Conversão de um avaro
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Os vícios equilibram-se muita vez; outras vezes neutralizam-se ou vence um a outro... Há pecados que derrubam pecados, ou, pelo menos, quebram-lhes as pernas.
Gil Gomes tinha uma casa de colchões em uma
das ruas do bairro dos Cajueiros. Era um homem de cinquenta e dois anos, cheio
de corpo, vermelho e avaro.
Ganhara um bom pecúlio a vender colchões e a
não usar nenhum. Note-se que não era homem sórdido, pessoalmente desasseado;
não. Usava camisa lavada, calça e rodaque lavados. Mas era a sua maior despesa.
A cama era um velho sofá de palhinha; a mobília eram duas cadeiras, uma delas
quebrada, uma mesa de pinho e um baú. A loja não era grande nem pequena, mas
regular, cheia de mercadoria. Tinha dois operários.
Era mercador de colchões esse homem, desde
1827. Esta história passa-se em 1849. Nesse ano adoeceu Gil Gomes e um amigo,
que morava no Engenho Velho, levou-o para casa, pelo motivo ou pretexto de que
na cidade não poderia curar-se bem.
— Nada, meu amigo, disse ele a primeira vez
que o outro lhe falou nisso, nada. Isto não é nada.
— É sim; pode ser, ao menos.
— Qual! Uma febrícula; vou tomar um chá.
O caso não era de chá; mas Gil Gomes evitava
o médico e a botica até a última. O amigo deu-lhe a entender que não pensasse
nessas despesas, e Gil Gomes, sem compreender logo que o amigo por força
pensaria em alguma compensação, admirou esse rasgo de fraternidade. Não disse
sim, nem não; levantou os ombros, olhou para o ar, enquanto o outro repetia:
— Vamos, vamos!
— Vá lá, disse ele. Talvez o melhor remédio
seja a companhia de um bom amigo.
— Decerto!
— Porque a moléstia é nada; é uma febrícula...
— Das febrículas nascem os febrões, disse
sentenciosamente o amigo de Gil Gomes.
Esse amigo chamava-se Borges; era um resto de
sucessivos naufrágios. Tinha sido várias coisas, e ultimamente preparava-se a
ser milionário. Contudo estava longe; tinha apenas dois escravos boçais
comprados entre os últimos chegados por contrabando. Era, por ora, toda a
riqueza, não podendo incluir-se nela a esposa que era um tigre de ferocidade,
nem a filha, que parecia ter o juízo a juros. Mas este Borges vivia das
melhores esperanças. Ganhava alguma coisa em não sei que agências particulares;
e nos intervalos cuidava de um invento, que ele dizia destinado a revolucionar
o mundo industrial. Ninguém sabia o que fosse, nem que destino tivera; mas ele
afirmava que era grande coisa, utilíssima, nova e surpreendente.
Gil Gomes e José Borges chegaram à casa
deste, onde ao primeiro foi dado um quarto de antemão arranjado. Gomes achou-se
bem no aposento, posto lhe inspirasse ele o maior desprezo ao amigo.
— Que desperdício! quanta coisa inútil! Nunca
há de ser nada o pateta! dizia ele entre dentes.
A doença de Gomes, atalhada a tempo, curou-se
em poucos dias. A mulher e a filha de Borges tratavam dele com o carinho que
permitia o gênio feroz de uma e a leviandade de outra. A Sra. D. Ana acordava
às cinco horas da manhã e berrava até às dez da noite. Poupou ao hóspede esse
costume durante a doença; mas, a palavra contida manifestava-se em repelões à
filha, ao marido e às escravas. A filha chamava-se Mafalda; era uma moça
pequena, vulgar, supersticiosa, que só se penteava às duas horas da tarde e
andava sem meias toda a manhã.
Gil Gomes deu-se bem com a família.
O amigo não cogitava de outra coisa mais que
de o fazer feliz, e lançou mão de bons cobres para tratá-lo como faria a um
irmão, a um pai, a um filho.
— Dás-te bem? dizia-lhe no fim de quatro
dias.
— Não me dou mal.
— Pior! isso é fugir à pergunta.
— Dou-me perfeitamente; e naturalmente
incomodo-te...
— Oh! não...
— Decerto; um doente é sempre um peso de
mais.
José Borges protestou com toda a energia
contra essa suposição gratuita do amigo e acabou proferindo um discurso acerca
dos deveres da amizade, que Gil Gomes ouviu enfastiado e penalizado.
Na véspera de voltar para a sua loja de
colchões, Gil Gomes travou conhecimento com uma nova pessoa da família: a viúva
Soares. A viúva Soares era prima de José Borges. Tinha vinte e sete anos, e
era, na frase do primo, um pedaço de mulher. Efetivamente era vistosa, forte,
de ombros largos, braços grossos e redondos. Viúva desde os vinte e dois,
conservava um resto de luto, antes como um realce que outra coisa. Gostava de
véu porque um poetastro lhe dissera em versos de todos os tamanhos que seus
olhos, velados, eram como estrelas através de nuvens finas, ideia que a Sra. D.
