Cefalgia
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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A maior ambição de D. Tereza,
desde que lhe morrera o marido, consistia em casar a sua filha única, a
encantadora e risonha Edelmira, com o Zezinho, acadêmico de engenharia e filho
único, também, do seu irmão Samuel. Criados juntos, quase como irmãos, os dois
primos votavam-se uma estima sincera, profunda, inquebrantável, que o amor
havia consolidado. E era este sonho máximo da sua vida que D. Tereza acabava de
realizar, naquela dia, ao ver chegar à casa, de regresso da igreja, o cortejo
nupcial, de que a Edelmirinha se apeava, com os olhos vermelhos de pranto
feliz, entre punhados de flores que lhe atiravam, sorrindo, as suas amiguinhas
da vizinhança.
Não querem. Entretanto, os
deuses, que a felicidade seja duradoura, nem eterna. No céu azul de uma vida
sem cuidados, há de passar, sempre, uma nuvem cinzenta, que interrompa a
continuidade da ventura. E era nisso que pensava D. Tereza, após o jantar
íntimo oferecido aos convidados, quando lhe foram dizer, na copa, que o Zezinho
se estava sentindo indisposto.
— Que é, meu filho, que é que
você tem? — correu a boa senhora, aflita, com a angústia estampada no rosto, a
indagar do rapaz.
— Não é nada, mãezinha, não é nada;
não se aflija! — pedia ele, pálido, ao lado da noiva.
O caso era, entretanto, de molde
a originar preocupações. Sustentando a cabeça nas mãos, o moço não podia
disfarçar mais a dor horrível que lhe estalava o crânio, modificando-lhe, pela
violência, a serenidade da fisionomia.
— Meu Deus! que será isto! Que
terão feito ao Zeca, minha Nossa Senhora?...
E, agoniada, a andar de um lado
para outro da casa:
— Isso foi inveja! foi
feitiçaria! foi mau olhado que puseram nele! Meu Deus, tende piedade de mim!...
Na sala, a desorientação não era
menor. Cada pessoa presente recomendava um remédio, uma droga, um recurso
caseiro.
— Dê um escalda-pés, D. Edelmira,
— aconselhava uma senhora gorda, montanhosa, que se abanava, paciente, com um
grande leque de plumas. — Dê um escalda-pés, que é um santo remédio!
— Um chá de erva-doce, Dona
Tereza; faça um chá de erva-doce bem forte! — intervinha outra dama, professora
pública, jubilada. — Isso é estômago, com certeza!
Iam as coisas por essa altura,
quando o Dr. Álvaro Osório de Almeida, que havia sido padrinho do casamento,
interveio, acalmando tudo:
— Isso não é nada; deixem-se de
aflição, de barulho, de agonia. É uma enxaqueca sem importância, que se trata
em uma hora. O essencial é o repouso.
E para D. Tereza:
— Dê-lhe uma cápsula de aspirina,
e deixem-no descansar um pouco. Dentro de uma hora, estará bom. O que é
indispensável, é que ele descanse, repouse, fique à vontade.
E dando, ele próprio, o exemplo,
tomou o chapéu, despediu-se dos recém-casados, e retirou-se, sendo acompanhado,
nisso, pelos outros convidados.
Esvaziada a sala, o noivo tomou a
cápsula recomendada, e, despedindo-se da tia, recolheu-se, com a noiva, à
alcova nupcial.
Meia hora depois, toda a casa
entrava em sossego. O silêncio era absoluto. Criados, parentes, plantas e
cristais, tudo adormecera, num grande sono de fadiga. No meio de tudo,
entretanto, um coração aflito velava. Era D. Tereza. Como estaria o Zeca? Teria
melhorado? Estaria, já, fora de perigo? E como se as coisas, em torno, não
respondessem satisfatoriamente à sua consulta; levantou-se do leito, e, pé ante
pé, encaminhou-se para o quarto dos noivos. Chegada à porta, aplicou, de leve,
o ouvido à tábua e, com a voz doce, medrosa, maternal, chamou, para dentro:
— Zequinha?... Zequinha?... E,
com doçura:
— A cabeça passou, meu filho?
O silêncio, no quarto, era
completo, perfeito; absoluto. Ninguém respondeu. Com o seu coração de mãe, D.
Tereza compreendeu tudo, e soltou um suspiro de alívio. O Zequinha estava bom.
A cabeça, com certeza, havia passado...
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