Eficiência Militar
(Historieta chinesa)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Li-hu ang-pô, vice-rei de Cantão,
Império da China, Celeste Império, Império do Meio, nome que lhe vai a calhar,
notava que o seu exército provincial não apresentava nem garbo marcial, nem
tampouco, nas últimas manobras, tinha demonstrado grandes aptidões guerreiras.
Como toda a gente sabe, o
vice-rei da província de Cantão, na China, tem atribuições quase soberanas. Ele
governa a província como reino seu que houvesse herdado de seus pais, tendo
unicamente por lei a sua vontade.
Convém não esquecer que isto se
passou, durante o antigo regime chinês, na vigência do qual, esse vice-rei
tinha todos os poderes de monarca absoluto, obrigando-se unicamente a
contribuir com um avultado tributo anual, para o Erário do Filho do Céu, que
vivia refestelado em Pequim, na misteriosa cidade imperial, invisível para o
grosso do seu povo e cercado por dezenas de mulheres e centenas de concubinas.
Bem.
Verificado esse estado miserável
do seu exército, o vice-rei Li-Huang-Pô começou a meditar nos remédios que
devia aplicar para levantar-lhe o moral e tirar de sua força armada maior
rendimento militar. Mandou dobrar a ração de arroz e carne de cachorro, que os
soldados venciam. Isto, entretanto, aumentou em muito a despesa feita com a
força militar do vice-reinado; e, no intuito de fazer face a esse aumento, ele
se lembrou, ou alguém lhe lembrou, o simples alvitre de duplicar os impostos
que pagavam os pescadores, os fabricantes de porcelana e os carregadores de
adubo humano — tipo dos mais característicos daquela babilônica cidade de
Cantão.
Ao fim de alguns meses, ele
tratou de verificar os resultados do remédio que havia aplicado nos seus fiéis
soldados, a fim de dar-lhes garbo, entusiasmo e vigor marcial.
Determinou que se realizassem
manobras gerais, na próxima primavera, por ocasião de florirem as cerejeiras, e
elas tivessem lugar na planície de Chu-Wei-Hu-o que quer dizer na nossa língua:
"planície dos dias felizes". As suas ordens foram obedecidas e cerca
de cinquenta mil chineses, soldados das três armas, acamparam em Chu-Wei-Hu,
debaixo de barracas de seda. Na China, seda é como metim aqui.
Comandava em chefe esse
portentoso exército, o general Fu-Shi-Tô que tinha começado a sua carreira
militar como puxador de tílburi em Hong-Kong. Fizera-se tão destro nesse mister
que o governador inglês o tomara para o seu serviço exclusivo.
Este fato deu-lhe um excepcional
prestígio entre os seus patrícios, porque, embora os chineses detestem os
estrangeiros, em geral, sobretudo os ingleses, não deixam, entretanto, de ter
um respeito temeroso por eles, de sentir o prestígio sobre-humano dos "
diabos vermelhos", como os chinas chamam os europeus e os de raça
européia.
Deixando a famulagem do
governador britânico de Hong-Kong, Fu-Shi-Tô não podia ter outro cargo, na sua
própria pátria, senão o de general no exército do vice-rei de Cantão. E assim
foi ele feito, mostrando-se desde logo um inovador, introduzindo melhoramentos
na tropa e no material bélico, merecendo por isso ser condecorado, com o dragão
imperial de ouro maciço. Foi ele quem substituiu, na força armada cantonesa, os
canhões de papelão, pelos do Krupp; e, com isto, ganhou de comissão alguns
bilhões de taels, que repartiu com o
vice-rei. Os franceses do Canet queriam lhe dar um pouco menos, por isso ele
julgou mais perfeitos os canhões do Krupp, em comparação com os do Canet.
Entendia, a fundo, de artilharia, o ex-fâmulo do governador de Hong-Kong.
O exército de Li-Huang-Pô estava
acampado havia um mês, nas "planícies dos dias felizes", quando ele
se resolveu a ir assistir-lhe as manobras, antes de passar-lhe a revista final.
O vice-rei, acompanhado do seu
séquito, do qual fazia parte o seu exímio cabeleireiro Pi-Nu, lá foi para a
linda planície, esperando assistir a manobras de um verdadeiro exército
germânico. Antegozava isso como uma vítima sua e, também, como constituindo o
penhor de sua eternidade no lugar rendoso de quase rei da rica província de
Cantão. Com um forte exército à mão, ninguém se atreveria a demiti-lo dele.
Foi.
Assistiu as evoluções com
curiosidade e atenção. A seu lado, Fu-Shi-Pô explicava os temas e os detalhes
do respectivo desenvolvimento, com a abundância e o saber de quem havia
estudado Arte da Guerra entre os
varais de um cabriolé.
O vice-rei, porém, não parecia
satisfeito. Notava hesitações, falta de élan
na tropa, rapidez e exatidão nas evoluções e pouca obediência ao comando em
chefe e aos comandados particulares; enfim, pouca eficiência militar naquele
exército que devia ser uma ameaça à China inteira, caso quisessem retirá-lo do
cômodo e rendoso lugar de vice-rei de Cantão. Comunicou isto ao general que lhe
respondeu:
— É verdade o que Vossa
Excelência Reverendíssima, Poderosíssima, Graciosíssima, Altíssima e Celestial
diz; mas os defeitos são fáceis de remediar.
— Como? perguntou o vice-rei.
— É simples. O uniforme atual
muito se parece com o alemão: mudemo-lo para uma imitação do francês e tudo
estará sanado.
Li-Huang-Pô pôs-se a pensar,
recordando a sua estadia em Berlim, as festas que os grandes dignatários da
corte de Potsdam lhe fizeram, o acolhimento do Kaiser e, sobretudo, os taels que recebeu de sociedade com o seu
general Fu-Shi-Pô... Seria uma ingratidão; mas... Pensou ainda um pouco; e, por
fim, num repente, disse peremptoriamente:
— Mudemos o uniforme; e já!
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