ver se pega uma cartada boa. Assim é que
fazemos... A Rosa não fazia. Era sempre o mesmo bocado de corpo que ela punha
em todas as coisas: dedos braços vista e boca. Chorava com isso e com o mesmo isso
tratava de dona Carlotinha. Indistinta e bem varridinha. Vazia. Uma freirinha.
O mundo não existia pra... qual freira! santinha de igreja perdida nos
arredores de Évora. Falo da santinha representativa que está no altar, feita de
massa pintada. A outra, a representada, você bem sabe: está lá no céu não
intercedendo pela gente... Rosa se carecesse intercedia. Porém sem saber por
quê. Intercedia com o mesmo pedaço de corpo dedos braços vista e boca sem mais
nada. A pureza, a infantilidade, a pobreza-de-espírito se vidravam numa redoma
que a separava da vida. Vizinhança? Só a casinha além, na mesma rua sem
calçamento, barro escuro, verde de capim livre. A viela era engolida num
rompante pelo chinfrim civilizado da rua dos bondes. Mas já na esquina a
vendinha de seu Costa impedia Rosa de entrar na rua dos bondes. E seu Costa
passava dos cinquenta, viúvo sem filhos, pitando num cachimbo fedido. Rosa
parava ali. A venda movia toda a dinâmica alimentar da existência de dona Ana,
de dona Carlotinha e dela. E isso nas horas apressadas da manhã, depois de
ferver o leite que o leiteiro deixava muito cedo no portão.
Rosa saudava as vizinhas da outra
casa. De longe em longe parava um minuto conversando com a Ricardina. Porém não
tinha assunto, que que havia de fazer? partia depressa. Com essas
despreocupações de viver e de gostar da vida, como é que podia reparar na
própria mocidade! não podia. Só quem pôs reparo nisso foi o João. De primeiro
ele enrolava os dois pães no papel acinzentado e atirava o embrulho na varanda.
Batia pra saberem e ia-se embora tlindliirim dlimdlrim, na carrocinha dele. Só
quando a chuva era de vento, esperava com o embrulho na mão.
— Bom-dia.
— Bom-dia.
— Que chuva.
— Um horror.
— Até amanhã.
— Até amanhã.
Porém duma feita, quando
embrulhava os pães na carrocinha, percebeu Rosa que voltava da venda. Esperou
muito naturalmente, não era nenhum malcriado não. O sol dava de chapa no corpo
que vinha vindo. Foi então que João pôs reparo na mudança da Rosa, estava outra.
Inteiramente mulher com pernas bem delineadas e dois seios agudos se contando
na lisura da blusa, que nem rubi de anel dentro da luva. Isto é... João não viu
nada disso, estou fantasiando a história. Depois do século dezenove os
contadores parece que se sentem na obrigação de esmiuçar com sem-vergonhice
essas coisas. Nem aquela cor de maçã camoesa amorenada limpa... Nem aqueles
olhos de esplendor solar... João reparou apenas que tinha um mal-estar por
dentro e concluiu que o mal-estar vinha da Rosa. Era a Rosa que estava dando
aquilo nele não tem dúvida. Alastrou um riso perdido na cara. Foi-se embora
tonto, sem nem falar bom-dia direito. Mas daí em diante não jogou mais os pães
no passeio. Esperava que a Rosa viesse buscá-los das mãos dele.
— Bom-dia.
— Bom-dia. Por que não atirou?
— É... Pode sujar.
— Até amanhã.
— Até amanhã, Rosa!
Sentia o tal de mal-estar e ia-se
embora.
João era quase uma Rosa também.
Só que tinha pai e mãe, isso ensina a gente. E talvez por causa dos vinte
anos... De deveras chegara nessa idade sem contato de mulher, porém os sonhos o
atiçavam, vivia mordido de impaciências curtas. Porém fazia pão, entregava pão
e dormia cedo. Domingo jogava futebol no Lapa Atlético. Quando descobriu que
não podia mais viver sem a Rosa, confessou tudo pro pai.
— Pois casa, filho. É rapariga
boa, não é?
— É, meu pai.
— Pois então casa! A padaria é
tua mesmo... não tenho mais filhos... E se a rapariga é boa...
Nessa tarde dona Ana e dona
Carlotinha recebiam a visita envergonhada do João. Que custo falar aquilo!
