História da Carochinha
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Era uma vez uma carochinha que andava a varrer a casa
e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e perguntou-lhe: “Ó vizinha,
que hei de eu fazer a estes cinco réis?” Respondeu-lhe a vizinha: “Compra
doces.” “Nada, nada, que é lambarice.” Foi ter com outra vizinha e ela
disse-lhe o mesmo; depois foi ainda ter com outra que lhe disse: “Compra fitas,
flores, braceletes e brincos e vai-te pôr à janela e diz:
Quem quer
casar com a carochinha
Que é bonita
e perfeitinha?
Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, flores,
braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e foi-se pôr à
janela, dizendo:
Quem quer casar
com a carochinha
Que é bonita
e perfeitinha?
Passou um boi e disse:
“Quero eu.” “Como é a tua fala?” “U, u…” “Nada, nada,
não me serves que me acordas os meninos de noite.” Depois tomou outra vez a
dizer:
Quem quer
casar com a carochinha
Que é bonita
e perfeitinha?
Passou um burro e disse: “Quero eu.” “Como é a tua
fala?” “Em ó… em ó…” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de
noite.” Depois passou um porco e a carochinha disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua
fala.” “On, on, on.” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de
noite.” Passou um cão e a carochinha disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala.” “Béu,
béu.” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.” Passou
um gato. “Como é a tua fala?” “Miau, miau.” Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos de noite.” Passou um ratinho e disse: “Quero eu.” “Como é a
tua fala?” “Chi, chi, chi.” “Tu sim, tu sim; quero casar contigo”, disse a
carochinha. Então o ratinho casou com a carochinha e ficou-se chamando o João
Ratão.
Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o
domingo, a carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar conta da
panela que estava ao lume a cozer uns feijões para o jantar. O João Ratão foi
para junto do lume e para ver se os feijões já estavam cozidos meteu a mão na
panela e a mão ficou-lhe lá; meteu a outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé;
sucedeu-lhe o mesmo, e assim em seguida foi caindo todo na panela e cozeu-se
com os feijões. Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão,
procurou-o por todos os buracos e não o encontrou e disse para consigo: “Ele
virá quando quiser e deixa-me ir comer os meus feijões.” Mas ao deitar os
feijões no prato encontrou o João Ratão morto e cozido com eles. Então a
carochinha começou a chorar em altos gritos e uma tripeça que ela tinha em casa
perguntou-lhe:
Que tens,
carochinha,
Que estás aí
a chorar?
Morreu o João
Ratão
E por isso
estou a chorar.
E eu que sou
tripeça
Ponho-me a
dançar.
Diz dali uma porta:
Que tens tu,
tripeça,
Que estás a
dançar?
Morreu o João
Ratão,
A Carochinha
está a chorar,
E eu que sou
tripeça
Pus-me a
dançar.
E eu que sou
porta
Ponho-me a
abrir e a fechar.
Diz dali uma trave:
Que tens tu,
porta,
Que estás a
abrir e a fechar?
Morreu o João
Ratão,
A Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
E eu que sou
porta
Pus-me a
abrir e a fechar.
E eu que sou
trave
Quebro-me.
Diz dali um pinheiro:
Que tens,
trave,
Que te
quebraste?
Morreu o João
Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
E eu
quebrei-me.
E eu que sou
pinheiro
Arranco-me.
Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e
viram-no arrancado e disseram:
Que tens,
pinheiro,
Que estás no
chão?
Morreu o João
Ratão,
A Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
E eu
arranquei-me.
E nós que
somos passarinhos
Vamos tirar
os nossos olhinhos.
Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram à
fonte beber água. E diz-lhe a fonte:
Porque foi
passarinhos,
Que tirastes
os olhinhos?
Morreu o João
Ratão,
A Carochinha
está a chorar,
A tripeça a
dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro
arrancou-se,
E nós,
passarinhos,
Tiramos os
olhinhos.
E eu que sou
fonte
Seco-me.
Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para
levarem água da fonte e acharam-na seca e disseram:
Que tens,
fonte,
Que secaste?
Morreu o João
Ratão,
A carochinha
está a chorar,
A tripeça a
dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro
arrancou-se,
Os
passarinhos tiraram os olhinhos,
E eu
sequei-me.
E nós
quebramos os cantarinhos.
E foram os meninos para o palácio e a rainha
perguntou-lhes:
Que tendes,
meninos,
Que
quebrastes os cantarinhos?
Morreu o João
Ratão,
A carochinha
está a chorar,
A tripeça a
dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os
passarinhos tiraram os olhinhos,
A fonte
secou-se,
E nós
quebramos os cantarinhos.
Pois eu que
sou rainha
Andarei em
fralda pela cozinha.
E eu que sou
o rei
Pelas brasas
me arrastarei.
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