Melhoramentos...
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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A grande preocupação nacional do
momento, conforme é notório, é a visita de sua majestade o rei da Bélgica. Da
Gávea à Tijuca, do Cais Faroux às águas paludosas do rio Pavuna, reinam uma
febre, uma atividade, uma fúria de empreendimentos verdadeiramente assombrosa.
Nunca se viu, no Rio, atacados de uma só vez, tão grande número de melhoramentos.
A cidade modifica-se, rejuvenesce, transforma-se, das pedras das ruas à crista
dos monumentos.
Aí estão, demonstrando a
influência benéfica dessa visita real, as notícias da imprensa, registrando
essas alterações. Calça-se uma rua dos subúrbios? Para quê? Para o rei Alberto
ver... Modifica-se o palácio Guanabara? Reforma-se o jardim da praça Maná?
Aumenta-se o edifício da Prefeitura? Com que intuito? Para o rei Alberto ver...
Até a pintura das carroças de lixo, ordenada pela Limpeza Pública, já foi
atribuída à próxima visita de sua majestade.
Isso, no que está patente,
visível, positivo. Os melhoramentos privados, secretos, de iniciativa da
população, estes ainda são mais numerosos, mais sérios, mais significativos do
nosso entusiasmo. Dezenas de vestidos de baile, "para o rei Alberto
ver", já foram encomendados aos grandes costureiros daqui, de Paris e de
Londres. Há, mesmo, até, nas rodas elegantes, quem se esteja entregando,
pessoalmente, na cidade, com o mesmo fim, a melhoramentos mais interessantes.
Um destes dias, entrava eu no
Instituto de Beleza, onde ia comprar um vidro de tintura para o cabelo, quando
encontrei, no salão de espera, a minha velha amiga D. Sofia Pedreira, que
aguardava, ali, pacientemente, a lindíssima viúva Odete Aires, que se achava,
no momento, no gabinete do cabeleireiro. Começávamos nós a conversar sobre
coisas sem importância, quando a formosíssima senhora suspendeu o reposteiro, e
apareceu à porta, radiando e cheirando, como uma grande rosa que desabrochasse num
vaso.
— O senhor por aqui, conselheiro?
— gritou a encantadora criatura, com alvoroço, e com todos os dentes,
estendendo-me, de longe a sua mão rosada e fina, onde as unhas faiscavam,
rubras, como corais.
— É verdade, — expliquei,
titubeando.
— Vim comprar uma caixa de pó
para dentes... E a senhora?
— Eu? — respondeu, rindo. — Eu...
Olhe?
E, espiando para um lado e para
outro, a ver se não nos observavam, suspendeu até o ombro deslumbrante a manga
curta e larga do finíssimo vestido de seda, mostrando a parte inferior e
extrema do lindo braço de mármore, fina, alva, lisa, como de uma criança.
— Veja! — ordenou-me.
E já no primeiro degrau da
escada, por trás do leque, piscando-me um olho, com brejeirice:
— Para o rei Alberto ver.
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