Em busca de ouro
EPISÓDIO DOS
TEMPOS COLONIAIS
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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I
Desde 1525,
quando Cristóvão Jacques fundou Itamaracá, que um alvoroço de curiosidade e
cobiça agitava o espírito das populações do velho Reino com as notícias da
existência de minas de ouro e pedras preciosas que de Santa Cruz lhes chegavam,
de vez em quando, pelas frotas exploradoras que estabeleciam um imenso rosário
flutuante de velas brancas, alígeras, cortando em voo o Atlântico, entre o
breve litoral português e as praias virgens, sem fim, da nova terra descoberta.
Essas notícias, porém, eram vagas e incertas, porque nenhuma expedição se
organizara ainda para explorar o interior da opulenta região com que Cabral
enriquecera a coroa lusitana, na sua memorável viagem à Índia.
Mas, sete
anos depois, em 1532, quando Pero Lopes de Souza chegou ao Algarve, enviado por
seu irmão Martim Afonso de Souza, a comunicar a El-Rei a fundação da capitania
de São Vicente e do primeiro povoado, as riquezas naturais que nesse território
existiam, assim litorais como pelos sertões, conforme as informações de João
Ramalho — um português que desde muito ali vivia na maior confraternidade com
os indígenas — novas notícias da descoberta de ouro, diamantes e mais pedraria
se espalharam eletricamente por todos os recantos do Reino.
Imediatamente
ambições, ainda as mais obscuras, se desencadearam e um certo movimento de
colonos espontaneamente se estabeleceu, nas embarcações da carreira, para a
tentadora terra de Santa Cruz, que aparecia à imaginação de cada qual como um
excepcional e fantástico país, onde o solo era de ouro, bem como o céu que o
flamejante sol tropical cobria de um ardente e faustoso velário de ouro.
Então alguns
humildes mas aventurosos aldeãos, com o espírito já longamente saturado pelo
refulgir prestigioso das lendas das riquezas da Índia, abandonavam os seus
estreitos lugares, as suas veigas e rebanhos e, moços e velhos, despedindo-se
das esposas e mães, com o coração vivamente a palpitar de esperanças e sonhos,
lançavam se pelos agrestes caminhos das serras ou pelas amplas estradas de
chão, em demanda de Lisboa. E aí embarcavam nas primeiras caravelas ou galeões
que partiam.
Durante a
longa e embaladora travessia atlântica, passados os primeiros enjoos, o cérebro
superexcitado pela ambição, dia e noite velavam esses homens, sob os retesos
estais e as brancas velas em bojo, com os olhos fixos no horizonte ao longo, na
ânsia ascendente e nervosa de verem surgir de repente, à proa, o almejado
litoral do Brasil que se lhes afigurava, ele mesmo, uma imensa barra de ouro...
II
Os
marinheiros de cabotagem, como os de longo curso, e os pescadores — almas
erradias e inquietas, adoradoras dos tumultuosos, espumantes escarcéus da
Borrasca e das marulhosas ondas azuis da Bonança — ao ouvirem zumbir de boca em
boca, pelos ranchos, a narração sensacional das riquezas dessa terra
maravilhosa, que pertencia a El-Rei e que o Atlântico tão vastamente separava
da “ocidental praia lusitana”, ainda mais que os aldeãos do interior, sentiam
morder-lhes fundo no peito a tarântula da aventura e, arrebatada e
entusiasticamente, deixavam as praias natais em busca dos grandes portos de
embarque, a tomar lugar na boêmia das companhas, à proa dos vasos das frotas
que, prestes a singrar ao mar alto, envergavam as velas brancas. E todos os
postos de pesca da costa, desde Caminha a Olhão — já tão despovoados pelas
viagens da Índia — foram caindo em abandono. Seguindo os exemplos dos outros,
os pescadores isolados das pequenas praias partiam também, fascinados pela
tentação irresistível desse prodigioso Novo Mundo, que ficava além Atlântico,
para as bandas do ocidente feliz, que fizera a desgraça e a glória suprema de
Colombo.
