Entre duas datas
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Que duas pessoas se amem e se separem é, na
verdade, coisa triste, desde que não há entre elas nenhum impedimento moral ou
social. Mas o destino ou o acaso, ou o complexo das circunstâncias da vida
determina muita vez o contrário, uma viagem de negócio ou de recreio, uma
convalescença, qualquer coisa basta (consultem La Palise) para cavar um abismo entre duas pessoas.
Era isto, resumidamente, o que pensava uma
noite o bacharel Duarte, à mesa de um café, tendo vindo do Teatro Ginásio.
Tinha visto no teatro uma moça muito parecida com outra que ele outrora
namorara. Há quanto tempo ia isso! Há sete anos, foi em 1855. Ao ver a moça no
camarote, chegou a pensar que era ela, mas advertiu que não podia ser; a outra
tinha dezoito anos, devia estar com vinte e cinco, e esta não representava mais
de dezoito, quando muito, dezenove.
Não era ela; mas tão parecida, que trouxe à
memória do bacharel todo o passado, com as suas reminiscências vivas no
espírito, e Deus sabe se no coração. Enquanto lhe preparavam o chá, Duarte
divertiu-se em recompor a vida, se acaso tivesse casado com a primeira
namorada, — a primeira! Tinha então vinte e três anos. Vira-a na casa de um
amigo, no Engenho Velho, e ficaram gostando um do outro. Ela era meiga e
acanhada, linda a mais não ser, às vezes com ares de criança, que lhe davam
ainda maior relevo. Era filha de um coronel.
Nada impedia que os dois se casassem, uma vez
que se amavam e se mereciam. Mas aqui entrou justamente o destino ou o acaso, o
que ele chamava há pouco “complexo das circunstâncias da vida”, definição
realmente comprida e enfadonha. O coronel teve ordem de seguir para o Sul; ia
demorar-se dois a três anos. Ainda assim podia a filha casar com o bacharel;
mas não era este o sonho do pai da moça, que percebera o namoro e estimava
poder matá-lo. O sonho do coronel era um general; em falta dele, um Comendador
rico. Pode ser que o bacharel viesse a ser um dia rico, Comendador e até
general — como no tempo da guerra do Paraguai. Pode ser, mas não era nada, por
ora, e o pai de Malvina não queria arriscar todo o dinheiro que tinha nesse
bilhete que podia sair-lhe branco.
Duarte não a deixou ir sem tentar alguma
coisa. Meteu empenhos. Uma prima dele, casada com um militar, pediu ao marido
que interviesse, e este fez tudo o que podia para ver se o coronel consentia no
casamento da filha. Não alcançou nada. Afinal, o bacharel estava disposto a ir
ter com eles no Sul; mas o pai de Malvina dissuadiu-o de um tal projeto,
dizendo-lhe primeiro que ela era ainda muito criança, e depois que, se ele lá
aparecesse, então é que nunca lha daria.
Tudo isso foi pelos fins de 1855. Malvina
seguiu com o pai, chorosa, jurando ao namorado que se atiraria ao mar, logo que
saísse a barra do Rio de Janeiro. Jurou com sinceridade; mas a vida tem uma
parte inferior que destrói, ou pelo menos, altera e atenua as resoluções
morais. Malvina enjoou. Nesse estado, que toda a gente afirma ser intolerável,
a moça não teve a necessária resolução para um ato de desespero. Chegou viva e
sã ao Rio Grande.
Que houve depois? Duarte teve algumas notícias,
a princípio, por parte da prima, a quem Malvina escrevia, todos os meses,
cartas cheias de protestos e saudades. No fim de oito meses, Malvina adoeceu,
depois escassearam as cartas. Afinal, indo ele à Europa, cessaram elas de todo.
Quando ele voltou, soube que a antiga namorada tinha casado em Jaguarão; e
(vede a ironia do destino) não casou com general nem Comendador rico, mas
justamente com um bacharel sem dinheiro.
Está claro que ele não deu um tiro na cabeça
nem murros na parede; ouviu a notícia e conformou-se com ela. Tinham então
passado cinco anos; era em 1860. A paixão estava acabada; havia somente um
fiozinho de lembrança teimosa. Foi cuidar da vida, à espera de casar também.