Rufina Soares achou engenhosa e novíssima. O poeta recebeu em paga um olhar.
Na verdade, os olhos eram bonitos, grandes,
pretos, misteriosos. Gil Gomes, quando os viu ficou embasbacado; foi talvez o
remédio que melhor o curou.
— Essa tua prima, na verdade...
— Um pedaço de mulher!
— Pedaço! é uma inteira, são duas mulheres,
são trinta e cinco mulheres!
— Que entusiasmo! observou José Borges.
— Eu gosto do que é belo, respondeu Gil Gomes
sentenciosamente.
A viúva ia jantar. Era uma boa perspectiva de
tarde e noite de palestra e conversação. Gil Gomes já agradecia ao céu a
doença, que lhe dera ocasião de encontrar tamanhas perfeições.
Rufina era muito agradável na conversa e
pareceu simpatizar desde logo com o convalescente, fato em que as outras
pessoas não pareceram reparar.
— Mas já está bom de todo? dizia ela ao
colchoeiro.
— Estava quase bom; agora estou perfeito,
respondeu ele com certo trejeito de olhos, que a viúva fingiu não ver.
— Meu primo é um bom amigo, disse ela.
— Oh! é uma pérola! Minha moléstia era pouca
coisa; mas ele lá foi à casa, pediu, instou, fez tudo para que eu viesse
tratar-me em casa dele, dizendo que eram precisos cuidados de família. Vim; em
boa hora vim; estou são e re-são.
Desta vez foi Rufina quem fez um trejeito com
os olhos. Gil Gomes, que não esperava por ele, sentiu cair-lhe a baba.
O jantar foi uma delícia, a noite outra
delícia. Gil Gomes sentia-se transportado a todos os céus possíveis e
impossíveis. Ele prolongou quanto pôde a noite, propôs uma bisca de quatro e
teve meio de fazer com que Rufina fosse sua parceira só pelo gosto de lhe
piscar o olho, quando tinha na mão o sete ou o ás.
Foi adiante.
Num lance difícil, em que a parceira hesitava
se pegaria na vaza com a bisca de trunfo, Gil Gomes, vendo que ela não
levantava os olhos, e conseguintemente não podendo fazer-lhe o sinal de
costume, tocou-lhe no pé com o pé.
Rufina não recuou o pé; compreendeu, atirou a
bisca na mesa. E os dois pés ficaram juntos alguns segundos. Repentinamente, a
viúva, parecendo que só então dera pelo atrevimento ou liberdade do parceiro,
recuou o pé e ficou muito séria.
Gil Gomes olhou vexado para ela; mas a viúva
não lhe recebeu o olhar. No fim, sim; ao despedir-se daí a uma hora é que
Rufina fez as pazes com o colchoeiro apertando-lhe muito a mão, o que o fez
estremecer todo.
A noite foi cruel para o colchoeiro, ou antes
deliciosa e cruel, ao mesmo tempo, porque sonhou com a viúva de princípio até o
fim. O primeiro sonho foi bom: imaginava-se que passeava com ela e mais a
família toda em um jardim e que a viúva lhe dera flores, sorrisos e beliscões.
Mas o segundo sonho foi mau: sonhou que ela lhe enterrava um punhal. Desse
pesadelo passou a melhores fantasias, e a noite correu toda entre imaginações
diversas. A última, porém, sendo a melhor, foi a pior de todas: sonhou que
estava casado com Rufina, e de tão belo sonho caiu na realidade do celibato.
O celibato! Gil Gomes começou a pensar
seriamente nesse estado que já lhe durava muitos anos, e perguntou aos céus e à
terra, se tinha direito de não casar. Esta pergunta foi respondida antes do
almoço.
— Não! disse ele consigo; não devo casar
nunca... Aquilo foi uma fantasia de uma hora. Leve o diabo a viúva e o resto.
Ajuntar uns cobres menos maus para os dar a uma senhora que os desfará em pouco
tempo... Nada! nada!
Almoçou tranquilo; e despediu-se dos donos da
casa com muitas manifestações de agradecimento.
— Agora não esqueça o número de nossa casa,
já que se pilhou curado, disse a filha de José Borges.
O pai corou até os olhos, enquanto a mãe
punia a indiscrição da filha com um beliscão que lhe fez ver as estrelas.
— Salta lá para dentro! disse a boa senhora.
Gil Gomes fingiu não ouvir nem ver nada.
Apertou a mão dos amigos, prometeu-lhes uma eterna gratidão e saiu.