Assim foi
que dois pescadores da Ericeira, largando o seu velho caíque, arranjado à
pressa o saco de viagem, numa madrugada de agosto de 1532, se meteram caminho
de Lisboa, onde uma armada de duas caravelas, ao mando de João de Souza,
aguardava a monção de outubro para se fazer ao largo, em rumo da Capitania de São
Vicente, a entregar a Martim Afonso a carta que lhe enviava El-Rei em resposta
à desse almirante, sobre a fundação daquela grande colônia e povoado brasileiro.
Desses dois pescadores o mais moço, um rapaz solteiro, João de Vilhena, tinha
apenas vinte anos; o outro, que era seu tio e viúvo, Luís de Vilhena,
quinquagenário já. Mas este, apesar dessa idade e na sua admirável saúde de
marítimo, mantinha ainda a antiga robustez da mocidade, passada, dia a dia, no
trato rude das ondas. Chegados a Lisboa, os dois homens cuidaram imediatamente
de arranjar-se e obter lugar a bordo da armada e partir: embarcaram numa das
caravelas, sob a condição de ajudarem as manobras durante a travessia, mas
apenas chegassem a São Vicente desembarcarem livres de outras quaisquer
obrigações.
Efetivamente,
nos primeiros dias de outubro, logo que o vento se mostrou de feição, a pequena
frota abriu velas entrando a singrar Tejo abaixo, em direção à barra. Levara-se
a âncora ainda escuro, à característica e saudosa lupa ou melopeia que canta
sempre a maruja em faina: oaiô-oaiô, leva
à riba! Vinha raiando a madrugada: as primeiras claridades do sol, galgando
os recortes graníticos de Cintra, envolviam num imenso cendal de ouro
transparente as vagas espumosas do Atlântico, o Mar Tenebroso da Idade Média
cujos encantos, terríficos e sinistros, tinham sido há muito destruídos
heroicamente pelos invencíveis quilhas lusitanas e os seus primeiros ousados e
inexcedíveis Pilotos, que não conheciam trabalhos e perigos ao aceno imperioso
e inelutável de um Infante D. Henrique ou de um D. João II, quando se tratava
de explorar e dominar “os mares nunca antes navegados”...
Aos
montanhosos vagalhões do mar alto as caravelas entraram então a oscilar e
ranger nos seus altos cascos bojudos e na sua cordualha. Novelos de espumas
albentes rebentavam à proa, em caturradas contínuas, enquanto à ré deslizava e
fugia, em direção à terra, uma larga esteira de aljôfares que coleava sobre as
águas, nostalgicamente. Em pouco a barra se fechou pela popa e as montanhas da
costa se uniram, esbatidos os relevos e socalcos numa inteiriça muralha
cuneiforme, de um azulamento ideal de turquesa, recortando-se gigantescamente a
leste, para o norte e para o sul, sobre o fundo majestoso do céu, onde o sol,
louro beduíno irradiante do Azul, na galopada dos seus corcéis triunfantes
abria agora amplamente o seu imenso albornoz de luz...
Na caravela Senhora da Bonança, já no relativo
descanso que sucede às primeiras manobras em dias de bom tempo, João de Vilhena
e o tio, de pé, a uma das amuradas, junto ao castelo de proa, varados da
nostalgia dos que deixam o ninho pela primeira vez, os olhos rasos de água,
fixavam o ponto recuado da costa por onde se sumira a Ericeira, sua aldeia
natal. Em torno deles, por todo o vasto convés, do mastro grande para vante,
marinheiros em grupos, numa grossa algazarra, discutiam interessadamente sobre
coisas do mar. A ré, no alto capitel balaustrado, cercado dos oficiais, o
comandante ora apontava a navegação da outra caravela, a Escola de Sagres —
singrando pela popa a dez amarras de distância, ora o esbatido esfuminhado das
serranias da costa, baixando e recuando lentamente, para trás, para trás, numa
saudosa névoa azulada...