E é agora, em 1862, estando ele
tranquilamente no Ginásio, que uma moça lhe apareceu com a cara, os modos e a
figura de Malvina em 1855. Já não ouviu bem o resto do espetáculo; viu mal,
muito mal, e, no café, encostado a uma mesa do canto, ao fundo, rememorava
tudo, e perguntava a si mesmo qual não teria sido a sua vida, se tivessem
realizado o casamento.
Poupo às pessoas que me leem a narração do
que ele construiu, antes, durante e depois do chá. De quando em quando, queria
sacudir a imagem do espírito; ela, porém, tornava e perseguia-o,
assemelhando-se (perdoem-me as moças amadas) a uma mosca importuna. Não vou
buscar à mosca senão a tenacidade de presença, que é uma virtude nas
recordações amorosas; fica a parte odiosa da comparação para os conversadores
enfadonhos. Demais, ele próprio, o próprio Duarte é que empregou a comparação,
no dia seguinte, contando o caso ao colega de escritório. Contou-lhe então todo
o passado.
— Nunca mais a viste?
— Nunca.
— Sabes se ela está aqui ou no Rio Grande?
— Não sei nada. Logo depois do casamento,
disse-me a prima que ela vinha para cá; mas soube depois que não, e afinal não
ouvi dizer mais nada. E que tem que esteja? Isto é negócio acabado. Ou supões
que seria ela mesma que vi? Afirmo-te que não.
— Não, não suponho nada; fiz a pergunta à
toa.
— À toa? repetiu Duarte rindo.
— Ou de propósito, se queres. Na verdade, eu
creio que tu... Digo? Creio que ainda estás embeiçado...
— Por quê?
— A turvação de ontem...
— Que turvação?
— Tu mesmo o disseste; ouviste mal o resto do
espetáculo, pensaste nela depois, e agora mesmo contas-me tudo com um tal ardor...
— Deixa-te disso. Contei o que senti, e o que
senti foram saudades do passado. Presentemente...
Daí a dias, estando com a prima, — a
intermediária antiga das notícias, — contou-lhe o caso do Ginásio.
— Você ainda se lembra disso? disse ela.
— Não me lembro, mas naquela ocasião deu-me
um choque... Não imagina como era parecida. Até aquele jeitinho que Malvina
dava à boca, quando ficava aborrecida, até isso...
— Em todo caso, não é a mesma.
— Por quê? Está muito diferente?
— Não sei; mas sei que Malvina ainda está no
Rio Grande.
— Em Jaguarão?
— Não; depois da morte do marido...
— Enviuvou?
— Pois então? há um ano. Depois da morte do
marido, mudou-se para a capital.
Duarte não pensou mais nisto. Parece mesmo
que alguns dias depois encetou um namoro, que durou muitos meses. Casaria,
talvez, se a moça, que já era doente, não viesse a morrer, e deixá-lo como
dantes. Segunda noiva perdida.
Acabava o ano de 1863. No princípio de 1864,
indo ele jantar com a prima, antes de seguir para Cantagalo, onde tinha de
defender um processo, anunciou-lhe ela que um ou dois meses depois chegaria
Malvina do Rio Grande. Trocaram alguns gracejos, alusões ao passado e ao
futuro; e, tanto quanto se pode dizer, parece que ele saiu de lá pensando na
recente viúva. Tudo por causa do encontro no Ginásio em 1862. Entretanto,
seguiu para Cantagalo.
Não dois meses, nem um, mas vinte dias
depois, Malvina chegou do Rio Grande. Não a conhecemos antes, mas pelo que diz
a amiga ao marido, voltando de visitá-la, parece que está bonita, embora
mudada. Realmente, são passados nove anos. A beleza está mais acentuada, tomou
outra expressão, deixou de ser o alfenim de 1855, para ser mulher verdadeira.
Os olhos é que perderam a candura de outro tempo, e um certo aveludado, que
acariciava as pessoas que os recebiam. Ao mesmo tempo, havia nela, outrora, um
acanhamento próprio da idade, que o tempo levou: é o que acontece a todas as
pessoas. Malvina é expansiva, ri muito, mofa um pouco, e ocupa-se de que a
vejam e admirem. Também outras senhoras fazem a mesma coisa em tal idade, e até
depois, não sei se muito depois; não a criminemos por um pecado tão comum.
