Chaves e fechaduras
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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— Os senhores, conselheiro, os
senhores, homens, — dizia-me, abanando-se pausadamente com o seu grande leque
de plumas vermelhas, a linda Viscondessa de Lima Freire, — os senhores serão,
sempre, injustos com as mulheres, por que nem todos poderão compreendê-las.
— As mulheres são, então, o maior
mistério do universo? — indaguei, com ironia.
A Viscondessa sorriu da minha
ingenuidade, e, sem dissimular a sua piedade pela minha ignorância, acentuou,
bondosa:
— O conselheiro não me entendeu,
ou não me quer entender. A mulher é um mistério, mas um mistério, apenas, para
o homem que lhe não agrada. O símbolo da fechadura tão frequentemente citado
pelos psicólogos, constitui uma verdade indiscutível.
— O símbolo da fechadura?
— Sim; não o conhece?
E como lesse a curiosidade no meu
olhar, contou-me, pausadamente, cerrando a meio os seus macios olhos de míope:
— Cada mulher é uma fechadura que
só tem uma chave...
— Só? — interrompi.
— Espere aí! — pediu, impondo-me
silêncio com o leque.
E continuou
— Cada mulher é uma fechadura,
que só tem uma chave, a qual está nas mãos do homem que a tem de amar e que tem
de ser amado por ela. Outros passarão sob os seus olhos, tentando abrir-lhe o
coração. Abusando da sua inexperiência, um ou outro poderá, talvez, penetrar no
sacrário da sua alma, usando de chave falsa. Um homem, apenas, tem a chave
verdadeira, e é somente quando a mulher se encontra com ele que se dá,
realmente, a felicidade no matrimônio. Compreendeu?
Eu ia confirmar com um
monossílabo, mas a ilustre senhora não me deu tempo.
— Cada mulher — continuou — devia
esperar, de olhos fechados, como a princesa adormecida no bosque, o portador da
chave da sua fechadura. É da impaciência de algumas que nascem, geralmente, os
escândalos, os divórcios, a dissolução ruidosa das famílias legalmente
constituídas. Supondo-se esquecidas pelo seu porteiro, elas cedem à primeira
chave falsa, ou à primeira gazua, e casam-se. Mais tarde, aparece o portador da
chave. E Já se vai, com esse encontro, a felicidade de um lar!
— Isso era antigamente! —
observou, intervindo, o capitão Peixoto Cunha, que nos observava de perto. —
Hoje não há mais portas com uma chave só.
E acentuou, rindo:
— As portas, hoje, são de trinco!
Nesse momento, chegava,
pausadamente, o visconde, enrolando em torno do dedo grosseiro uma fina
corrente de prata, em cuja extremidade chocalhava, numa argola, uma penca de
chaves.
Estas eram seis, e abriam, todas,
com a mesma facilidade, as duas gavetas da secretária...
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