III
Quarenta e
três dias durou a travessia atlântica, até que uma manhã, sob o pálido rosa e
ouro da aurora, se mostraram à proa os morros de São Vicente. As caravelas
corriam a um largo, com os latinos em bojo, semelhando dois estranhos e
gigantescos albatrozes, que viessem, asas abertas ao vento, bicando a crista
das vagas. Então as primeiras casas do povoado começaram a destacar
nitidamente, manchando de quadrados de alvura a linha rasa dos planos e o
maciço arredondado dos outeiros verdejantes.
Pela tarde
os dois navios aferravam, na pequena enseada em calma, em meio à frota de
Martim Afonso, que ali se achava ancorada, menos a caravela de Pero Lopes de
Sousa, de novo em viagem para Portugal, levando comunicações a El Rei.
Empavesada em arco, a caravela, capitania de João de Sousa, salvou ao Capitão
mor e terra, ao reboar das colubrinas e falcões.
IV
No outro
dia, ao clangor álacre das buzinas de bordo tocando alvorada, teve lugar o
desembarque de um pequeno reforço de tropas e de alguns colonos que para ali se
destinavam. João de Vilhena e o tio, que toda a noite anterior, sob o velário
prateado de um plenilúnio saudoso, levaram a velar na amurada, olhando
embevecidos, como através de um doce sonho, a terra encantada do Brasil,
saltaram na última barcada. Já o dia ia alto, sob a calidez do sol alagando
tudo e dando às areias das praias um fulgor diamantino e de ouro, que mais
acendia na imaginação dos dois homens a cobiça pelos estranhos tesouros que
jaziam, inexplorados e inéditos, pelas brenhas e sertões. E entraram ambos a
subir a encosta do outeiro que levava ao povoado. Admirados e como tontos ante
a majestade da natureza tropical, até então inteiramente desconhecida para
eles, não sabiam verdadeiramente a que mais atender, se aos esplendores do mar
azul onde a frota balouçava, se às maravilhas da paisagem que, à proporção que
ascendiam a colina, se desenrolava magnificamente a seus pés.
Subiam,
assim enlevados e satisfeitos, quando esbarraram de repente com uma vasta
tranqueira que cintava o arraial. Transpondo o portão aí existente, caíram numa
espécie de praça agreste, ao fundo da qual se erguia uma ermida, de cuja
entrada transbordava para fora, para a rua, numa multidão de gente ajoelhada —
paisanos e tropas — alastrando até os maciços de arbustos e árvores que se
alinhavam em torno. Era o santo ofício da missa, que há pouco começara. Os dois
ajoelharam então, olhando a pequenina e baixa nave da ermida, onde o sol
lançava do alto, pela porta escancarada, uma larga nesga de ouro que fazia
esmaiar tristemente as chamas vermelhas das velas ardendo no altar mor...
Terminado o
ato sagrado, foram levados entre os demais colonos recém vindos até uma grande
casa de madeira, em cuja cimalha caiada brilhavam as armas reais, coroadas por
uma haste esguia desfraldando triunfantemente no espaço a gloriosa bandeira das
quinas, então soberana dos mares. Aí cada um deu o seu nome, e logo após,
escoltados por soldados, seguiram todos para os grandes ranchos erguidos junto
à tranqueira e chamados tapujares,
onde ficaram alojados.
Assim
instalados, os dois pescadores, quando não se achavam ocupados no serviço de
derrubada de matas ou na abertura de estradas, levavam a falar de seus planos,
remexendo horas e horas os sacos de lona onde traziam, com a roupa, a
ferramenta para as explorações desejadas. E ouvindo dos índios mansos que com
eles trabalhavam a narração maravilhosa das riquezas do sertão, sentiam
morder-lhes mais forte e mais fundo no peito a inquieta ansiedade de devassar e
pisar quanto antes essas regiões encantadas.