Seria faltar à verdade o dizer que Gil Gomes
não pensou mais na viúva Rufina. Pensou; mas procurou vencer-se. Durou a luta
uma semana. Ao fim desse tempo teve ímpeto de ir passar-lhe pela porta, mas
receou, envergonhou-se.
— Nada! é preciso esquecer aquilo!
Quinze dias depois do encontro da viúva, Gil
Gomes parecia ter efetivamente esquecido a viúva. Para isso contribuíram alguns
acidentes. O mais importante deles foi o caso de um sobrinho que passava a vida
a trabalhar quanto podia e numa bela noite foi recrutado em plena Rua dos
Ciganos. Gil Gomes não amava ninguém neste mundo, nem no outro; mas devia
certas obrigações ao finado pai do sobrinho; e, ao menos por decoro, não pôde
recusar ir vê-lo, quando recebeu a notícia do desastre do rapaz. Pede a justiça
que se diga que ele procurou durante dois dias retirar o sobrinho do exército
que o esperava. Não lhe foi possível. Restava dar-lhe um substituto, e o
recruta, quando viu perdidas todas as esperanças, insinuou esse recurso
derradeiro. O olhar com que Gil Gomes respondeu à insinuação gelou todo o
sangue que havia nas veias do moço. Esse olhar parecia dizer-lhe: — Um
substituto! dinheiro! sou algum pródigo? Não é mais do que abrir os cordões à
bolsa e deixar cair o que se custou a ganhar? Alma perversa, que espírito mau
te meteu na cabeça esse pensamento de dissolução?
Outro incidente foi haver-lhe morrido
insolvável o único devedor que ele tinha — um devedor de seiscentos mil-réis,
com juros. Esta notícia poupou a Gil Gomes um jantar, tal foi a mágoa que o
acometeu. Ele perguntava a si mesmo se era lícito aos devedores morrer sem
liquidar as contas, e se os céus tinham tanta crueldade que levassem um pecador
deixando uma dívida. Esta dor foi tão grande como a primeira, posto devesse ser
maior; porquanto, Gil Gomes, em vários negócios que tinha tido com o devedor
finado, havia-lhe colhido aos poucos a importância da dívida extinta pela
morte; ideia que de algum modo o consolou e lhe fez mais tolerável a ceia.
Estava, portanto, D. Rufina, se não
esquecida, ao menos adormecida na memória do colchoeiro, quando este uma noite
recebeu um bilhetinho da mulher de José Borges. Pedia-lhe a megera que ele fosse
lá jantar no próximo sábado, aniversário natalício da filha do casal. Este
bilhete foi levado pelo próprio pai da moça.
— Podemos contar contigo? disse este, logo
que o viu acabar de ler o bilhete.
— Eu sei! talvez...
— Não há talvez, nem meio talvez. É festa
íntima, só parentes, dois amigos, um dos quais és tu... Senhoras, há só as de
casa, a comadre Miquelina, madrinha de Mafalda, e a prima Rufina... Não sei se
a conheces?
— Tua prima?... Conheço! acudiu o colchoeiro
expelindo faíscas dos olhos. Não te lembras que ela passou a última noite que
estive em tua casa? Até jogamos a bisca...
— É verdade! Não me lembrava!
— Boa senhora...
— Oh! é uma pérola! Ora, espera... agora me
lembro que ela, ainda há poucos dias, esteve lá e falou em ti. Perguntou-me
como estavas... É uma senhora de truz!...
— Pareceu-me...
— Vamos ao que importa, podemos contar
contigo?
Gil Gomes interiormente tinha capitulado;
queria declará-lo, mas por modo que não parecesse esquisito. Fez um gesto com
as sobrancelhas, apertou a ponta do nariz, olhando para a carta e murmurou:
— Pois... sim... talvez...
— Talvez, não quero! Há de ser por força.
— És um diabo! Pois bem, vou.
José Borges apertou-lhe muito a mão,
sentou-se, contou-lhe duas anedotas; e o colchoeiro, tocado subitamente da
suspeita de que o primo da viúva quisesse pedir-lhe dinheiro, entrou a
cochilar. José Borges saiu e foi levar à casa a notícia de que Gil Gomes
compareceria à festa. Chegou como a Providência, fazendo suspender de cima da
cabeça da filha uma chuva de ralhos com que a mãe castigava uma das infinitas
indiscrições da pequena. A Sra. D. Ana não se alegrou logo, mas abrandou, ouviu
a notícia, expectorou ainda seis ou sete adjetivos cruéis, por fim calou-se.
José Borges, que, por medida de prudência, estava sempre do lado da mulher,
disse solenemente à filha que se retirasse, o que era servir ao mesmo tempo à
filha e à mãe.
— Então ele vem? disse D. Ana quando o
temporal começou a amainar.
— Vem, e o resto...
— Parece-te?