Afinal quando elas adivinharam que aquele mocetão, manco na fala porém sereno
de gestos, lhes levava a Rosa, se comoveram muito. Se comoveram porque acharam
o caso muito bonito, muito comovente. E num instante repararam também que a
criadinha estava uma mocetona já. Carecia se casar. Que maravilha, Rosa se
casava! Havia de ter filhos! Elas seriam as madrinhas... Quase se desvirginavam
no gozo de serem mães dos filhos da Rosinha. Se sentiam até abraçadas,
apertadas e, cruz credo! faziam cada pecadão na inconsciência...
— Rosa!
— Senhora?
— Venha cá!
— Já vou, sim senhora!
Ainda não sabiam se o João era
bom mas parecia. E queriam gozar o encafifamento de Rosa e do moço, que
maravilha!
Apertados nos batentes da porta
relumearam dezoito anos fresquinhos.
— Rosa, olhe aqui. O moço veio
pedir você em casamento.
— Pedir o que!...
— O moço diz que quer casar com
você.
Rosa fizera da boca uma roda
vermelha. Os dentes regulares muito brancos. Não se envergonhou. Não abaixou os
olhos. Rosa principiou a chorar. Fugiu pra dentro soluçando. Dona Carlotinha
foi encontrar ela sentada na tripeça junto do fogão. Chorava gritadinho,
soluçava aguçando os ombros, desamparada.
— Rosa, que é isso! Então é assim
que se faz!? Se você não quer, fale!
— Não! Dona Carlotinha, não! Como
é que vai ser! Eu não quero largar da senhora!...
Dona Carlotinha ponderou, gozou,
aconselhou... Rosa não sabia pra onde ir se casasse, Rosa só sabia tratar de
dona Carlotinha... Rosa pôs-se a chorar alto. Careceu tapar a boca dela, salvo
seja! pra que o moço não escutasse, coitado! Afinal dona Ana veio saber o que
sucedia, morta de curiosidade.
João ficou sozinho na sala, não
sabia o que tinha acontecido lá dentro, mas porém adivinhando que lhe parecia
que a Rosa não gostava dele.
Agora sim, estava mesmo
atordoado. Ficou com vergonha da sala, de estar sozinho, não sei, foi pegando
no chapéu e saindo num passo de boi-de-carro. Arredondava os olhos espantado.
Agora percebia que gostava mesmo da Rosa. A tábua dera uma dor nele, o pobre!
Foi tarde de silêncio na casa
dele. O pai praguejou, ofendeu a menina. Depois percebendo que aquilo fazia mal
ao filho se calou.
No dia seguinte João atirou o pão
no passeio e foi-se embora. Lhe dava de supetão uma coisa esquisita por dentro,
vinha lá de baixo do corpo apertando, quase sufocava e a imagem da Rosa saía
pelos olhos dele trelendo com a vida indiferente da rua e da entrega do pão.
Graças a Deus que chegou em casa! Mas era muito sem letras nem cidade pra
cultivar a tristeza. E Rosa não aparecia pra cultivar o desejo... No domingo
ele foi um zagueiro estupendo. Por causa dele o Lapa Atlético venceu. Venceu porque
derrepentemente ela aparecia no corpo dele e lhe dava aquela vontade, isto é,
duas vontades: a... já sabida e outra, de esquecimento e continuar dominando a
vida... Então ele via a bola, adivinhava pra que lado ela ia, se atirava, que
lhe incomodava agora de levar pé na cara! quebrar a espinha! arrebentasse tudo!
morresse! porém a bola não havia de entrar no gol. João naturalmente pensava
que era por causa da bola.
Rosa quando viu que não deixava
mesmo dona Ana e dona Carlotinha teve um alegrão. Cantou. Agora é que o besouro
entra em cena... Rosa sentiu uma calma grande. E não pensou mais no João.
— Você se esqueceu do paliteiro
outra vez!
— Dona Ana, me desculpe!
Continuou limpando a casa ora bem
ora mal. Continuou ninando a boneca de louça. Continuou.
Essa noite muito quente, quis
dormir com a janela aberta. Rolava satisfeita o corpo nu dentro da camisola, e
depois dormiu. Um besouro entrou. Zzz, zzz, zzzuuuuuummmm, pá! Rosa dormida
estremeceu à sensação daquelas pernas metálicas no colo. Abriu os olhos na
escureza. O besouro passeava lentamente. Encontrou o orifício da camisola e
avançava pelo vale ardente entre morros. Rosa imaginou uma mordida horrível no
peito, sentou-se num pulo, comprimindo o colo. Com o movimento, o besouro se
despegara da epiderme lisa e tombara na barriga dela, zzz tzzz... tz. Rosa
soltou um grito agudíssimo. Caiu na cama se estorcendo. O bicho continuava
descendo, tzz... Afinal se emaranhou tzz-tzz, estava preso. Rosa estirava as
pernas com endurecimentos de ataque. Rolava. Caiu.
