Militarismo
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O militar, por menos apegado que
seja as coisas da sua profissão, acaba necessariamente se habituando com elas,
identificando-se com o quartel. A influência das armas é tamanha, naqueles que
a elas se votam, que se reconhece na rua, ao menor golpe de vista, mesmo quando
vestido à paisana, o tenente, o capitão, o major, o coronel. Ao ver, na via pública, um oficial do Exército envergando um
jaquetão ou um fraque, a impressão que se tem é de que falta alguma coisa à sua
elegância. Por mais correto que ele esteja nas suas roupas apuradas,
lembra-nos, sempre, um tigre metido na pele de um urso, ou um leão enfiado, por
modéstia, no couro de um elefante.
E essa tirania da farda não se mostra
de modo menos acentuado na fisionomia moral das suas vítimas. Absorvido pelo
seu pensamento de glória, o soldado revela-se em toda a parte e em todas as
circunstâncias: no calor das palestras, na energia da vontade, na severidade da
vida, na intransigência das atitudes, na disciplina do porte, e, até, às vezes,
no emprego do vocabulário, a que procura dar, aqui fora, as mesmas aplicações.
O caso do tenente Panfílio Godofredo de Medeiros é uma demonstração pública e
policial dessa verdade.
Militar garboso, bravo, decidido,
o tenente Panfílio utilizava os dias de serenidade da pátria passeando
elegantemente na Avenida, quando viu, uma tarde, em certa casa de chá, uma
criatura que lhe fez acordar, tocando alvorada, todos os clarins do coração.
Ousado e robusto, pôs-se, logo, em atividade, e de tal modo que, no dia
seguinte, sabia já o suficiente para um vigoroso ataque aos muros da fortaleza:
a dama era casada, morava à rua Voluntários da Pátria, em uma casa de portão de
ferro, o qual só se abria com ordem especial do marido.
Informado de tudo isso, o tenente
apareceu, no dia seguinte, diante do palacete, e espremeu, comovido, o tumor
sonoro da campainha. O silêncio era absoluto na casa, e ninguém atendeu. Duas,
três, quatro vezes repetiu ele o sinal, mas inutilmente. E batia, já, em
retirada, quando ouviu um chocalhar de corrente no portão. Voltou-se, e viu:
era o jardineiro que abria a grade para dar passagem ao dono da casa, passando,
de novo, a corrente de cadeado.
Atordoado pelo seu pensamento de
ventura, e, não menos, pela consciência da sua superioridade de militar, o
oficial não teve dúvidas: parou, deu meia volta, e marchou, firme, no rumo do
cavalheiro que saíra da casa. Estacaram, pálidos, um diante do outro.
— Que deseja o senhor? — bradou,
com a alma nos olhos, o marido da moça.
Mão no revólver, disfarçando a
tempestade do coração, o tenente rugiu, apenas, seco:
— A senha.
E atracaram-se.
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