— Eu creio...
No dia aprazado compareceu em casa de José
Borges a gente convidada, os parentes, a comadre e os dois amigos. Entre os
parentes havia um primo, pálido, esguio e magro, que nutria em relação a
Mafalda uma paixão, correspondida pelo pai. Esse primo tinha três prédios.
Mafalda dizia gostar muito dele; e se, na verdade, os olhos fossem sempre o
espelho do coração, o coração da moça derretia-se pelo primo, porque os olhos
eram dois globos de neve tocados pelo sol. O que a moça dizia no coração era
que o primo não passava de uma figura de presepe; não obstante, autorizava-o a
pedi-la nesse dia ao Sr. José Borges.
Por esse motivo entrou o jovem Inácio duas
horas mais cedo que os outros; mas entrou somente. Falou, é verdade, mas falou
só de coisas gerais. Três vezes investiu com o pai da namorada para pedir-lha,
três vezes a palavra morreu-lhe nos lábios. Inácio era tímido; a figura
circunspecta de José Borges, os olhos terríveis da Sra. D. Ana e até os modos
ríspidos da namorada, tudo lhe metia medo e fazia perder a última gota de
sangue. Os convidados entraram sem que ele houvesse exposto ao tio suas
pretensões. Custou-lhe o silêncio um repelão da namorada; repelão curto, a que
sucedeu um sorriso animador, porque a moça compreendia facilmente que um noivo,
ainda que seja Inácio, não se pesca sem alguma paciência. Vingar-se-ia depois
do casamento.
Pelas quatro horas e meia entrou o Sr. Gil
Gomes. Quando ele apareceu à porta, José Borges esfregou os olhos como para
certificar-se que não era sonho, e que efetivamente o colchoeiro ali lhe
entrava pela sala. Pois quê! Onde, quando, de que modo, em que circunstâncias
Gil Gomes calçara nunca luvas? Trazia um par de luvas — é verdade que de lã
grossa —, mas enfim luvas, que na opinião dele eram inutilidades. Foi a única
despesa séria que fez; mas fê-la. José Borges, durante um quarto de hora, ainda
nutria a esperança de que o colchoeiro lhe trouxesse um presente para a filha.
Um dia de anos! Mas a esperança morreu depressa: o colchoeiro era oposto à
tradição dos presentes de anos; era um revolucionário.
A viúva Soares fez a sua entrada na sala (já
estava na casa desde as duas horas), poucos minutos depois de ali chegar Gil
Gomes. Este sentiu no corredor um farfalhar de vestido e um pisar grosso, que
lhe contundiu o coração. Era ela, não podia ser outra. Rufina entrou majestosa;
fosse acaso ou propósito, os primeiros olhos que fitou foram os dele.
— Nunca mais o vi desde aquela noite, disse
ela baixinho ao colchoeiro daí a cinco minutos.
— É verdade, concordou Gil Gomes sem saber que
respondesse.
Rufina reclinou-se na cadeira agitando o
leque, meio voltada para ele, que respondia trêmulo.
Não tardou que a dona da casa convidasse a
toda a gente a passar à sala de jantar. Gil Gomes levantou-se com ideia de dar
o braço à viúva; José Borges facilitou-lhe a execução.
— Então, que é isso? Dê o braço à prima.
Inácio, dá o braço a Mafalda. Eu levo a comadre... valeu? Você, Aninha...
— Eu vou com o Sr. Pantaleão.
O Sr. Pantaleão era um dos dois amigos
convidados por José Borges, além dos parentes. Não vale a pena falar dele;
basta dizer que era um homem silencioso; não tinha outro traço característico.
Na mesa, Gil Gomes foi sentado ao pé de
Rufina. Ele estava aturdido, satisfeito, desvairado. Um gênio invisível
atirava-lhe faíscas aos olhos; e entornava-lhe pelas veias abaixo um fluido,
que ele supunha ser celestial. A viúva parecia, na verdade, mais bela do que
nunca; fresca, repousada, ostentosa. Ele sentia-lhe o vestido a roçar-lhe as
calças; via-lhe os olhos embeberem-se nos seus. Era um jantar aquilo ou um
sonho? Gil Gomes não podia decidir.
José Borges alegrou a mesa como podia e
sabia, sendo acompanhado pelos parentes e pela comadre. Dos dois estranhos, o
colchoeiro pertencia à viúva e o silencioso era todo do seu estômago. José Borges
tinha um leitão e um peru, eram as duas peças melhores do jantar, dizia ele,
que já as anunciava desde o princípio. Começaram as saúdes; fez-se a de
Mafalda, a de D. Ana e de José Borges, a da comadre, a da viúva. Esta saúde foi
proposta com muito entusiasmo por José Borges e não menos entusiasticamente
correspondida. Entre Rufina e Gil Gomes foi trocado um brinde particular, de
copo batido.
