Na Janela
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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—Você sabe: o Alfredo não me
trouxe o broche.
— Que desculpa ele deu?
— Que o sete não tinha dado a
noite toda...
— Vai ver, Mercedes, que ele foi
gastar com a Candinha... Ah! Os homens! São uns malandros!
— Não sei, mas... enfim todos
eles são iguais.
— No começo é aquilo, parece que
a gente é pouca ou que eles são muito mais. Vivem atrás de nós, descobrem,
adivinham os nossos pensamentos; depois... não sei o que dá neles... esfriam,
esfriam...
— Meu marido foi assim. No tempo
de noivo, nem sabia falar quando estava perto de mim; olhava-me só e o seu
olhar parecia que me vestia, que me beijava, que me ameigava... Meses depois de
casada, deixou-me só, sem dinheiro, sem parentes, nesta cidade tão grande...
Bem fez você que não se casou!
— Mas namorei...
— Muitos?
— Sem conta!
— Você não amou nenhum?
— Não sei... Creio que todos me
agradavam o bastante para casar.
— É difícil compreender.
— Ora, é fácil... Eu fui sempre
engraçada. Aos treze anos, quando saía com meu pai, todos na rua me olhavam. Um
dia até, no bonde, uma senhora de aparência rica, muito grande, muito alta,
perguntou a meu pai: é sua filha? Sim, respondeu ele. A senhora olhou-nos
muito, a mim e a ele, virou a cara e sorriu duvidosa. Aos quatorze, tive o
primeiro namorado. Era o caixeiro da venda... Um portuguesinho louro, que dizia
"binho", "benda", mas com uns olhos azuis cor do céu pelas
bonitas manhã. E daí não parei mais. Tive um segundo, um terceiro... quando
cheguei ao quinto já escrevia cartas. Minha mãe pegou uma e deu-me uma surra;
mas não me emendei — continuei. Não sabia resistir... Eles choravam, juravam...
e eu namorava quase ao mesmo tempo. Era como se — em grande riqueza inesgotável
— não negasse esmolas. Você sabe: quando se tem muito vai se dando. Parece que
não acaba; mas acaba e então chora-se pitanga. Fui assim: pediam-me beijos,
abraços, cabelos; e eu dava por pena, unicamente. Se eu tivesse sido mais
sovina, não estava "nesta vida"... E a sorte, que se há de fazer?
— Mas, e o “tal”?
— É verdade! Um dia fui a um
baile, como sempre, tinha lá uma chusma de adoradores; mas apareceu um novo.
Não sabia quem era, muito diferente de todos. Educado, parecia doutor ou
estudante de verdade, de estudos difíceis. Olhou-me e eu olhei, e namorei-o.
Não troquei palavra. Dancei com ele e o ouvi falar a um outro. Que voz! Antes
da meia-noite saiu. No outro ano, em dia de festa na mesma casa, já não pude ir
lá mais; tinha vindo a tal encrenca... corpo de delito... Você sabe... Não deu
em nada; ou antes: deu "nisto".
— Nunca mais você viu “ele"?
— O "tal"? Há dois anos
que sempre o vejo na rua do Ouvidor, nos teatros...
— Ele não fala com você?
— Não. Olha-me um instante e
baixa a cabeça.
— Engraçado! Outro qualquer...
— É verdade! Perguntei quem era,
disseram é um doutor fulano de tal e é solteiro.
— Mas nunca você procurou falar
com ele?
— Só uma vez. Cheguei-me e sem
mais aquela sentei-me à mesa em que estava. Perguntei-lhe se não me conhecia.
De vista, respondeu. Se não tinha ido a um baile assim, assim. Nunca! afirmou.
Contei-lhe então a história e indaguei-lhe se, de fato, fosse ele não se daria
a conhecer. Hesitou e, por fim, respondeu-me umas coisas embrulhadas que,
afinal, me pareceu quererem dizer que eu, a menina do baile, era outra coisa
que não sou eu mesma atualmente; e quem me tinha visto no baile não me via ali,
num jardim de teatro.
— Era um tolo; um...
— Não. Eu o vi, mais tarde, muito
alegre, com uma outra no automóvel...
Nos elétricos que passavam, os
passageiros que olhavam aquelas duas mulheres com olhares cheios de desejos não
seriam capazes de adivinhar a inocência de sua conversa, na janela de uma casa
suspeita.
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