Ninho do curió
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Rosto em brasa, olhos vivos,
cabelos alvoroçados, atravessava o Luizinho a praça do povoado, denunciando no desalinho
das roupas, no fogo das faces, no susto das maneiras, a sua última travessura,
quando, ao passar pela frente da igreja, foi detido suavemente, brandamente,
pela bondade do padre Guilherme.
— Venha cá, ó Luizinho!
O garoto tremeu, desconcertado, e
o vigário, homem de uns quarenta anos, insistiu:
— Venha cá!
Luizinho chegou-se, respeitoso,
de olhos no chão e chapéu entre os dedos, e o sacerdote indagou:
— Então, por onde andou você,
hoje?
— Eu?
— Sim, você.
O pequeno corou, envergonhado, e
o padre, excelente pastor, pegou-lhe da mão, puxando-o para dentro da igreja.
— Venha cá; venha se confessar.
Um minuto depois estava o
Luizinho, com os olhos muito espantados, ajoelhado no confessionário, a contar
ao padre Guilherme o seu grande pecado do dia.
— Eu estive hoje na mata do outro
lado do rio, tirando uns ninhos de curió... confessava o garoto.
— Ninho de curió? — estranhou o
confessor, franzindo a testa. — Você não sabe, então, que é pecado tirar os
ninhos das avezitas, roubando os pobres passarinhos ao conchego de seus pais?
Luizinho mantinha-se cabisbaixo,
vermelho de arrependimento e de vergonha, e não respondeu. O vigário insistiu,
porém:
— E onde foi que você achou esses
ninhos de curió?
— Na ingazeira, junto do morro.
— E havia muitos?
— Havia, sim, senhor.
— Pois, não tire mais, não. É
pecado, e pecado mortal!
Na manhã seguinte, após uma noite
de apreensões aflitivas, ia o garoto procurar urnas vacas na outra margem do
rio, quando viu, ao longe, o vulto de padre Guilherme, que se aproximava,
cauteloso, da ingazeira de que lhe falara na véspera. Luizinho escondeu-se, de
um salto, em uma das moitas das proximidades, e observou tudo. Padre Guilherme
chegou, com o breviário nas mãos e nariz no ar, examinou, sondou, olhou para um
lado, olhou para outro, e, como não visse ninguém, descansou o livro na raiz da
árvore, endireitou os óculos e subiu. Momentos depois, assinalados pelo piar
dos passaritos implumes e pelo voo das aves aninhadas, o servo de Deus descia
da ingazeira, sustentando nas mãos os bolsos da batina, repletos de curiós.
Luizinho viu tudo isso, da sua
moita, e não disse nada. Padre Guilherme apanhou o seu breviário e foi-se
embora para a aldeia. Ele tomou, também, o seu varapau, e lá se pelo mundo
ganhar a vida, até que, anos depois, homem feito, voltou, de novo, à terra do
seu nascimento.
Forte, moço, querido das moças,
ia, uma tarde, o Luiz pela praça da matriz, quando o detiveram pelo braço:
— Olá, Luiz, como vai?
— Oh! o Sr. padre Guilherme! — sorriu
o rapagão, feliz.
E travou-se a palestra
— Então, veio à terra para casar,
não?
— É verdade, sim, senhor.
O padre deu-lhe parabéns, mas,
não satisfeito, insistiu:
— E a noiva?... Afinal, quem é a
noiva?
Luiz encarou, firme, o reverendo,
e trovejou:
— A noiva? Eu sou tolo, então,
para lhe dizer quem é?
E, dando-lhe as costas,
indignado:
— Pensa, então, que isto é ninho
de curió?...
E afastou-se, resmungando.
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