Gil Gomes, apesar da resolução amorosa que se
operava nele, comeu à farta. Um bom jantar era coisa para ele fortuita ou
problemática. Só assim, de ano em ano. Por isso não deixou passar a ocasião. O
jantar, o vinho, a palestra, a alegria geral, os olhos da viúva, talvez a
pontinha de seu pé, tudo contribuiu para desatar os últimos nós à língua do
colchoeiro. Ele ria, falava, dizia graças, fazia cumprimentos à dona, arriava
todas as bandeiras. À sobremesa, quis por força que ela comesse uma pera,
descascada por ele; e a viúva, para lhe pagar a fineza, exigiu que ele comesse
metade.
— Aceito! exclamou o colchoeiro fora de si.
A pera foi descascada. Partiu-a a viúva, e os
dois comeram a fruta, de parceria, com os olhos modestamente no prato. José
Borges, que não perdeu a cena de vista, parecia satisfeito com a harmonia dos
dois. Ergueu-se para fazer uma saúde ao estado conjugal. Gil Gomes correspondeu
ruidosamente; Rufina nem tocou no copo.
— Não correspondeu ao brinde do seu primo?
perguntou Gil Gomes.
— Não.
— Por quê?
— Porque não posso, suspirou a viúva.
— Ah!
Um silêncio.
— Mas... por que... isto é... que calor!
Estas palavras incoerentes, proferidas pelo
colchoeiro, não pareceu que as ouvisse a viúva. Ela olhava para a borda da
mesa, séria e fixamente, como quem encara o passado ou o futuro.
Gil Gomes achou-se um pouco acanhado. Não
compreendia muito o motivo do silêncio de Rufina e perguntava a si próprio se
ele havia dito alguma tolice. De repente, levantaram-se todos. A viúva
tomou-lhe o braço.
Gil Gomes sentiu o braço de Rufina e
estremeceu da cabeça até os pés.
— Por que motivo ficou triste ainda agora?
perguntou ele.
— Eu?
— Sim.
— Fiquei triste?
— E muito.
— Não me lembro.
— Talvez fosse zangada.
— Por quê?
— Não sei; pode ser que eu a ofendesse.
— O senhor?
— Eu sim.
Rufina negou com os olhos, mas uns olhos que
o colchoeiro antes quisera fossem duas espadas, porque atravessariam tão
cruelmente o coração, por mais morto que o deixassem.
— Por quê?
Rufina apertou muito os olhos.
— Não me pergunte, disse ela afastando-se
dele rapidamente.
O colchoeiro viu-a afastar-se e levar-lhe o
coração na barra do vestido. Seu espírito sentiu pela primeira vez a vertigem
conjugal. Ele, que deixara de fumar por economia, aceitou um charuto de José
Borges para distrair-se, e fumou-o todo sem poder arrancar de si a imagem da
viúva. Rufina, entretanto, parecia evitá-lo. Três vezes quis ele entabular
conversação sem conseguir detê-la.
— Que é isso? perguntou o colchoeiro consigo.
Aquele procedimento deixou-o ainda mais
perplexo. Ficou triste, amuado, não sentiu correr as horas. Eram onze quando
deu acordo de si. Onze horas! E ele que quisera assistir ao fechar a porta! A
casa entregue ao caixeiro tão longo tempo, era um perigo; pelo menos, uma
novidade que podia ter graves consequências. Circunstância que ainda mais lhe
ensombrou o espírito. Irritado consigo mesmo, fugiu à companhia dos outros e
foi sentar-se em uma saleta, deu corda a uma caixa de música que ali achou e
sentou-se a ouvi-la.
De repente, foi interrompido pelo passo forte
da viúva, que fora buscar o xale para sair.
— Vai embora? perguntou ele.
— Vou.
— Tão cedo!
Rufina não respondeu.
— Parece que a senhora ficou mal comigo.
— Pode ser.
— Por quê?
Rufina suspirou; e depois de um silêncio:
— Não me fale mais, não procure ver-me,
adeus!...
Saiu.
Gil Gomes, atordoado com a primeira impressão,
não pôde dar um passo. Mas, enfim, dominou-se e saiu em procura da viúva.
Achou-a na sala a abraçar a prima. Quis falar-lhe, chegou a dizer-lhe algumas
palavras; mas Rufina não pareceu ouvir. Apertou a mão a todos. Quando chegou a
vez do colchoeiro, foi um aperto, um só, mas um aperto que valia por todos os
apertos do mundo, não que fizesse forte, mas porque era significativo.
Gil Gomes saiu dali meia hora depois, num
estado de agitação como nunca estivera em todos os longos dias de sua existência.
Não foi logo para casa; era-lhe impossível dormir, e andar na rua sempre era
economizar a vela. Andou cerca de duas horas, a ruminar umas ideias, a correr
atrás de umas visões, a evaporar-se em fantasias de toda a espécie.