Por
felicidade, ao chegarem, já se achava em aprestos uma nova expedição
exploradora, de 80 homens, ao mando de Pero Lobo, que, dentro de um mês mais ou
menos deveria partir, pela serra do Cubatão, para os campos de Piratininga e
paragens de Serro Frio, onde esse intrépido bandeirante não pudera chegar da
primeira vez (1531), mas de onde havia notícias verídicas da existência de
diamantes e de grandes jazidas de ouro. Mal souberam da expedição, os Vilhenas,
correram a alistar-se nela; porém enquanto se não metiam em marcha, a delonga
da partida, que parecia não findar jamais, torturava-lhes a alma. Tal delonga,
entretanto, não fora além de seis semanas, e, numa radiante manhã de fevereiro
do ano de 1533, a
bandeira partiu, aos hinos festivos
dos pássaros felizes cantando nas ramagens das florestas seculares das serras e
sobre os capinzais em fim das planícies.
E os dois
pescadores lá se foram com a arrojada expedição, o espírito a fervilhar de
ambições, o coração a palpitar de alegria, na consoladora esperança de uma
grande felicidade futura.
V
Atravessando
planaltos e montes, margeando e cortando rios, ora sob vastos e densos bosques
coalhando os altos de frondes, por atalhos abertos a foice, a machado e a
montante, ora por extensas campinas viçosas, veiadas de rios de prata, os
exploradores foram pouco e pouco internando-se. Pousando à beira de cada
nascente de água, de noite as tendas se armavam, em grupos, como um antigo
acampamento romano, branqueando com a sua pirâmide oscilante de lona a enoitada
verdura circunjacente, à maneira de uma estranha frota perdida no oceano dos
campos desertos e virgens, em que as vagas eram maciços de arbustos e árvores,
onde chilravam pássaros, ou urravam animais bravios, ou andavam em fúria os
selvagens que viam invadidos os seus domínios, e onde os ventos passavam
agitando as ramarias em murmúrios, de música embalante, pelos dias alegres e
límpidos, enquanto, pelas noites enluaradas ou lôbregas, as povoava sempre de
turbilhões de rumores apavorantes, sinistros. Ao despontar dos dias, envoltos
em inebriantes aromas e no coral de gorjeios sublimes com que a passarada
desperta hilarizava às manhãs, os bandeirantes se erguiam e, de almocafres e
alavancas em punho, iam revolver herculeamente o cascalho das vertentes, atrás
dos tentadores e inestimáveis diamantes. Os braços agitavam se então
incessantemente até ao declinar dos crepúsculos de lacre barrando os longes de
sangue: e o desespero doloroso de mais um dia de rude labuta em vão, casando-se
à nostalgia desoladora da hora, fazia abater a fronte desses homens heroicos,
desvairados por uma inominada ambição!
No outro
dia, porém, refeitos pelo repouso do sono e pela magia extraordinária da
paisagem que os cercava, volviam outra vez ao trabalho, afervorados de novo por
uma grande esperança. Longas semanas e meses retinha os ali a ânsia da cobiçada
riqueza que lhes fugia entretanto; e, explorada completamente esta nascente, só
lhes dera fadiga e desânimo, levantavam as suas tendas e punham-se logo a
caminho de outra, onde encontravam, ao fim de tudo, novas e cruéis desilusões.
Os diamantes, como as outras pedras preciosas, e o ouro, ocultavam-se, sem que
jamais os exploradores os pudessem ver refulgir, entre os dedos, na sua
profunda fascinação. Já as paragens mais assinaladas até então haviam sido
percorridas em balde. Mas lá estavam ainda além, as terras do Serro Frio, e
talvez Deus permitisse fossem aí mais venturosos. Alentados por uma nova
esperança, jogavam-se ainda para avante, para avante...
Às vezes,
algumas hordas tupis saindo-lhes braviamente ao encontro, procuravam
embaraçar-lhes a marcha. Mas eram para logo batidas. No entanto isso custava,
não raro, a perda de uma ou outra vida à corajosa expedição. Quando não era o
selvagem, eram as indômitas fora as dilacerações e mortes que lhe causavam as
intempéries, as privações, as doenças e os emaranhamentos quase inextricáveis,
invencíveis das grandes florestas virgens.
Assim os
valorosos bandeirantes erraram pelos sertões durante dois longos anos, findos
os quais voltaram ao lugar de onde tinham partido, com as mãos vazias e numa
inenarrável desolação.
