Madame London bank
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Contam as crônicas do Império
Romano que Mitridates, o famoso rei do Ponto, que enfrentou as hostes de Sila,
de Pompeu e de Lúculo, apanhou, um dia, de surpresa, um general inimigo, e,
para matar-lhe a fome de riquezas, fez-lhe derramar pela garganta uma panela de
ouro derretido. Incompletos nas suas informações, os historiadores antigos não
dizem, de modo claro, como ficou a boca da vítima; a impressão que eu tenho, em
seguida a essas leituras, é, porém, que o general se tornou, com isso, o grande
antepassado de certas senhoras e cavalheiros do nosso tempo, e que eu encontro
diariamente na cidade, os quais transformaram a boca em Caixa de Conversão,
depositando ali, em obturações dispendiosíssimas, grande parte da sua fortuna.
Felizmente, há, entre as
senhoras, espíritos esclarecidos, que movem, contra esse abuso, uma campanha
infatigável. Ainda ontem, uma destas beneméritas, D. Clara de Souza Castelo,
que me fora apresentada pelo Sr. Dr. Afrânio Peixoto, me informava,
preocupadíssima:
— Esta moda das dentaduras de
ouro está se desenvolvendo, senhor conselheiro, como o senhor não imagina.
E após uma dúzia de nomes
próprios, aludindo a pessoas notabilizadas por esse mão gosto, assinalou,
penalizada, uma ilustre dama atualmente em Petrópolis, cuja boca é considerada,
ali, pela quantidade de ouro que encerra, uma verdadeira sucursal dos cofres do
London Bank.
— E não é só a falta de gosto,
senhor conselheiro — acentuava a minha curiosa conhecida da véspera. — O pior
de tudo, é o perigo a que está exposta uma criatura nessas condições. O senhor
não conhece o caso de D. Laurentina, mulher do Dr. Filomeno Miranda?
A minha resposta foi, como era
natural, negativa, e ela contou:
— D. Laurentina tem, como o
senhor sabe, uma grande fortuna, herdada do pai. Aos vinte e cinco anos, os
seus dentes começaram a estragar-se, e ela, que possuía dinheiro, mandou
obturá-los a ouro. E de tal maneira procedeu, que, hoje, possui a boca
inteiramente dourada! Quando ela fala, e os lábios se lhe descerram, é um
deslumbramento, um luxo de ouro, que se tem a impressão de que se abriu, de
repente, a porta grande da igreja da Candelária!
Eu tossi, estranhando a imagem, e
Dona Clara continuou:
— O pior, porém, era o que lhe ia
sucedendo. Imagine o senhor que, uma destas noites, ao regressar de uma visita,
o Dr. Filomeno percebeu que havia ladrão na casa. Corajoso, hábil, experiente,
empunhou ele o revólver, chamou os criados, e começou a percorrer o palacete.
No quarto de dormir, o jardineiro abaixou-se, e olhou para debaixo da cama. E
deu um grito, de horror e de alarma. O ladrão estava lá, debaixo do leito,
escondido!
Por essa altura, D. Clara tomou
fôlego, e reatou:
— Arrancado, à força, do
esconderijo, pelo pulso dos criados, o miserável não negou o crime premeditado.
Estava ali para roubar a fortuna da dona da casa!
— E estava armado? — indaguei,
aflito.
— Estava, senhor conselheiro,
estava! — acudiu a minha informante.
E, olhando para um lado e outro,
soprou-me, perversa, ao ouvido:
— Levava... um boticão!...
E soltou uma gargalhada sonora,
demorada, reboante, dessas que somente sabem dar, na terra, as mulheres de
dentes bonitos.
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