No dia seguinte, à hora do costume, estava na
loja sem saber o que fazia. Custava-lhe a reconhecer os seus colchões. O dia, a
agitação dos negócios, o almoço puseram alguma surdina às vozes do coração. O
importuno calou-se modestamente ou, antes, velhacamente, para criar mais forças.
Era tarde. Rufina tinha cravado no peito do colchoeiro a seta da dominação.
Era preciso vê-la.
Mas como?
Gil Gomes pensou nos meios de satisfazer essa
necessidade imperiosa. A figura esbelta, forte, rechonchuda da prima de José
Borges parecia estar diante dele a dizer-lhe com os olhos: Vai ver-me! vai ter
comigo! vai dizer-me o que sentes!
Por fortuna de Gil Gomes a viúva fazia anos
dali a três semanas. Ele foi um dos convidados. Correu ao convite da dama de
seus pensamentos. A vizinhança, que conhecia os hábitos tradicionalmente
caseiros de Gil Gomes, entrou a comentar as suas saídas frequentes e a
conjecturar mil coisas, com a fertilidade da gente curiosa e vadia. O fato,
sobretudo, de o ver sair com uma sobrecasaca nova, por ocasião dos anos da viúva,
pôs a rua em alvoroço. Uma sobrecasaca nova! era o fim do mundo. Que querem? A
viúva valia a pena de um sacrifício por maior que ele fosse e aquele foi
imenso. Três vezes recuou o colchoeiro estando à porta do alfaiate, mas três
vezes insistiu. Ir-se embora, se fosse possível varrer-se-lhe da memória a
figura da dama. Mas se ele a trazia presente! Se ela estava aí diante dele, a
fitá-lo, a sorrir-lhe, a moer-lhe a alma, a despedaçar-lhe o coração! Veio a
sobrecasaca; ele vestiu-a; achou-se elegante. Não chorou o dinheiro, porque só
o dominava a ideia de ser contemplado pela viúva.
Esse novo encontro de Gil Gomes e Rufina foi
a ocasião de se entenderem. Tantas atenções com ele! Tantos olhares para ela!
Um e outro caminhavam rapidamente até esbarrarem no céu azul, como dois astros
errantes e simpáticos. O colchoeiro estava prostrado. A viúva parecia vencida.
José Borges favoreceu essa situação, descobrindo-a a ambos.
— Vocês estão meditando alguma coisa, disse
ele, achando-se uma vez a olhar um para o outro.
— Nós? murmurou Rufina.
Este nós penetrou a alma do colchoeiro.
O colchoeiro fez duas ou três visitas à
viúva, em ocasião que lá ia a família desta. Uma vez apresentou-se, sem que a
família lá estivesse. Rufina mandou dizer que não estava em casa.
— Seriamente? perguntou ele à preta. Tua
senhora não está em casa?
— Ela mandou dizer que não, senhor, acudiu a
boçal escrava.
Gil Gomes quis insistir; mas podia ser
inútil; saiu com a morte em si. Aquela esquivança era um aguilhão, que ainda
mais o irritou. A noite foi cruel. No dia seguinte apareceu-lhe José Borges.
— Podes falar comigo em particular? disse
este.
— Posso.
Foram para os fundos da loja. Sentaram-se em
duas cadeiras de pau. José Borges tossiu, meditou um instante. Custava-lhe ou
parecia custar-lhe a entabular a conversa. Enfim, rompeu o silêncio:
— Tu foste ontem à casa de minha prima?
— Fui.
— Disseram-te que ela não estava em casa...
— Sim, a preta...
— A preta disse mais: deu a entender que
minha prima estava, mas dera ordem de te dizer que não.
— Era falso?
— Era verdade.
— Mas então?...
— Eu te explico. Rufina sabe que tu gostas
dela; tu deves saber que ela gosta de ti; todo o mundo sabe que vocês gostam um
do outro. Ora, se lá fores quando nós estamos, bem...
Gil Gomes tinha-se levantado e dera quatro ou
seis passos na salinha, sem ouvir o resto do discurso de José Borges, que teve
em si o seu único auditório.
No fim de alguns minutos, o colchoeiro
sentou-se outra vez e inquiriu o amigo:
— Dizes então que eu gosto de tua prima?
— É visível.
— E que ela gosta de mim?
— Só um cego o não verá.
— Ela supõe isso?
— Vê e sente-o!
— Sente-o?
O colchoeiro esfregou as mãos.
— Gosta de mim? repetiu ele.
— E tu gostas dela.
— Sim, confesso que... Parece-te ridículo?
— Ridículo! Essa agora! Pois um homem como
tu, dotado de verdadeiras e boas qualidades, há de parecer ridículo por gostar
de uma senhora como Rufina?...
