
Feminice
(Sobre uma frase de Emile Faguet)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
---
D. Elisabeth Saldanha era apontada no Rio de janeiro como a
senhora de vida mais acentuadamente elegante entre quantas, até hoje, possuiu a
cidade. Honesta por educação e por temperamento, ninguém lhe apontou, jamais,
um deslize, uma falha, uma simples leviandade de conduta. Em uma terra em que a
maledicência enche as bochechas a cada canto da rua, ela fizera o milagre de conservar
sempre limpo, sem a menor mancha do hálito da calúnia, o espelho de cristal da sua reputação
Os seus hábitos mundanos não
eram, entretanto, propícios à conservação desse conceito. Adorando o marido e
sendo idolatrada por ele, havia uma vaidade que ela colocava acima de tudo na
terra; e esta eram o teatro, os chás, os jantares, as conferências literárias,
os concertos, e, sobretudo, a visita às amigas, num desperdício de tempo, de
frases e de vestidos que lhe parecia verdadeiramente encantador.
Certo dia, porém, ao sair do
Municipal, D. Elisabeth descuidou-se um pouco do "manteau" bordado de
dragões de ouro e cegonhas de seda, e apanhou uma pneumonia. A ciência médica
da cidade foi, toda ela, mobilizada em uma noite. E tal é o prestigio da
medicina diante da morte, que, dois dias depois, o Dr. Alfredo Saldanha
penetrava o portão do cemitério de São João Batista, segurando, sem tirar o
lenço dos olhos, uma das alças do caixão funerário da sua querida Elisabeth.
Enquanto se dava isso aqui na
terra, uma alma, imponderável como o ar e mais alva, talvez, que um floco de
neve, batia, suave, à porta do Paraíso.
— Seu nome? — perguntou São
Pedro, abrindo a portinhola, encantado com tanta candura.
— Elisabeth Saldanha, meu santo.
O apostolo fitou-a com simpatia,
e continuou no interrogatório:
— E que fizeste na tua vida,
minha filha? A recém-chegada franziu a testa morena e perfeita, como se
consultasse a si mesma.
— Não ouviste, filha? Que é que
fizeste na tua vida?
Elisabeth ia, pela primeira vez,
se atrapalhando, mas, recobrando a serenidade, indagou:
— Eu?
E, com um sorriso, que lhe
abotoava a boca num beijo:
— Eu fiz... muitas visitas!
São Pedro sorriu, bondoso, e a
grande chave rangeu, faiscando estrelas, na enorme fechadura dourada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...