Dona Ana e dona Carlotinha vieram
encontrá-la assim, espasmódica, com a espuma escorrendo do canto da boca. Olhos
esgazeados relampejando que nem brasa. Mas como saber o que era! Rosa não
falava, se contorcendo. Porém dona Ana orientada pelo gesto que a pobre
repetia, descobriu o bicho. Arrancou-o com aspereza, aspereza pra livrar
depressa a moça. E foi uma dificuldade acalmá-la... Ia sossegando sossegando...
de repente voltava tudo e era tal-e-qual ataque, atirava as cobertas rosnava,
se contorcendo, olhos revirados, uhm... Terror sem fundamento, bem se vê. Nova
trabalheira. Lavaram ela, dona Carlotinha se deu ao trabalho de acender fogo
pra ter água morna que sossega mais, dizem. Trocaram a camisola, muita água com
açúcar...
— Também por que você deixou
janela aberta, Rosa...
Só umas duas horas depois tudo
dormia na casa outra vez. Tudo não. Dois olhos fixando a treva, atentos a
qualquer ressaibo perdido de luz e aos vultos silenciosos da escuridão. Rosa
não dorme toda a noite. Afinal escuta os ruídos da casa acordando. Dona Ana vem
saber. Rosa finge dormir, desarrazoadamente enraivecida. Tem um ódio daquela
coroca! Tem nojo de dona Carlotinha... Ouve o estalo da lenha no fogo. Escuta o
barulho do pão atirado contra a porta do passeio. Rosa esfrega os dedos
fortemente pelo corpo. Se espreguiça. Afinal levantou.
Agora caminha mais pausado. Traz
uma seriedade nunca vista ainda, na comissura dos lábios. Que negrores nas
pálpebras! Pensa que vai trabalhar e trabalha. Limpa com dever a casa toda,
botando dez dedos pra fazer a comida, botando dois braços pra varrer, botando
os olhos na mesa pra não esquecer o paliteiro. Dona Carlotinha se resfriou.
Pois Rosa lhe dá uma porção de amizade. Prepara chás pra ela. Senta na
cabeceira da cama, velando muito, sem falar. As duas velhas olham pra ela
ressabiadas. Não a reconhecem mais e têm medo da estranha. Com efeito Rosa
mudou, é outra Rosa. E uma rosa aberta. Imperativa, enérgica. Se impõe. Dona
Carlotinha tem medo de lhe perguntar se passou bem a noite. Dona Ana tem medo
de lhe aconselhar que descanse mais. E sábado porém podia lavar a casa na
segunda-feira... Rosa lava toda a casa como nunca lavou. Faz uma limpeza
completa no próprio quarto. A boneca... Rosa lhe desgruda os últimos crespos da
cabeça, gesto frio. Afunda um olho dela, portuguesmente, à Camões. Porém pensa
que dona Carlotinha vai sentir. A gente nunca deve dar desgostos inúteis aos
outros, a vida é já tão cheia deles!... pensa. Suspira. Esconde a boneca no
fundo da canastra.
Quando foi dormir teve um pavor
repentino: dormir só!... E se ficar solteira! O pensamento salta na cabeça dela
assim, sem razão. Rosa tem um medo doloroso de ficar solteira. Um medo
impaciente, sobretudo impaciente, de ficar solteira. Isso é medonho! É UMA
VERGONHA!
Se vê bem que nunca tinha
sofrido, a coitada! Toda a noite não dormiu. Não sei a que horas a cama se
tornou insuportavelmente solitária pra ela. Se ergue. Escancara a janela, entra
com o peito na noite, desesperadamente temerária. Rosa espera o besouro. Não tem
besouros essa noite. Ficou se cansando naquela posição, à espera. Não sabia o
que estava esperando. Nós é que sabemos, não? Porém o besouro não vinha mesmo.
Era uma noite quente... A vida latejava num ardor de estrelas pipocantes
imóveis. Um silêncio!... O sono de todos os homens, dormindo indiferentes, sem
se amolar com ela... O cheiro de campo requeimado endurecia o ar que parara de
circular, não entrava no peito! Não tinha mesmo nada na noite vazia. Rosa
espera mais um poucadinho. Desiludida, se deita depois. Adormece agitada. Sonha
misturas impossíveis. Sonha que acabaram todos os besouros desse mundo e que um
grupo de moças caçoa dela zumbindo: Solteira! às gargalhadas. Chora em sonho.