Passados alguns dias, a prima do bacharel
falou deste à amiga, contou-lhe a conversa que tiveram juntos, o encontro do
Ginásio, e tudo isso pareceu interessar grandemente à outra. Não foram adiante;
mas a viúva tornou a falar do assunto, não uma, nem duas, mas muitas vezes.
— Querem ver que você está querendo
recordar-se...
Malvina fez um gesto de ombros para fingir
indiferença; mas fingiu mal. Contou-lhe depois a história do casamento. Afirmou
que não tivera paixão pelo marido, mas que o estimara bastante. Confessou que
muita vez se lembrara do Duarte. E como estava ele? tinha ainda o mesmo bigode?
ria como dantes? dizia as mesmas graças?
— As mesmas.
— Não mudou nada?
— Tem o mesmo bigode, e ri como antigamente;
tem mais alguma coisa: um par de suíças.
— Usa suíças?
— Usa, e por sinal que bonitas, grandes,
castanhas...
Malvina recompôs na cabeça a figura de 1855,
pondo-lhe as suíças, e achou que deviam ir-lhe bem, conquanto o bigode somente
fosse mais adequado ao tipo anterior. Até aqui era brincar; mas a viúva começou
a pensar nele com insistência; interrogava muito a outra, perguntava-lhe quando
é que ele vinha.
— Creio que Malvina e Duarte acabam casando,
disse a outra ao marido.
Duarte veio finalmente de Cantagalo. Um e
outro souberam que iam aproximar-se; e a prima, que jurara aos seus deuses
casá-los, tornou o encontro de ambos ainda mais apetecível. Falou muito dele à
amiga; depois quando ele chegou, falou-lhe muito dela, entusiasmada. Em seguida
arranjou-lhes um encontro, em terreno neutro. Convidou-os para um jantar.
Podem crer que o jantar foi esperado com
ânsia por ambas as partes. Duarte, ao aproximar-se da casa da prima, sentiu
mesmo uns palpites de outro tempo; mas dominou-se e subiu. Os palpites
aumentaram; e o primeiro encontro de ambos foi de alvoroço e perturbação. Não
disseram nada; não podiam dizer coisa nenhuma. Parece até que o bacharel tinha
planeado um certo ar de desgosto e repreensão. Realmente, nenhum deles fora
fiel ao outro, mas as aparências eram a favor dele, que não casara, e contra
ela, que casara e enterrara o marido. Daí a frieza calculada da parte do
bacharel, uma impassibilidade de fingido desdém. Malvina não afetara nem podia
afetar a mesma atitude; mas estava naturalmente acanhada — ou digamos a palavra
toda, que é mais curta, vexada. Vexada é o que era.
A amiga dos dois tomou a si desacanhá-los,
reuni-los, preencher o enorme claro que havia entre as duas datas, e, com o
marido, tratou de fazer um jantar alegre. Não foi tão alegre como devia ser;
ambos espiavam-se, observavam-se, tratavam de reconhecer o passado, de
compará-lo ao presente, de ajuntar a realidade às reminiscências. Eis algumas
palavras trocadas à mesa entre eles:
— O Rio Grande é bonito?
— Muito: gosto muito de Porto Alegre.
— Parece que há muito frio?
— Muito.
E depois, ela:
— Tem tido bons cantores por cá?
— Temos tido.
— Há muito tempo não ouço uma ópera.
Óperas, frio, ruas, coisas de nada,
indiferentes, e isso mesmo a largos intervalos. Dir-se-ia que cada um deles só
possuía a sua língua, e exprimia-se numa terceira, de que mal sabiam quatro
palavras. Em suma, um primeiro encontro cheio de esperanças. A dona da casa
achou-os excessivamente acanhados, mas o marido corrigiu-lhe a impressão,
ponderando que isso mesmo era prova de lembrança viva a despeito dos tempos.