— Sim, creio que não.
— De nenhum modo. O que te digo é que toda a
circunspecção é pouca, até o dia do casamento.
Ouvindo esta palavra, Gil Gomes sentiu um
calafrio e perdeu momentaneamente todas as forças. A ideia talvez lhe passasse
alguma vez pelo espírito, mas vaga e obscura, sem se fixar nem clarear. José
Borges proferia a palavra em toda a sua realidade. O colchoeiro não pôde
resistir ao abalo. Ele vivia em uma agitação que o punha fora da realidade e
sem efeitos. A palavra formal, na boca de um parente, quando já ninguém
ignorava a natureza de seus sentimentos, era um golpe quase inesperado e de
efeito certo.
José Borges fingiu não reparar na impressão
do amigo, e continuou a falar do casamento, como de uma coisa indeclinável.
Teceu os maiores elogios à viúva, à sua beleza, aos seus pretendentes, às suas
virtudes. A maior destas era a economia; pelo menos, foi o que ele mais louvou.
Quanto aos pretendentes eram muitos, mas ultimamente estavam reduzidos a cinco
ou seis. Um deles era desembargador. No fim de uma hora, José Borges saiu.
A situação do colchoeiro complicava-se; sem o
pensar achava-se às portas de um casamento, isto é, de uma grande despesa que
viria abalar muito o edifício laborioso de suas economias.
Passou-se uma semana depois daquele diálogo,
e a situação de Gil Gomes não melhorou nada. Pelo contrário, agravou-se. No fim
desse tempo, tornou a ver a viúva. Nunca lhe pareceu mais bela. Trazia um
vestido simples, nenhum ornato, salvo uma flor ao seio, que ela em ocasião
oportuna tirou e ofereceu ao colchoeiro. A paixão de Gil Comes foi-se
convertendo numa embriaguez; ele já não podia viver sem ela. Era preciso vê-la,
e quando a via, tinha ânsia de lhe cair ao pés. Rufina suspirava, falava;
quebrava os olhos, trazia arrastado o pobre Gil Gomes.
Veio mais uma semana, depois outra e mais
outra. O amor trouxe algumas despesas nunca usadas. Gil Gomes sentiu que a
avareza afrouxava um pouco as rédeas; ou, por outra, não sentiu nada, porque
nada podia sentir; foi alongando os cordões à bolsa.
A ideia do casamento aferrou-se-lhe deveras.
Era grave, era um abismo que ele abriu diante de si. Às vezes assustava-se;
outras vezes fechava os olhos disposto a mergulhar nas trevas.
Um dia, Rufina ouviu ao colchoeiro o pedido
em regra, ainda que timidamente formulado. Ouviu-o, fechou a cabeça nas mãos e
recusou.
— Recusa-me? clamou o infeliz aturdido.
— Recuso, disse firmemente a viúva.
Gil Gomes não contava com a resposta;
insistiu, rogou, mas a viúva não parecia ceder.
— Mas por que recusa? perguntou. Não gosta de
mim?
— Oh! interrompeu ela apertando-lhe as mãos.
— Não é livre?
— Sou.
— Não compreendo, explique-se.
A viúva não respondeu logo; foi dali a um
sofá e meteu a cabeça nas mãos, durante cinco minutos. Vista assim era talvez
mais bela. Estava meio reclinada, ofegante, com alguma desordem nos cabelos.
— Que é? que tem? perguntou Gil Gomes com uma
ternura que ninguém era capaz de supor-lhe. Vamos lá; confie-me tudo, se alguma
coisa há, porque eu não compreendo...
— Amo-o muito, disse Rufina erguendo para ele
um par de olhos belos como duas estrelas; amo-o muito e muito. Mas vacilo em
casar.
— Disseram-lhe de mim alguma coisa?
— Não, mas tremo do casamento.
— Por quê? Foi infeliz com o primeiro?
— Fui muito feliz, e por isso mesmo receio
que seja infeliz agora. Parece-me que o céu me castigará se eu casar segunda
vez, porque nenhuma mulher foi ainda tão amada como eu fui. Oh! se soubesse que
amor me teve meu marido! Que paixão! que delírio! Vivia para fazer-me feliz.
Perdi-o; casar com outro é esquecê-lo...
Tornou a cobrir o rosto com as mãos, enquanto
o colchoeiro, ferido por aquele novo dardo, jurava a seus deuses que havia de
casar com ela ou o mundo viria abaixo.
A luta durou três dias, três longos e
estirados dias. Gil Gomes não cuidou de outra coisa durante o combate; não
abriu os livros da casa; talvez chegou a não afagar um freguês. Pior que tudo:
chegou a oferecer um camarote de teatro à viúva. Um camarote! Que decadência!