Entretanto,
João de Vilhena e o tio, tenazes no seu louco desígnio, lá ficaram ainda
internados, na avidez intranstornável daquelas riquezas fantásticas que os
haviam arrastado até ali e com uma parte das quais, pelo menos, sonhavam voltar
um dia, felizes, à sua aldeia natal, ao seu Portugal querido. E sós, afrontando
o indígena e as feras, prosseguiram resolutos na exploração encetada. Embalde,
porém, o fizeram, por que a fortuna sonhada ― oh! Destino! ― não passava nunca,
para eles, de uma enganosa ilusão. Mais oito anos ainda os dois homens
invencíveis, animados por aquela ideia fixa, que dentro deles vivia como uma
chama sagrada, atravessaram montanhas, passaram vales e planícies,
alimentando-se unicamente de caça e do produto das árvores frutíferas. Mas a
desesperança final chegou um dia, e eles, esmagados pelas fadigas, as
moléstias, as asperezas dos caminhos, entraram a dirigir-se para leste, em
demanda do litoral salvador, guiados, nesta retirada de derrota, pelo alvorar
de cada dia.
O largo e
livre oceano tornou-se então, para ambos, a esperança querida. Quando
alcançavam o cume de uma colina ou serrania, pelas sanguíneas manhãs ou pelos
dourados ocasos, os seus olhos ansiosos corriam todo o horizonte, em busca da
salvação, em busca do Mar amigo. E só seis meses depois de deixarem Serro Frio
caminhando, numa jornada incessante, ora sob chuvas torrenciais, ora sob o sol
ardentíssimo, puderam avistar novamente o oceano infinito. Mas, para chegarem
às recurvas praias alvas, havia ainda a transpor muitas planícies extensas e
muitas colinas íngremes. Redobraram então de esforços, e caminharam, e seguiram...
VI
Um mês após,
entretanto, ao fim de uma larga planura, os outeiros verdes da costa
desenhavam-se-lhes à vista. Não obstante o longo e profundo cansaço que quase
os vencia de todo, invadidos agora de uma extraordinária alegria, resolveram
subir a um desses pequenos montes, a ver se descortinavam acaso o povoado marítimo
de onde tinham partido. E lá foram encosta acima até ao pequeno viso escalvado,
onde uma grande árvore secular, com a sua densa fronte triunfal, erguia o seu
grosso tronco aprumado ao sol de ouro radiante de um belo dia de estio. Não era
o arraial almejado, mas uma pitoresca enseada que jamais haviam visto.
Embaixo, uma
vasta planície se abria, toda coberta de vassourais e catingas, estendendo-se
para o interior, dominada aqui e ali por um ou outro maciço elevado de
guapurubus altivos. Uma longa faixa de praia alvejante, que diamantinamente
faiscava à luz viva do meio-dia, avançava para além até uma ponta em cabeço,
tendo o sopé debruado por um cendal de escumilha. Mais longe, um promontório se
erguia, penetrando as águas mansas num esfumado azulino. E, cercando a praia e
os cabos, a líquida turquesa ondulante do imenso mar cheio de sol, deserto e
sem uma vela, na solidão infinita.
Após
contemplar algum tempo a magnífica enseada, o velho, cedendo à incomparável
fadiga que o prostrava, deixou-se aluir sobre o chão, a veneranda fisionomia
abatida, o grosso tórax musculoso apoiado ao tronco ereto e soberbo da velha
árvore amiga. No entanto, de pé, junto dele, João de Vilhena, seu sobrinho e
fiel camarada de ambições e desenganos, com as vestes já reduzidas a uma
simples tanga à cintura, alto e de atlética estrutura, o rosto ainda iluminado
de mocidade e saúde, olhava nostalgicamente o horizonte longínquo, a ver se
descobria por acaso os panos brancos de alguma caravela, em que pudessem — ele
e o tio — regressar em breve à Pátria, perdida agora muito longe, além,
Atlântico em fora mais de milhares de milhas...
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