O anel de Perdicas
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
O reino não era completamente
independente, mas era quase como se assim fosse. Dependia do Império em tudo
que tocasse as relações com os países estrangeiros e não podia ter exército
próprio.
O rei não era escolhido por força
da primogenitura. Alguns sujeitos avançados tinham mostrado a desvantagem do
filho suceder ao pai no trono, e resolveram que o herdeiro fosse indicado por
uma assembleia de notáveis, a que chamaram — a Dieta.
Governava nesse tempo o reino
El-Sulida, príncipe velho, de pouca barba, curto de pernas, rico de muitas
fazendas, que desejava do fundo da alma povoadas de escravos.
Sulida tinha encaminhado bem os
filhos nos cargos do reino e do Império e vivia, a contento de todos,
distribuindo governo mais ou menos com sabedoria.
Além do desgosto que lhe ia na
alma por não ter mais escravos negros nas suas propriedades agrícolas, um dos
seus pesares íntimos era não passar ao filho o trono que ocupava.
Ninguém suspeitava dessa sua
mágoa secreta, por isso todos diziam que Sulida era um príncipe perfeito,
respeitador das leis e desejoso da igualdade de seus povos, porque, se bem que
aquilo lá fosse reino, era legal que ninguém tivesse privilégios.
Uma bela manhã, fosse devido à
idade avançada do soberano, fosse devido a outro qualquer motivo, el-rei Sulida
amanheceu muito doente e os médicos que foram chamados declararam que o
príncipe poucos dias tinha de vida.
Os seus ministros trataram de
reunir logo a Dieta, para que ela escolhesse o sucessor.
Reunida a tal Dieta, não chegaram
os seus membros a acordo algum. Todos eram candidatos, de modo que ninguém
podia escolher o sucessor de Sulida, a não ser que o sucessor fosse o próprio
eleitor, isto é: o desejo de cada um era votar em si mesmo.
Resolveram então apelar para a
assembleia das cidades e vilas, isto é, para uma convenção maior, composta de
representantes de todos os municípios do reino.
Reuniu-se essa convenção, mas não
chegaram a acordo algum, após temíveis bate-bocas. Afinal, no fito de conciliar
as várias correntes da política do reino, concordaram em deixar a escolher ao
alvitre do soberano moribundo. Foram a ele a falaram-lhe. Ele respondeu:
— Quem deve ser o rei é o Sancho.
Foi geral o espanto. Poucos
conheciam esse Sancho e ninguém atinava com o motivo da escolha. Afinal vieram
a saber que o obscuro Sancho estava noivo ou coisa parecida da filha de Sulida.
Está aí como um bom pai de
família procede: não podendo deixar o trono ao filho, deixou-o ao futuro marido
da filha.
Houve muito barulho no reino,
apesar de não dizerem os cronistas se Sancho casou-se mesmo com a princesa,
filha de Sulida.
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