Não podia ir longe a luta e não foi. No
quarto dia recebeu ele uma resposta decisiva, um sim escrito em papel bordado.
Respirou; beijou o papel; correu à casa de Rufina. Ela esperava-o ansiosa. Suas
mãos tocaram-se; um ósculo confirmou o escrito.
Desde aquele dia até o do casamento foi um
turbilhão em que o pobre colchoeiro viveu. Não via nada; quase não sabia
contar; estava cego e tonto. De quando em quando um movimento instintivo
parecia fazê-lo mudar de caminho, mas era rápido. Assim, a ideia dele era que o
casamento não tivesse aparato; mas José Borges combateu essa ideia como indigna
dos noivos:
— Demais é bom que todos o invejem.
— Que tem isso?
— Quando virem passar o préstito todos dirão:
Que maganão! Que casamento! Rico e feliz!
— Rico... isto é... interrompeu Gil Gomes,
cedendo ao costume antigo.
José Borges bateu-lhe no ombro, sorriu e não
admitiu réplica. Ainda assim, ele não teria vencido, se não fosse o voto da
prima. A viúva declarou preferível um casamento aparatoso; o colchoeiro não
tinha outra vontade.
— Vá lá, disse ele; coupés, não é?
— Justamente; cavalos brancos, arreios finos,
cocheiros de libré, coisa bonita.
— Mais bonita do que você, é impossível,
acudiu o colchoeiro com um ar terno e galante.
Outro ósculo que o fez ver estrelas ao
meio-dia. Estava decidido que o casamento teria o maior aparato. Gil Gomes
reconhecia que a despesa era enorme, e intimamente pensava que era inútil; mas
desde que ela queria, toda a discussão estava acabada. Mandou preparar a roupa
dele; teve até de sortir-se, porque nada possuía em casa; aposentou os dois
velhos rodaques, as três calças de quatro anos. Pôs casa. A viúva guiou-o nessa
tarefa difícil; indicou o que ele devia comprar; escolheu ela mesma a mobília,
os tapetes, os vasos, as cortinas, os cristais, as porcelanas. As contas
chegavam às mãos do colchoeiro rotundas e pavorosas; mas ele pagava, quase sem
sentir.
Na véspera do casamento, tinha ele deixado de
pertencer a este mundo, tão alheado andava dos homens. José Borges aproveitou
esse estado de sonambulismo amoroso para lhe pedir duzentos mil-réis
emprestados. Coisa miraculosa! Gil Gomes emprestou-os. Era verdadeiramente o
fim do mundo. Emprestou os duzentos mil-réis, sem fiança, nem obrigação
escrita. Isto e a derrota do primeiro Napoleão são os dois fatos mais
estrondosos do século.
Casou no dia seguinte. A vizinhança toda
sabia já do casamento, mas não podia crer, supunha que era boato, apesar das
mil provas que os noveleiros espalhavam de loja em loja... Casou; quem o viu
entrar no coupé, ainda hoje duvida se
estava sonhando naquele dia.
Uma vez casado, estava passado o Rubicão. A
ex-viúva encheu a vida do colchoeiro; ocupou em seu coração o lugar que até
então pertencera à libra esterlina. Gil Gomes estava mudado; fora uma larva;
passava a borboleta. E que borboleta! A vida solitária da loja dos colchões era
agora o seu remorso; ele mesmo ria de si. A mulher, só a mulher, nada mais que
a mulher, eis o sonho da vida do colchoeiro; era o modelo dos maridos.
Rufina amava o luxo, a vida estrondosa, os
teatros, os jantares, os brilhantes. Gil Gomes, que vivera a detestar tudo
aquilo, mudou de sentimento e acompanhou as tendências da esposa. De longe em
longe tinha uma estremeção na alma. “Gil! Exclamava ele, aonde vais? Que
destino te leva à prodigalidade?” Mas um sorriso, um afago de Rufina dissipava
as nuvens e atirava o colchoeiro à carreira em que ia.
Um ano depois de casado sabia jogar o voltarete
e tinha assinatura no teatro. Comprou carro; dava jantares às sextas-feiras;
emprestava dinheiro a José Borges de trimestre em trimestre. Circunstância
particular: José Borges não lhe pagava nunca.
Vieram os anos, e cada ano novo achava-o mais
namorado da mulher. Gil Gomes era uma espécie de cachorrinho de regaço. Com
ela, ao pé dela, defronte dela, a olhar para ela; não tinha outro lugar nem
outra atitude. A bolsa emagreceu; ele engordou. Nos últimos anos, tinha vendido
o carro, suspendido os jantares e os teatros, diminuído os empréstimos a José
Borges, jogava a bisca a tentos. Quando a miséria chegou, Rufina retirou-se
deste mundo. O colchoeiro que já não tinha colchões, acabou a vida servindo de
agente em um cartório de escrivão.
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