Convenientes do ciúme
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
---
Com a sua perspicácia de mulher inteligentíssima e original, Ninon de Lenclos recomendava aos maridos que se não mostrassem ciumentos sem um motivo claro, seguro, evidente, para a manifestação de tal sentimento. "Não é com suspeitas — afirmava ela, — não é com suspeitas que se fortalece a fidelidade da mulher". E acrescentava, experiente: "Uma injúria tal, longe de a prender, enfraquece-a, familiarizando-a com sentimentos cuja só ideia devia parecer-lhe um crime. Acreditar na sua inconstância, faz com que ela se acostume a encará-la como possível, a aproximar-se mais dela. Isso só pode contribuir para que a mulher acredite ser a fidelidade um mérito, quando somente devia ser um dever."
Essas observações endereçadas a
todos os maridos injustificadamente ciumentos, faziam parte, já, do meu cabedal
de experiência, fornecida por um incidente que, há meses, profundamente me
impressionou.
Senhora de uma formosura incomum,
D. Colete abandonou o marido, arrastada pela violência do coração. Esse gesto,
que poderia tê-la conduzido à miséria, à lama, à vergonha, levou-a, pelo
contrário, ao esplendor e à felicidade. O jovem capitalista que a recebera nos
braços na sua queda, era considerado, e merecidamente, o homem mais rico da
capital. E era a fortuna e o coração desse homem generoso, nobre,
cavalheiresco, que ela via a seus pés, derretidos numa chuva de ouro, como
aquela com que Júpiter fecundou, na torre de Argos, a desditosa mãe de Perseu.
Robusto, moço e riquíssimo, o
ilustre capitalista não tinha motivos para temer um competidor. O seu orgulho,
a consciência da sua própria situação econômica, deviam conservá-lo muito alto,
acima de quaisquer temores. O coração que lhe batia no peito era, porém,
medroso, covarde, infantil, e foi dominado por essa fraqueza que ele chegou,
uma vez, a confessar o seu susto, dizendo à mulher amada, com o rosto nas mãos:
— Tu não imaginas, Colete, o que
tem sido a minha vida, depois que vivemos juntos. Eu tenho por ti uma paixão
desesperada. A minha fortuna, a minha vida, o meu destino estão nas tuas mãos.
Dou-te, como tens visto, o que desejas, e dar-te-ia mais, se mo pedisses. A
minha felicidade é, entretanto, perturbada por um temor permanente: temor de
que me deixes, susto de que me abandones, receio de que te apaixones por outro,
deixando a minha companhia!
A essas palavras, tão sinceras,
arrancadas do coração, a rapariga franziu a testa modelar, coroada de cabelos
dourados, como quem acaba de ouvir uma novidade surpreendente. Com os cotovelos
de mármore fincados na mesa de jantar, e com o rostinho de boneca, muito claro
e muito lindo, pousado nas mãos de seda a sua fisionomia denunciava uma grave
preocupação. De repente, a testa se lhe vincou ainda mais, e uma pergunta
aflorou, franca, ingênua, encantadora de naturalidade, na sua boquita vermelha:
— Há, então, no Rio, outro homem
mais rico do que tu?
E, intrigada, de si para si:
— Quem será?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...