Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
O faustoso sultão de Kambalu, Abbas
I, que tinha por avós em linha direta Manuel José Fernandes, de Trás-os-Montes,
reino de Portugal, e Japira, índia de nação potiguara, a qual nação habitou
antigamente o Império do Brasil e desapareceu, à vista da penúria do seu povo e
da fome e da peste que o dizimavam, resolveu certo dia reunir em conclave as
pessoas mais gradas do reino, fossem elas de que credo fossem, professassem as
teorias que professassem, a fim de se aconselhar e resolver a situação. Vieram
um bispo, um mago oriental, um sábio doutor em medicina, uma cartomante, um
jurista, um engenheiro e um brâmane.
Abbas I assim falou, abrindo a
sessão:
— Meus senhores: todos vós sabeis
o motivo da nossa reunião. É a dor e a piedade pelo meu querido povo que me
movem a pedir-vos conselho, para lhe dar lenitivo. Falai com franqueza que vos
ouvirei com prazer. Falai!
O bispo levantou-se, fez o sinal
da cruz, orou durante alguns minutos, contando as contas do rosário e começou:
— Ad victum quae flagitat usus — Omnia jam mortalibus esse parata. Precisamos
de igrejas, conventos, recolhimentos — Majestade!
O MAGO — Não concordo. A luz é
tudo, de luz é feito o mundo, é feito Deus. Precisamos mais luz elétrica.
O DOUTOR — Isto tudo é delírio; é
pura paranoia, temperada com psicastenia, frenastenia. Na etiologia da peste há
duas frases: primeira, a do aparecimento, dúbio, auroral, das auroras claras de
maio, que é imperceptível; depois: manifestação ostensiva, horrível, de um belo
horrível que só os médicos conhecem. Keats diz: “Our songs are...”.
O ENGENHEIRO — Que diabo é isto?
Uma encampação é mais útil...
A CARTOMANTE — Vou deitar as
cartas...
O JURISTA — Cuidado com a
polícia! O Código Penal, no seu livro v, art. 1824, parágrafo...
O BRÂMANE — Tudo o que vem de mim.
O boi, a vaca...
ABBAS I — Ora bolas! Vocês não me
aconselham coisa alguma... São uns tagarelas aborrecidos. Vou decidir por mim;
vou construir um palácio magnífico. Vão-se embora, e já!
Abbas I cumpriu a sua palavra.
Cobriu o reino de impostos; mandou vir jaspe e ouro e mármore e pórfiro;
contratou no estrangeiro hábeis arquitetos e operários; e construiu o palácio,
para enriquecimento de seu povo e extinção das moléstias que o dizimavam.
Acabada a construção, meteu-se
nele. Daí a dias, porém, nem mais um criado tinha para servi-lo. Toda a gente
do país havia morrido de fome e de moléstia; e ele veio também a morrer de fome
porque não havia mais quem plantasse, quem colhesse, quem criasse etc. etc.
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