Ferrabrás
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O coronel Otaviano de Meireles,
comandante de um batalhão da Guarda Nacional aquartelado em Niterói, era
conhecido em toda a cidade pela sua valentia, e, em especial, pela sua
intransigência em questões de honra. Casado com uma das senhoras mais formosas
do bairro, era tal o pavor infundido pelo seu nome, que ninguém se atrevia,
sequer, a levantar os olhos para a sua cara metade. Aquele que tal fizesse,
era, na opinião de toda a gente, um homem liquidado.
Foi por esse tempo, e quando mais
se acentuava, em toda a praia de Icaraí, a fama da coragem do coronel, que
passou a residir na vizinha capital o jovem advogado Dr. Otacílio Fernandes,
que não era coronel, nem major, nem capitão, nem tenente, mas fora, sempre, um
dos mais famosos namoradores de Niterói. Proprietário do prédio em que o
coronel residia, não foi necessário grande esforço da parte do moço para travar
amizade com o inquilino; e esta foi tão rápida, e tão sincera, que, uma semana
depois, era o Dr. Otacílio convidado para um almoço, no primeiro domingo, na
residência do brioso militar.
Chegado o dia, lá estava, na
praia de Icaraí, o jovem capitalista. Risonho, amável, dissimulando com um
sorriso gentil a austeridade da sua fisionomia marcial, correu o dono da casa
ao portão, para receber o convidado e fazê-lo subir até à sala, onde madame já
o esperava, obsequiosa e linda, com o rosto a emergir, como uma grande rosa,
das espumas de neve do seu elegantíssimo "peignoir" de linho e renda.
— O Dr. Otacílio Fernandes —
apresentou o coronel.
E ao recém-chegado:
— Minha esposa...
Minutos depois, sentados à mesa
redonda, em que havia apenas três talheres, a palestra corria jovial, feliz,
entre petiscos saborosos e sorrisos significativos, quando o telefone tilintou.
Era o procurador do coronel que reclamava a sua presença, urgente, na estação
das barcas, para ultimação de um negócio inadiável.
— Diabo! — exclamou o bravo
militar. Tenho de ir, não há remédio!
E virando-se para o capitalista,
enquanto desamarrava o guardanapo:
— Esteja à vontade, doutor. É
questão de meia hora. Fique por aí; eu não demoro!
E para a esposa:
— Orminda, faze as honras da
casa; eu venho já!
Mal o coronel tomou o bonde, duas
taças se chocavam no ar, por cima da mesa, festejando ruidosamente aquele
encontro, há tanto desejado. E de tal forma foi a saudação, que, ao reentrar em
casa, o coronel foi encontrar os dois no seu gabinete, num colóquio de
excessiva intimidade. Apanhado em flagrante, o advogado pôs-se de pé, lívido.
Apoiado na porta, que empurrara, o coronel encarou-o trovejando:
— Sim, senhor, Sr. Dr. Fernandes!
Pálido, trêmulo, o advogado
lembrou-se da fama do coronel, e sentiu que chegara a última hora da sua vida.
— Sim, senhor! — tornou o
militar.
E abrandando a voz:
— Você não tem medo de uma
congestão?
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