11/25/2017

Coisas parlamentares (Conto), de Lima Barreto


Coisas parlamentares
 
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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O projeto legisla para um posto,
que se esqueceu de criar — o de subtenente.
Na hierarquia militar ele é desconhecido.
Do Jornal de 16.

Quando se anunciou que o deputado Floduardo ia assumir a tribuna, para apresentar um projeto regulando as promoções no Exército, toda a Câmara estremeceu.

Militar demissionário lido em tratadistas de coisas de militança, pontificando sobre a arte da guerra com os termos próprios e técnica, falando em balística e artilharia como ninguém, não havia quem não se embasbacasse, ao dogmatizar ele sobre plano de fogo, ângulo de sítio, fogo de enfiada, de barragem, marchas de flanco, alvo móvel e fixo etc. etc.

Trepou na tribuna arrogante e seguro de si. Começou fazendo um exórdio sobre a função das forças armadas nas sociedades modernas, sobre o papel das nossas, na história nacional: e, afinal, disse que a alma dos exércitos é a hierarquia, e esta só pode ser eficaz com uma boa lei de promoções. Entrou então no assunto:

— Senhor presidente: até hoje tem sido uma injustiça a passagem do primeiro posto para o segundo. Há decuriões que levam vinte e mais anos nesse posto, enquanto outros, em menos de cinco, estão centuriões. Sendo assim, há de se refletir tão grave irregularidade na constituição da coorte, pois, como se sabe, é esta constituída de três manípulos, formados de duas centúrias. Se os comandantes destas não tiverem a confiança dos seus subalternos, porque os perseguiram, preterindo-os, todo o edifício militar, não já da coorte, mas da própria legião, ficará abalado. Os legados e os tribunos nada poderão fazer para corrigir um tal estado de coisas. Penso que se deve considerar isso bem, porquanto os fabri...

UM SR. DEPUTADO — Vossa excelência para que exército está legislando?

O ORADOR — Para o nacional, naturalmente.

UM SR. DEPUTADO — Onde é que vossa excelência viu fabri, tribunas, no nosso exército?

O SR. PRESIDENTE — Peço toda a atenção. Quem está com a palavra é o deputado Floduardo.

O ORADOR — Como ia dizendo: porquanto os fabri e os vexilários...

UM SR. DEPUTADO — Isto é o exército de Roma Antiga!

Toda a Câmara ri-se e riem-se as galerias, os taquígrafos e das outras divisões do edifício chega gente para rir-se.

O deputado Floduardo não se escandaliza com a tempestade de riso que provocara. Logo que ela cessou, desce da tribuna e confidencia a um amigo:

— Li a coisa num livro; mas esqueci-me de adaptar, a ponto de não me lembrar de que não temos mais centuriões etc. Para outra vez, faço coisa mais limpa...

E acabou assim o incidente parlamentar. Tout est bien...

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