Os encontros naturalmente amiudaram-se. A
amiga de ambos entrou a favorecê-los. Eram convites para jantares, para
espetáculos, passeios, saraus — eram até convites para missas. Custa dizer, mas
é certo que ela até recorreu à igreja para ver se os prendia de uma vez.
Não menos certo é que não lhes falou de mais
nada. A mais vulgar discrição pedia o silêncio, ou pelo menos, a alusão
galhofeira e sem calor; ela preferiu não dizer nada. Em compensação
observava-os, e vivia numas alternativas de esperança e desalento. Com efeito,
eles pareciam andar pouco.
Durante os primeiros dias, nada mais houve
entre ambos, além de observação e cautela. Duas pessoas que se veem pela
primeira vez, ou que se tornam a ver naquelas circunstâncias, naturalmente
dissimulam. É o que lhes acontecia. Nem um nem outro deixava correr a natureza,
pareciam andar às apalpadelas, cheios de circunspecção e atentos ao menor
escorregão. Do passado, coisa nenhuma. Viviam como se tivessem nascido uma
semana antes, e devessem morrer na seguinte; nem passado nem futuro. Malvina
sofreou a expansão que os anos lhe trouxeram, Duarte o tom de homem solteiro e
alegre, com preocupações políticas, e uma ponta de ceticismo e de gastronomia.
Cada um punha a máscara, desde que tinham de encontrar-se.
Mas isto mesmo não podia durar muito; no fim
de cinco ou seis semanas, as máscaras foram caindo. Uma noite, achando-se no
teatro, Duarte viu-a no camarote, e, não pôde esquivar-se de a comparar com a
que vira antes, e tanto se parecia com a Malvina de 1855. Era outra coisa,
assim de longe, e às luzes, sobressaindo no fundo escuro do camarote. Além
disso, pareceu-lhe que ela voltava a cabeça para todos os lados com muita
preocupação do efeito que estivesse causando.
“Quem sabe se deu em namoradeira?” pensou
ele.
E, para sacudir este pensamento, olhou para
outro lado; pegou do binóculo e percorreu alguns camarotes. Um deles tinha uma
dama, assaz galante, que ele namorara um ano antes, pessoa que era livre, e a
quem ele proclamara a mais bela das cariocas. Não deixou de a ver, sem algum
prazer; o binóculo demorou-se ali, e tornou ali, uma, duas, três, muitas vezes.
Ela, pela sua parte, viu a insistência e não se zangou. Malvina, que notou isso
de longe, não se sentiu despeitada; achou natural que ele, perdidas as
esperanças, tivesse outros amores.
Um e outro eram sinceros aproximando-se. Um e
outro reconstruíam o sonho anterior para repeti-lo. E por mais que as
reminiscências posteriores viessem salteá-lo, ele pensava nela; e por mais que
a imagem do marido surgisse do passado e do túmulo, ela pensava no outro. Eram
como duas pessoas que se olham, separadas por um abismo, e estendem os braços
para se apertarem.
O melhor e mais pronto era que ele a
visitasse; foi o que começou a fazer — dali a pouco. Malvina reunia todas as
semanas as pessoas de amizade. Duarte foi dos primeiros convidados, e não
faltou nunca. As noites eram agradáveis, animadas, posto que ela devesse
repartir-se com os outros. Duarte notava-lhe o que já ficou dito: gostava de
ser admirada; mas desculpou-a dizendo que era um desejo natural às mulheres
bonitas. Verdade é que, na terceira noite, pareceu-lhe que o desejo era
excessivo, e chegava ao ponto de a distrair totalmente. Malvina falava para ter
o pretexto de olhar, voltava a cabeça, quando ouvia alguém, para circular os
olhos pelos rapazes e homens feitos, que aqui e ali a namoravam. Esta impressão
foi confirmada na quarta noite e na quinta, desconsolou-o bastante.
— Que tolice! disse-lhe a prima, quando ele
lhe falou nisso, afetando indiferença. Malvina olha para mostrar que não
desdenha os seus convidados.
— Vejo que fiz mal em falar a você, redarguiu
ele rindo.
— Por quê?
— Todos os diabos, naturalmente, defendem-se,
continuou Duarte; todas vocês gostam de ser olhadas; — e, quando não gostam,
defendem-se sempre.
