Manifestações políticas
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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A propósito de recentes e
ruidosas manifestações políticas, contou-me um plácido filósofo o seguinte:
“Em eras passadas e bem distantes
da nossa, houve num país longínquo da Ásia uma guerra sangrenta que teve, do
lado de um dos partidos, como general em chefe o cabo de guerra pouco conhecido
chamado Brederodes. Este cabo de guerra não foi feliz nas operações, fosse por
incapacidade própria, fosse por outro qualquer motivo. Naquele tempo, não havia
jornais, mas todos murmuravam contra a sua conduta, nas lojas de comércio e
outros lugares públicos em que se reuniam pessoas de todas as condições
sociais. O rei ou imperador do país nada dizia nem tomava providência alguma. O
povo, porém, insistia; e o soberano, para não desgostar o seu fiel Brederodes,
tomou um alvitre salvador e conciliador: resolveu fazer as pazes com o inimigo
de qualquer modo. Isto desgostou o povo de uma maneira profunda; mas, ao invés
de acusar o rei, a população atribuiu o desastre da campanha ao general
Brederodes e, quando ele aportou à capital do país, fez-lhe uma imponente
manifestação de desagrado.
Na rua principal, alguns
admiradores do general, no intuito de diminuírem a indignação do povo, haviam
erguido coretos e outros adornos festivos, muito pouco próprios de um triunfo
negativo, como era o do general Brederodes, mediante essas falsas demonstrações
de entusiasmo. Além disso, para abafarem os esperados apupos, os seus fiéis
amigos e apaniguados haviam alugado uma coorte de homens de duvidosa condição e
reputação ainda mais duvidosa para o aclamarem. O general Brederodes chegou”,
continuou o meu amigo, “depois de sua estrondosa derrota; e, como era de
esperar, sofreu uma vaia homérica. Além disto, não contente com tal, queimou o
povo coretos, as anexas, rasgou retratos; enfim, fez o diabo na ‘Via Ápia’ da
cidade, na intenção de desfeitear o herói negativo e falsificado.
Brederodes, à vista de tal, muito
a propósito, recolheu-se à vida privada, numa casa de campo, onde cultiva
cenouras e couves.
Passaram-se anos e surgiu uma
nova guerra do seu país com um outro vizinho. Nomearam uma porção de generais e
todos eles foram derrotados. O povo começou a dar sinais de impaciência,
reclamando do imperador providências enérgicas, a fim de que o país não
continuasse a ser humilhado. Todos os principais cabos de guerra da nação já
haviam sido experimentados e nenhum deles obtinha vantagem. Brederodes era o
único que o não havia sido. Resolveram experimentá-lo; e — coisa singular! —
Brederodes foi vitorioso, transformando-se em ídolo do país. Voltou e recebeu
as mais estrondosas aclamações do povo da capital. Atravessou a rua principal,
a cavalo, tendo ao lado diversos garbosos ajudantes de ordens.
Vendo e ouvindo aquilo, o general
Brederodes dirigiu-se a um dos seus ajudantes, perguntou:
— Quem é essa gente que me aclama
assim?
— É a mesma que o vaiou, não há
muitos anos, Excelência.
— Como mudou!
— É porque ela mudou de
vestuário. Há nisso uma questão de moda e de sucesso, Excelência.
Nisto um bêbedo ou um maluco,
antepassado certamente de Quincas Borba, gritou bem alto:
— Ao vencedor, batatas!”
O meu amigo rematou assim o
apólogo:
— Está aí a filosofia das
manifestações políticas, toda ela.
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