Galáxia
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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No varandim colunado de um antigo palácio, inclinada sobre a balaustrada branca toda de mármore de Paros e entrelaçada de rosas, ela olhava melancolicamente as águas mansas do Pireu, onde o luar despontava cobrindo o golfo com o seu imenso zaimf de prata. Havia horas, longas horas de placidez e silêncio, arrastadas lentamente sob o azul magnificente da noite sarônica, que o seu olhar não parava, sondando incessantemente a amplidão reluzente do mar.
Para leste e
para o largo, perdendo-se na limpidez espelhada do horizonte sem raias, por onde
a lua subia na sua olímpica iluminação eteral, desdobrava-se vagamente um
cenário de ilhotes e ilhas, em silhuetas de renda sobre a ondulação azulada.
Pela costa, correndo de norte a sul, trechos curvos de praias alvas, faiscando
idealmente, numa vasta pulverização de alvaiade, por entre os grossos cabeços
abruptos das rochas basálticas, em altos relevos fantásticos. Manchas negras de
sombra, em largas pastas angulosas malhavam retintamente as águas, ao longo de
dorsos dentados de penínsulas e cabos, cortados apenas, em um ou outro ponto
longínquo, por algum saudoso, tremulante debrum de luar. E só além, ao longe,
onde o Mediterrâneo ia alto, num afastamento confuso e nostálgico, em que
errava nebulosamente a espiritualidade sem fim das viagens, o grande véu de
Diana, suspenso e aberto no ar, iluminando a rota escura das velas, numa pompa
nupcial.
Um silêncio
elegíaco e dolente, cheio de infinita saudade, evocativo de luminosas estâncias
passadas — episódios romanescos, aventuras
amorosas — palpitando, outrora,
tumultuosamente sobre aquelas águas lendárias, pesava, sob o lácteo velário do
céu, nessas plagas da Hélade. Nenhum som se abria na noite além do meigo ciciar
da aragem, errando queixosamente pelas penedias e areias faiscantes, afogadas
na carícia espumosa das vagas. E pelo vasto litoral rendilhado, o soturno
adormecimento solene das horas altas, em que a própria Natureza onipotente
parecia repousar longamente, na suavíssima exaustão de um letargo.
E ela, a
Visão láctea e bendita das noites claras, agitava-se pouco e pouco, no largo
varandim branquejante de mármore de Paros. Uma vaga inquietação invadia-a,
aumentando de instante a instante; e seus olhos radiosos, cada vez mais
incertos, investigavam incessantemente os ilhotes, os promontórios e penínsulas,
correndo com sofreguidão amorosa, todos os recantos escusos da planura
ondulada...
De repente,
uma vela esguia e alta alvejou ao longe melancolicamente, na esparsa caiação do
luar, e lentamente, numa amura alada e larga, inclinado à brisa, na altura
esfuminhada de sombras de uma ilha isolada, nanquinada densamente no horizonte
pelo vivo contraste violento de um chamalote de prata, ardendo suntuosamente
nas águas — o seu bojo avançava numa fina
esteira de espuma, em direção à faixa curva da praia. O seu vulto voador de asa
clara ora singrava em cheio na bruma luminosa do largo, ora esbatia-se
tristemente, quase extinto e sem forma, no seio negro das abras.
Então ela, a
flor linda do Pireu, no varandim magnífico de mármore de Paros entrelaçado de
rosas, corria já, em pequeninos passos nervosos, de um para outro lado,
alvoroçada e alegre, a seguir, com o olhar radiante, as bordadas alvacentas da
barca.
Em pouco,
libertada de todo dos numerosos recortes salientes das rochas basálticas, a
vela alta vogadora começou a plainar, como um guião de escumilha, no seio da
enseada. Ao abordar a praia, bem em frente às largas portas chapeadas do velho
palácio, faiscando agora feericamente sob os aljôfares pulverizados do luar que
encantava — rasgou o silêncio
luminoso da noite a sonoridade arrebatadora e saudosa de uma balada de mar...
Então,
dentre as colunas branquejantes, todas de mármore de Paros entrelaçado de
rosas, a voz dela se elevou, veludosa e dolente, fugindo toda para o alto, para
a lua, numa tremulina de ais!... E logo outro canto nostálgico, mas vigoroso e
viril, rompeu de baixo, da amura alvacenta da vela, suplicante e gemente, como
num chamamento sagrado:
— Ó
Galáxia!... Ó Galáxia!...
A grande
porta do palácio se abriu num rumor abafado, e um vulto olímpico de mulher
assomou, deslizou, sob a lua, em direitura à praia, envolta misteriosamente em
longa túnica alva.
A vela
largou de súbito, afastando-se lentamente para além, para além, no Mediterrâneo
azulado...
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