No outro dia dona Ana pensa que
carece passear a moça. Vão na missa. Rosa segue na frente e vai namorar todos
os homens que encontra. Tem de prender um. Qualquer. Tem de prender um pra não
ficar solteira. Na venda de seu Costa, Pedro Mulatão já veio beber a primeira
pinga do dia. Rosa tira uma linha pra ele que mais parece de mulher-da-vida.
Pedro Mulatão sente um desejo fácil daquele corpo, e segue atrás. Rosa sabe
disso. Quem é aquele homem? Isso não sabe. Nem que soubesse do vagabundo e
beberrão, é o primeiro homem que encontra, carece agarrá-lo sinão morre
solteira. Agora não namorará mais ninguém. Se finge de inocente e virgem,
riquezas que não tem mais... Porém é artista e representa. De vez em quando se
vira pra olhar. Olhar dona Ana. Se ri pra ela nesse riso provocante que enche
os corpos de vontade.
Na saída da missa outro olhar
mais canalha ainda. Pedro Mulatão para na venda. Bebe mais e trama coisas
feias. Rosa imagina que falta açúcar, só pra ir na venda. É Pedro que traz o
embrulho, conversando. Convida-a pra de-noite. Ela recusa porque assim não
casará. Isso pra ele é indiferente: casar ou não casar... Irá pedir.
Desta vez as duas tias nem chamam
Rosa, homem repugnante não? Como casá-la com aqueles trinta-e-cinco anos!... No
mínimo, de trinta-e-cinco pra quarenta. E mulato, amarelo pálido já
descorado... pela pinga, Nossa Senhora!...
Desculpasse, porém a Rosa não
queria casar. Então ela aparece e fala que quer casar com Pedro Mulatão. Elas
não podem aconselhar nada diante dele, despedem Pedro. Vão tirar informações.
Que volte na quinta-feira.
As informações são as que a gente
imagina, péssimas. Vagabundo, chuva, mau-caráter, não serve não. Rosa chora. Há
de casar com Pedro Mulatão e se não deixarem, ela foge. Dona Ana e dona
Carlotinha cedem com a morte na alma.
Quando o João soube que a Rosa ia
casar, teve um desespero na barriga. Saiu tonto, pra espairecer. Achou
companheiros e se meteu na caninha. Deixaram ele por aí, sentado na guia da
calçada, manhãzinha, podre de bebedeira. O rondante fez ele se erguer.
— Moço, não pode dormir nesse
lugar não! Vá pra sua casa!
Ele partiu, chorando alto,
falando que não tinha a culpa. Depois deitou no capim duma travessa e dormiu. O
sol o chamou. Dor-de-cabeça, gosto ruim na boca...
E a vergonha. Nem sabe como entra
em casa. O estrilo do pai é danado. Que insultos! seu filho disto, seu
não-sei-que-mais, palavras feias que arrepiam...
Ninguém imaginaria que homem tão
bom pudesse falar aquelas coisas. Ora! todo homem sabe bocagens, é só ter uma
dor desesperada que elas saem. Porque o pai de João sofre deveras. Tanto como a
mãe que apenas chora. Chora muito. João tem repugnância de se mesmo. De-tarde
quando volta do serviço, a Carmela chama ele na cerca. Fala que João não deve
de beber mais assim, porque a mãe chorou muito. Carmela chora também. João percebe
que se beber outra vez, se prejudicará demais. Jura que não cai noutra, Carmela
e ele suspiram se olhando. Ficam ali.
Ia me esquecendo da Rosa... Conto
o resto do que sucedeu pro João um outro dia. Prepararam enxoval apressado pra
ela, menos de mês. Ainda na véspera do casamento, dona Carlotinha insistiu com
ela pra que mandasse o noivo embora. Pedro Mulatão era um infame, até gatuno,
Deus me perdoe! Rosa não escutou nada. Bateu o pé. Quis casar e casou. Meia que
sentia que estava errada porém não queria pensar e não pensava. As duas
solteironas choraram muito quando ela partiu casada e vitoriosa, sem uma
lágrima. Dura.
Rosa foi muito infeliz.
Que bom encontrar esse conto por aqui.
ResponderExcluirPoxa...
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