— Então, se é um querer geral, não há onde
escolher, e nesse caso...
Duarte achou a resposta feliz, e falou de
outra coisa. Mas, na outra noite, não achou somente que a viúva tinha esse
vício em grande escala; achou mais. A alegria e expansão das maneiras trazia
uma gota amarga de maledicência. Malvina mordia, pelo gosto de morder, sem ódio
nem interesse. Começando a frequentá-la, nos outros dias, achou-lhe um riso mal
composto, e, principalmente, uma grande dose de ceticismo. A zombaria nos
lábios dela orçava pela troça elegante.
“Nem parece a mesma” disse ele consigo.
Outra coisa que ele lhe notou, — e não lhe
notaria se não fossem as descobertas anteriores — foi o tom cansado dos olhos,
o que acentuava mais o tom velhaco do olhar. Não a queria inocente, como em
1855; mas parecia-lhe que era mais que sabida, e essa nova descoberta trouxe ao
espírito dele uma feição de aventura, não de obra conjugal. Daí em diante, tudo
era achar defeitos; tudo era reparo, lacuna, excesso, mudança.
E, contudo, é certo que ela trabalhava em
reatar sinceramente o vínculo partido. Tinha-o confiado à amiga,
perguntando-lhe esta por que não casava outra vez.
— Para mim há muitos noivos possíveis,
respondeu Malvina; mas só chegarei a aceitar um.
— É meu conhecido? perguntou a outra
sorrindo.
Malvina levantou os ombros, como dizendo que
não sabia; mas os olhos não acompanhavam os ombros, e a outra leu neles o que
já desconfiava.
— Seja quem for, disse-lhe, o que é que lhe
impede de casar?
— Nada.
— Então...
Malvina esteve calada alguns instantes;
depois confessou que a pessoa lhe parecia mudada ou esquecida.
— Esquecida, não, acudiu vivamente a outra.
— Pois só mudada; mas está mudada.
— Mudada...
Na verdade, também ela achava transformação
no antigo namorado. Não era o mesmo, nem fisicamente nem moralmente. A tez era
agora mais áspera; e o bigode da primeira hora estava trocado por umas barbas
sem graça; é o que ela dizia, e não era exato. Não é porque Malvina tivesse na
alma uma corda poética ou romântica; ao contrário, as cordas eram comuns. Mas
tratava-se de um tipo que lhe ficara na cabeça, e na vida dos primeiros anos.
Desde que não respondia às feições exatas do primeiro, era outro homem.
Moralmente, achava-o frio, sem arrojo, nem entusiasmo, muito amigo da política,
desdenhoso e um pouco aborrecido. Não disse nada disto à amiga; mas era a
verdade das suas impressões. Tinham-lhe trocado o primeiro amor.
Ainda assim, não desistiu de ir para ele, nem
ele para ela; um buscava no outro o esqueleto, ao menos, do primeiro tipo. Não
acharam nada. Nem ele era ele, nem ela era ela. Separados, criavam forças,
porque recordavam o quadro anterior, e recompunham a figura esvaída; mas tão
depressa tornavam a unir-se como reconheciam que o original não se parecia com
o retrato — tinham-lhes mudado as pessoas.
E assim foram passando as semanas e os meses.
A mesma frieza do desencanto tendia a acentuar as lacunas que um apontava ao
outro, e pouco a pouco, cheios de melhor vontade, foram-se separando. Não durou
este segundo namoro, ou como melhor nome tenha, mais de dez meses. No fim deles,
estavam ambos despersuadidos de reatar o que fora roto. Não se refazem os
homens — e, nesta palavra, estão compreendidas as mulheres; nem eles nem elas
se devolvem ao que foram... Dir-se-á que a terra volta a ser o que era, quando
torna a estação melhor; a terra, sim, mas as plantas, não. Cada uma delas é um
Duarte ou uma Malvina.
Ao cabo daquele tempo esfriaram; seis ou oito
meses depois, casaram-se — ela, com um homem que não era mais bonito, nem mais
entusiasta, que o Duarte — ele com outra viúva, que tinha as mesmas
características da primeira. Parece que não ganharam nada; mas ganharam não
casar uma desilusão com outra: eis tudo, e não é pouco.
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